A luta antirracista é central para a democracia brasileira. Essa é a avaliação de Zulu Araújo, mestre em cultura e sociedade e que foi o convidado desta quarta-feira (12) do ciclo de debates sobre a “Revolução Brasileira no Século 21” para discutir a questão racial. Ele defende que uma democracia para ser completa precisa necessariamente ser antirracista. E que esta é uma luta de todos e todas – incluindo os não negros.
“O racismo é estrutural porque a elite brasileira sempre adotou medidas em que negros e negras sempre estivessem excluídos do campo trabalho, dos direitos educacionais, sociais, do direito de ir e vir. Tudo isso está presente no Jacarezinho e no assassinato de dois jovens que roubaram carne (em um supermercado em Salvador) que estavam com fome.”
Zulu Araújo
Neste 13 de maio é celebrada a Abolição da Escravidão no Brasil. Para Araújo, foi um processo incompleto que não atendeu aos anseios da população negra. Ele analisa que o período escravagista foi “o marco inicial do capitalismo no Brasil e por isso mesmo estava vinculada aos anseios dos ingleses”, a pleno vapor da Revolução Industrial.
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Violência é fruto do racismo estrutural
Zulu também considera que a violência não é obra do acaso ou produzida por pessoas más. “É algo estrutural para a manutenção da desigualdade. Ou alguém acha que era possível manter 380 anos de escravidão na paz? Para isso teve que se reprimir quilombos”, observa.
Apesar da abolição, a política eugenista continuou sendo empregada no país. Como exemplo, ele cita a criminalização da “vadiagem”, que detinha quem perambulasse sem justificativa, e a proibição do voto aos analfabetos.
Araújo destacou a importância das políticas afirmativas de cotas que garantiram o acesso de pessoas negras ao ensino superior, bem como de indígenas e demais populações em situação de vulnerabilidade. Agora, afirma, é preciso garantir a continuidade dessas ações, seriamente ameaçadas pelas ações do governo de Jair Bolsonaro (sem partido).
Luta antirracista pela esquerda brasileira
Para Juliene Silva, integrante da direção da Juventude Socialista Brasileira (JSB) e uma das debatedoras, o racismo estrutural é tratado pela esquerda brasileira como um alter ego que paira sobre as pessoas e fazem elas serem racistas.
“A gente teve uma abolição sem mudança estrutural na sociedade, onde pessoas brancas não deixaram de ver pessoas negras como objeto.”
Juliene Silva
James Lewis, mediador do debate, fez uma autocrítica sobre a falta de urgência com que a questão racial sempre foi tratada. E lembrou que a luta antirracista não se refere à uma minoria.
“Negros e parados no Brasil representam 54% da população”, disse. Ele destacou também a filiação do ex-ministro da Igualdade Racial Edson Santos ao PSB, nesta quinta-feira (13), como mais uma ação do partido na luta antirracista.
Luta antirracista na Autorreforma do PSB
O presidente do Instituto Pensar e participante do debate, Domingos Leonelli, observou que as 577 teses que compõem a Autorreforma do PSB têm em seu centro o combate à desigualdade em todas as suas formas. Ele cita a proposta 345, que defende o ensino fundamental totalmente público.
“Esse é um princípio basilar para alcançarmos o mínimo de igualdade: os filhos dos trabalhadores pobres têm que ter o mesmo espaço dos filhos das classes abastadas. Acho que é uma tese antirracista, igualitária, fundamental para que nós possamos sonhar com igualdade em todo o país.”
Domingos Leonelli
Sobre a Autorreforma, Araújo ressalta que o partido deve incentivar a representação de negros e negras em cargos de liderança. Além da prática apoiar de fato candidaturas de não brancos a cargos eletivos – o que passa por apoio político e financiamento das campanhas.
“A agenda de combate ao racismo na Autorreforma não pode ser exclusivamente dos negros do PSB. Precisa ser do PSB. O parlamentar – homem ou mulher, branco, mulato, amarelo ou indígena – precisa defender a pauta antirracista brasileira. Na agenda antirracista cabe todos.”
Zulu Araújo
Conhecer a sociedade para fazer a revolução
“É preciso conhecer a sociedade brasileira para a gente ter condição de fazer a revolução”, comentou Zulu a partir da obra de Caio Prado Júnior, A Revolução Brasileira”.
“O texto de Caio Prado Júnior é de 1966, mas por mais incrível pareça continua tão atual como se tivesse sido escrito em 2021. Se tirar a pandemia do cenário, provavelmente vamos encontrar nas teses as falhas da percepção da esquerda. Houve um equívoco monumental na nossa presença de 12 anos no Estado brasileiro, de que essa presença havia representado um avanço e que a partir daí seríamos tratados como iguais num país tão desigual”.
Zulu Araújo
Lives Revolução Brasileira no Século 21
Zulu Araújo é arquiteto e doutorando em relações internacionais, foi presidente da Fundação Palmares e dirigiu o Grupo Cultural Olodum durante 10 anos e milita no movimento negro desde 1979. Ele foi o sétimo convidado para o ciclo de debates sobre a “Revolução Brasileira no Século 21”, que discutiu a questão racial.
As lives são promovidas pelo Instituto Pensar e o Socialismo Criativo, em conjunto com o Partido Socialista Brasileiro (PSB). O s eventos são realizados quinzenalmente, às quarta-feiras, e promovem discussões a partir da concepção de “Revolução Brasileira” elaborada pelo historiador Caio Prado Júnior.
Já participaram do ciclo de debates, o economista Luiz Gonzaga Belluzo, o geógrafo Elias Jabbour, o professor José Luiz Borges Horta, o socialista e ex-presidente da Frente Nacional dos Prefeitos (FNP), Jonas Donizette, e o doutor em Economia Marco Antonio Cavalieri.