
O acervo da Cinemateca Brasileira está em avançado estado de deterioração desde que a instituição foi fechada, em julho de 2020. A preservação da local e do acervo, conforme compromisso do secretário especial de Cultura do governo de Jair Bolsonaro (sem partido), Mario Frias, deveria ter ficado a cargo, em caráter temporário, da Sociedade Amigos da Cinemateca (SAC) após o encerramento temporário das atividades.
O objetivo era garantir a preservação do acervo da instituição – mais de 240 mil rolos de película e 41 mil títulos que corriam risco de deterioração pela falta de cuidados apropriados – até uma nova organização social ser escolhida para gerir a Cinemateca. Nada disso ocorreu. A data estipulada para a reabertura da instituição, já sob os cuidados da SAC, era 12 de janeiro. Um edital para contratação de uma nova gestora também não foi elaborado.
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Cinemateca corre riscos
O professor de cinema Carlos Augusto Calil, ex-diretor da Cinemateca, já havia alertado em outubro de 2020, em participação em programa de televisão, que a instituição enfrentava a maior crise da sua história. Para Callil, a memória se encontra em risco após o que ele chama de “confusão administrativa do Governo Federal”, que fechou a instituição e demitiu todos os seus funcionários. Por se tratar de um acervo de filmes, altamente inflamável, a situação de abandono aumenta os riscos de incêndio – a Cinemateca já pegou fogo quatro vezes, a última em 2016.
Imagens como o milésimo gol de Pelé, a inauguração da TV Tupi e cenas de “Um Cangaceiro”, primeiro filme brasileiro premiado em Cannes, mostram a riqueza do acervo, com 250 mil rolos de filme e mais de 1 milhão de documentos. Para Amir Labaki, diretor do festival de documentários “É Tudo Verdade”, o “álbum de fotografias em movimento” da história do Brasil está em risco.
“Se há algo que prova a importância são os documentários que estamos mostrando no ‘É Tudo Verdade’: boa parte dos filmes não aconteceria sem as imagens. Ela não é o passado, é o futuro.”
Amir Labaki
Manutenção constante é essencial
Desde o encerramento das atividades, diversos contratos emergenciais foram realizados para a manutenção do espaço. O problema é que nenhum desses contratos dá conta dos cuidados necessários com o acervo da Cinemateca. Os filmes em nitrato de celulose e acetato de celulose precisam de atenção de técnicos especializados. Todos os profissionais da área que realizavam esse trabalho foram desligados da instituição em 13 de agosto de 2020.
Segundo trabalhadores da Cinemateca ouvidos pelo colunista do Uol Ricardo Feltrin, além de serem feitos de material altamente inflamável, sem a manutenção adequada e tratamento especial, inclusive de temperatura, os filmes com nitrocelulose se deterioram sozinhos. Os filmes “vinagram” e a filmagem “derrete” em meio a reações químicas temporais do material em que está e se perde, além de colocar em risco todas as instalações do acervo.
Ainda segundo a coluna de Feltrin, entre 600 e 1.000 filmes podem já ter sido perdidos completamente até agora. O número de rolos perdidos ainda é incontável por ser maior que o número de filmes, já que cada filme muitas vezes é armazenado em mais de um rolo.
Acervo sofre por política governamental
Em 2016 já havia ocorrido um incêndio na instituição. O sinsistro, que atingiu um galpão da Cinemateca na Vila Clementino, destruiu cerca de 500 obras. A origem do incêndio foi exatamente a combustão espontânea dos filmes com nitrocelulose, que à época recebiam vários dos cuidados minuciosos e especializados que demandam, ao contrário do acervo atual.
Esse incêndio faz parte de uma série de eventos parecidos que ocorreram em diversos museus do Brasil nos últimos anos, reflexo de uma política cultural que foi agravada no atual governo, aumentando expressivamente as dificuldades de manutenção dos museus no país como um todo. A falta de investimentos e os ataques de Bolsonaro ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), além do encerramento do Ministério da Cultura (MinC), tem sido letais para as instituições.
Além da Cinemateca, Museu do Ipiranga, Museu da Língua Portuguesa, Museu Nacional, considerado a maior tragédia museológica do Brasil, Museu de História Natural da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e acervo da reitoria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), todos sofreram com a falta de estrutura e proteção de seus acervos, em vários aspectos, irrecuperáveis.
Com informações de Uol, G1 e Jornal da USP