
No Congresso, caiu como uma bomba a decisão de Jair Bolsonaro (sem partido) que libera para estudos a inclusão das Unidades Básicas de Saúde no programa de PPI, de investimento privado. Publicado na terça-feira (27), o decreto foi encarado como ‘o primeiro passo para promover a privatização da saúde no Brasil’ por muitos congressistas. Indo além das fronteiras da capital federal, a medida também foi rechaçada por entidades ligadas à saúde, influenciadores e artistas.
O decreto toma por base uma resolução do Conselho de PPI de 2019, que determina que a Saúde seja ouvida no processo. No entanto, o trecho foi retirado do documento publicado na terça. Outro fator a causar estranheza a congressistas é o fato do decreto não ter sido assinado pelo ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, mas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e pelo presidente.
Defesa do SUS
Líder do PSB na Câmara, o deputado federal Alessandro Molon (RJ) reafirmou a defesa da saúde pública. “Lutarei contra qualquer tentativa de privatizar o SUS, contra qualquer ataque à saúde pública. Nesta pandemia, o Sistema Único de Saúde mostrou-se vital para a esmagadora maioria da população brasileira. Não podemos abrir mão dele! Pelo acesso universal à saúde”, escreveu em suas redes sociais.
Companheiro de partido, o deputado Danilo Cabral (PSB-PE) apresentou ação para suspender a medida.
Deputado federal e vice-presidente nacional do PSB, Beto Albuquerque não poupou na crítica ao governo. “Não há o que o haja. Só cogitar ou pretender privatizar a atenção básica de saúde pública no Brasil beira a demência. O SUS acabou de demonstrar sua importância e organização durante a pandemia”, afirmou.
Decreto do escárnio
Presidente da Frente Parlamentar Mista pelo Fortalecimento do SUS, o deputado federal Márcio Jerry (PCdoB-MA) disse nesta quarta (28) que Bolsonaro promove “escárnio” contra o povo brasileiro. Junto com as deputadas Alice Portugal (PCdoB-BA) e Jandira Feghali (PCdoB-RJ), ele apresentou projeto para sustar a portaria.
“Defender o SUS é vital para a saúde de milhões de cidadãos. É um escárnio de Bolsonaro ao povo brasileiro uma norma que abre caminho para privatização dos serviços hoje garantidos pelo SUS. O que o Brasil precisa é de fortalecimento do Sistema, pelo que estamos e seguiremos lutando”, declarou Jerry, atual vice-líder do partido na Câmara.
Para o ex-ministro da Saúde, deputado Alexandre Padilha (PT-SP), o decreto é mais uma demonstração da voracidade, de Bolsonaro e Guedes em vender patrimônios do país.
“Tem um misto de intervencionismo com ignorância em relação de como funciona o SUS. Parece que a sangria para vender, que é uma prática e uma postura do ministro Guedes e Bolsonaro, ultrapassa a autonomia dos municípios e ultrapassa qualquer conhecimento em relação ao SUS”, avaliou. Para Padilha, além do atual ministro da Saúde que já havia dito que desconhecia o SUS, o presidente e o ministro da Saúde também desconhecem o sistema de saúde e o seu funcionamento.
Também autor de um requerimento que suspende os efeitos da norma, o deputado Rogério Correia (PT-MG) lembrou a importância das Unidades de Saúde. “O decreto de Bolsonaro propõe que as Unidades Básicas de Saúde (UBS) saiam da esfera pública e se transfiram para a iniciativa privada. E as UBSs são as portas de entrada do SUS, o que o governo quer de fato é privatizar todo o sistema de saúde público brasileiro”, declarou.
Decreto é ‘contra a vida’
Já a líder do PSOL na Câmara, Sâmia Bomfim (SP) questionou como Jair Bolsonaro pode se declarar a favor da vida após mais um ataque ao SUS. “Como se não bastassem as trocas de ministro da saúde no auge da pandemia, a campanha por um remédio sem comprovação científica, o veto à obrigatoriedade de máscaras e a luta contra a vacina, Bolsonaro agora quer privatizar o SUS. E ainda tem a coragem de se dizer a favor da vida!”.
O partido de Sâmia foi mais um a apresentar uma ação para sustar a decreto. No documento, o partido aponta a relevância do SUS para garantir o atendimento à população contaminada pelo coronavírus.
No Senado, o líder da oposição, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) também alertou para a gravidade da decisão em meio à pandemia. “Isso é um absurdo, especialmente agora, quando o SUS é a principal ferramenta de combate à pandemia principalmente às pessoas mais necessitadas! Iremos apresentar um PDL para sustar esse decreto!”, prometeu.
“Tiro no escuro”
Luiz Henrique Mandetta, que comandou a pasta no governo Bolsonaro até abril, reclamou da falta de transparência em entrevista ao Uol. “Sem explicar do que se trata é um tiro no escuro”, disse. O também ex-ministro no governo Lula, José Gomes Temporão, classificou como “disparate total” o decreto. “Entregar a rede básica de saúde para a gestão privada é uma iniciativa equivocada de qualquer ponto de vista”, opinou.
O presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Fernando Pigatto, afirmou que o decreto é uma arbitrariedade. Segundo ele, o CNS está avaliando o decreto em sua Câmara Técnica de Atenção Básica (CTAB) para emitir um parecer formal sobre o ocorrido e tomar as devidas providências legais.
“Neste momento o que precisamos é fortalecer o Sistema Único de Saúde. Esse sistema que tem salvado vidas. Estamos nos posicionando perante toda a população brasileira, como sempre nos posicionamos, contra qualquer tipo de privatização e retirada de direitos e fragilização do SUS. Continuaremos defendendo a vida, defendendo o SUS e defendendo a democracia”, disse Pigatto.
Não ao retrocesso
Presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), o secretário de Saúde do Maranhão, Carlos Lula afirmou que o assunto estava na pauta da reunião marcada para a tarde desta quarta.
“Estou em Brasília, onde logo mais participo da assembleia do Conass. O Decreto n 10.530, que tem por objetivo privatizar a atenção primária em saúde, será tema de debate. Não permitiremos nenhum retrocesso ao SUS”, declarou.
Dono de um perfil com mais de 12 milhões de seguidores, o influenciador Felipe Neto foi taxativo. “Quem defende privatização do SUS é GENOCIDA”. O humorista Marcelo Adnet foi mais uma a aderir à campanha de defesa do sistema de saúde. “Defenda o SUS”.
Até o fim tarde, nem o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) nem o presidente do Congresso e do Senado, haviam se manifestado sobre os pedidos apresentados nas duas Casas Legislativas.