por Cláudia Leitão 03/04/2018
O século XXI é o século das cidades, do conhecimento, da criatividade e da inovação. E, por isso, é o século da economia criativa. Todos nós sabemos que a economia criativa é uma economia baseada na abundância e não na escassez de recursos (pois seu insumo principal é a criatividade e o conhecimento humano, que são infinitos); por isso, ela figura como uma estratégia fundamental para os países onde a criatividade é mais importante do que o domínio da ciência e tecnologia, como é o caso do Brasil. Ao mesmo tempo, a natureza colaborativa dessa economia favorece a ação entre pessoas, comunidades, instituições, coletivos, empresas, governos e redes. Enfim, a economia criativa oportuniza a “queima de etapas” nos processos produtivos, na medida em que reconcilia estratégias nacionais com processos internacionais globais. Vale, ainda, observar que a economia criativa é uma economia com grande expressão na área dos serviços, característica cada vez mais forte nas economias urbanas.
Da mesma forma que não é difícil apontar as virtudes da economia criativa, também poderíamos aqui levantar algumas de suas vicissitudes. A determinação do mundo dos serviços depende da qualidade e importância da manufatura no interior do sistema econômico. Sem isso, os serviços tendem a expandir muitas vezes sustentados pelo trabalho precário, aprofundando a separação entre ocupações nobres e pobres. Estruturados em grande parte por micro e pequenas empresas, os setores criativos estudados, em maior ou menor grau, atuam em situações bastante precárias. A baixa conectividade entre os empreendimentos e as instituições que deveriam suportar os mesmos também é uma realidade; seja pela ausência de contato, seja por conexões assistemáticas e descontinuadas, ou ainda, por relações superficiais dessas instituições com os empreendimentos criativos, que impactam de modo insatisfatório nas atividades e nos resultados desses empreendimentos. E mais. Apesar do mito de que “todos” estamos conectados em rede e que, por isso, temos o poder de articular em favor de causas comuns, podendo realizar negócios com mercados locais, regionais ou globais, ainda é baixa, a capacidade de mobilização e articulação entre os membros dos setores criativos.
Por outro lado, a relação com as instituições representativas de cada setor é frágil e há desconfiança entre os empreendedores quanto à sua capacidade de defender causas de interesse comum. Se a cultura colaborativa é reconhecida como importante, ela ainda é incipiente, no sentido de gerar ganhos efetivos no desenvolvimento econômico dos negócios criativos. Somente alguns setores têm incorporado as tecnologias digitais, como instrumentos de criação, produção e distribuição (como a arquitetura, filme & vídeo, jogos digitais e música) e grande parte dos empreendimentos criativos continuam limitados a um determinado território físico, embora haja iniciativas de relacionamento com mercados nacionais e internacionais.
Se as relações dentro dos setores criativos precisam ser fortalecidas, as relações entre os setores precisam ser potencializadas. As relações intersetoriais ocorrem de modo espontâneo, principalmente entre os setores com maior afinidade. No entanto, a ausência de espaços ou de programas que promovam o encontro desses atores reduz a incidência criativa positiva dessas conexões. É grande a necessidade de qualificação da percepção e da compreensão dos agentes (artistas, empreendedores, profissionais e instituições) quanto às dimensões da economia criativa e às dinâmicas de seus sistemas produtivos, redes setoriais e intersetoriais, para que se fortaleça uma cultura de colaboração, participação e desenvolvimento.
Os potenciais de desenvolvimento dos sistemas produtivos e das redes de economia criativa são infinitos, mas precisam ser trabalhados com profissionalismo. Afinal, fazer frente às grandes empresas, em mercados competitivos, demanda das MPE(s) ações articuladas e integradas para a mitigação de suas fragilidades, desde a etapa da criação, produção, distribuição e consumo, potencializando, sobretudo, suas capacidades de difusão e seus canais de comercialização.
A economia criativa brasileira é uma economia de serviços e possui características fortemente urbanas e, especialmente, periféricas nas grandes cidades brasileiras. A diversidade cultural brasileira transformou-se no principal insumo dos pequenos empreendedores dos setores culturais criativos das cidades investigadas. Apoiá-los é necessário e urgente. Graças a esses empreendedores e suas tecnologias sociais, culturais e econômicas, a dimensão simbólica dos negócios criativos perdura, assumindo compromisso com a sustentabilidade dos negócios, mas também das comunidades em seus territórios. São os empreendimentos desses setores criativos que permitirão ao país escapar de um processo de “pasteurização” de suas identidades culturais, tão comum em “tempos globais”, ao mesmo tempo em que valorizam, salvaguardam e difundem as expressões culturais e criativas brasileiras, realizando inclusão produtiva, estimulando novas sociabilidades e solidariedades.
Enfim, os sistemas produtivos e as redes dos setores culturais e criativos, formais ou informais, são muito mais do que atividades econômicas; constituem empreendimentos pedagógicos, que resgatam práticas civilizatórias, por meio de novas compreensões sobre as conexões entre a vida, o trabalho e a cidade. Graças aos pequenos empreendimentos criativos, as minorias, as comunidades, os grupos encontram possibilidades de expressão de suas demandas e conquistas. A pesquisa revela que o pequeno empreendedor não se deixa desestimular diante da hegemonia e da natureza concentradora das indústrias culturais e criativas em suas cidades. Pelo contrário, esses novos trabalhadores vêm, apesar da omissão dos governos, buscando cotidianamente soluções criativas para seus empreendimentos, construindo parcerias, estruturando-se por meio de coletivos, apontando para os governos que o século 21 já chegou e que as políticas públicas para a economia criativa brasileira não poderão mais ser postergadas.