Técnicos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) afirmaram à Polícia Federal que cerca de três mil cargas de madeira da Amazônia no Pará foram exportadas a diversos países sem autorização do órgão, a exemplo de carregamentos de três madeireiras retidos nos EUA, cujas irregularidades embasaram a Operação Akuanduba da PF (Polícia Federal).
Os responsáveis pela informação são dois técnicos do Ibama que atuavam diretamente na área de fiscalização dessas exportações. Um terceiro corroborou a informação, sem precisar a quantidade. Ele falou em “milhares”. Questionado, o Ibama disse que “todas as dúvidas serão respondidas em juízo”.
Os técnicos foram ouvidos como testemunhas e seus depoimentos foram transcritos nos relatórios da investigação policial.
Fiscalização facilitou exportação ilegal de madeira
O cálculo sobre exportação ilegal de três mil cargas de madeira do Pará foi feito a partir de análises do setor de inteligência do Ibama, segundo um dos depoimentos à PF.
Diante dessa constatação, os técnicos elaboraram um documento em que registraram a contrariedade com a flexibilidade da fiscalização.
A nota técnica acabou sendo ignorada pelo presidente do Ibama. Um despacho de Bim, assinado em 25 de fevereiro de 2020 (uma terça-feira de Carnaval), dispensou a necessidade de autorização de exportação de madeira.
O Ibama passou a aceitar apenas o Documento de Origem Florestal (DOF), necessário para o transporte da madeira dentro do país. A flexibilização durou até a deflagração da Operação Akuanduba. O STF determinou a suspensão dos efeitos do despacho assinado pelo presidente do Ibama.
Em nota divulgada no sábado (23), o órgão afirmou que as regras de exportação foram restabelecidas “para todas as cargas de produtos e subprodutos madeireiros de espécies nativas destinadas à exportação”.
PF investiga Ibama e Ministério do Meio Ambiente
A Operação Akuanduba foi deflagrada na quarta-feira (19), a partir de autorizações do Supremo Tribunal Federal (STF) para o cumprimento de buscas e apreensões nos endereços de 23 alvos, além de quebras de sigilo bancário e fiscal.
Entre os alvos estão o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e o presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, afastado do cargo por 90 dias, a exemplo de outros oito servidores da área ambiental do governo de Jair Bolsonaro.
Salles teve participação na flexibilização, segundo a investigação da PF. Ele e Bim atuam alinhados desde o início do governo Bolsonaro.
A exportação de três mil cargas do Pará sem autorização do Ibama teria ocorrido antes do despacho do presidente do órgão. Os técnicos entendiam que os responsáveis por essas cargas deveriam ser autuados, diante da falta de autorização.
Elaborada a nota técnica, o documento foi apresentado ao presidente do Ibama. Ele desprezou o que foi colocado no documento, segundo o depoimento de uma das testemunhas à PF.
“Ao apresentar essa nota ao presidente do Ibama, ele se limitou a olhar e riscar alguns trechos balançando negativamente a cabeça”, registra o depoimento transcrito em relatório da PF.
“Ele riscou trechos que pretendia que fossem excluídos. Entretanto eram trechos que tinham fundamentações e conclusões que embasam a linha adotada pela equipe”, afirmou o técnico.
Presidente do Ibama mudou regras de exportação
Após essa posição, o servidor foi excluído das discussões, até a aprovação do despacho do presidente do Ibama que estabeleceu novas regras para exportação de madeira.
Pouco mais de um mês depois, em abril, o servidor foi exonerado por Salles do cargo que ocupava, segundo seu depoimento. “Em todos esses anos, nunca ocorreu de a presidência do Ibama não acatar os fundamentos e conclusões de nota técnica.”
Um segundo depoente registra que as autorizações de exportações de madeira no Pará ocorriam sem problemas até 2019. Com a apreensão de cargas nos EUA, associações de madeireiras passaram a se organizar e a pressionar, em Brasília, por mudanças nas regras, o que acabou ocorrendo no começo de 2020.
Uma terceira testemunha, também técnico do Ibama com atuação na fiscalização de cargas de madeira exportadas a EUA e Europa, afirmou à PF: “Além das cargas já apreendidas pelas autoridades estrangeiras, havia milhares de outras cargas que haviam deixado o território nacional na mesma situação”.
Segundo esse técnico, as empresas responsáveis por esses carregamentos são passíveis de sanções, tanto no Brasil quanto no exterior.
Mudança na regra causa danos ambientais
Os servidores relataram a incerteza sobre a retroatividade do ato do presidente do Ibama, agora suspenso por decisão de Alexandre de Moraes, o ministro do STF que autorizou a deflagração da Operação Akuanduba.
Em agosto de 2020, conforme relatório da PF, Bim enviou um ofício ao órgão ambiental congênere nos EUA dizendo que seu despacho tinha efeito retroativo e que era necessário ignorar os apontamentos de irregularidades em exportação de madeira feita por uma das madeireiras investigadas na Akuanduba.
Uma quarta testemunha ouvida pela PF, que atua no setor de infrações ambientais do Ibama, relatou que houve ou haverá prejuízos à fiscalização com legalização de cargas enviadas ao exterior e “anulação de todos os autos de infração relacionados a exportação que ainda estão pendentes de julgamento”.
“A pressão vinda de cima”, segundo o técnico, foi no sentido de que os servidores não apresentassem a órgãos de fiscalização elementos sobre o prejuízo causado pelo despacho do presidente do órgão ambiental.
“O depoimento não apenas reforça as graves consequências do teor do despacho firmado pelo presidente do Ibama, como traz novos e importantes elementos que, a nosso ver, reforçam ainda mais os indícios de possível envolvimento do ministro Ricardo Salles nos fatos em apuração”, afirmou a PF em relatório da investigação.
Situação de Salles se complica
A PF aponta operações financeiras suspeitas de Salles a partir do escritório de advocacia que ele tem em sociedade com a mãe, durante o período em que exerce o cargo de ministro no governo Bolsonaro e em meio a suposta prática de crimes na exportação de madeira ilegal.
Sobre as movimentações financeiras de Salles, o ministério afirmou, em nota, que “não há como se defender de algo que não se conhece”. Advogado de Salles, Fernando Augusto Fernandes disse que há uma mistura de fatos anteriores com fatos que não são criminosos. “Há um claro propósito político para induzir o STF em erro.”
Segundo o advogado, as movimentações financeiras do escritório que o ministro integra já foram objeto de investigação anterior, com esclarecimentos ao Ministério Público.
Com informações da Folha de S.Paulo