
A chanceler da Alemanha, Angela Merkel, voltou a manifestar preocupação com as políticas ambientais e com os povos indígenas do Brasil e admitiu que a cooperação com o governo de Jair Bolsonaro nestes setores têm sido cada vez mais difícil. Como resultado, Berlim tem procurado outros parceiros em governos estaduais, municipais e na própria sociedade civil brasileira.
As afirmações constam nas respostas a um questionário enviado por deputados da bancada do Partido Verde no Parlamento alemão (Bundestag). Os parlamentares interpelam o governo Merkel sobre aspectos do relacionamento entre Berlim e Brasília e como os ministros do gabinete da chanceler encaram a situação ambiental e política no país sul-americano. O documento é uma espécie de raio-X da postura pública que o governo da Alemanha vem adotando em relação ao Brasil.
Clara insatisfação da Alemanha
Apesar da linguagem diplomática e do pouco conteúdo sobre a real situação política brasileira, as respostas evidenciam a insatisfação de Berlim com as políticas ambientais de Bolsonaro. Há ainda frustração com medidas tomadas unilateralmente pelos brasileiros, como o desmonte da estrutura do Fundo Amazônia e ações que enfraqueceram uma possível implementação do acordo UE-Mercosul.
Para o governo Merkel, “as taxas de desmatamento no Brasil são preocupantes, e as condições para melhorar os direitos territoriais e a proteção dos povos indígenas e grupos tradicionais vêm se deteriorando”.
“Desenvolvimentos atuais na agenda climática brasileira, cortes na proteção das florestas tropicais e direitos indígenas são reconhecidos e tratados no diálogo político. Deve-se notar, porém, que a coordenação com o governo brasileiro está se tornando cada vez mais complexa.
No Brasil, o governo alemão promove ações de cooperação que envolvem, entre outras iniciativas, a promoção de mecanismos de proteção ambiental e regularização fundiária, além de incentivos para a adoção de energia renovável.
Fundo Amazônia
Um capítulo que vem gerando desgaste nas relações entre Berlim e Brasília envolve o Fundo Amazônia, o programa bilionário de proteção à Floresta Amazônica que conta com doações da Noruega e da Alemanha.
No momento, o mecanismo atravessa sua maior crise desde a criação em 2008. O impasse começou no primeiro semestre de 2019, quando o ministro Ricardo Salles promoveu uma série de mudanças unilaterais na gestão do programa, incluindo a extinção de dois comitês, o que contrariou os alemães e os noruegueses, que não foram consultados previamente sobre a medida.
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Como resultado, o fundo segue paralisado, sem previsão de contemplar novos programas. Apenas iniciativas em andamento continuam recebendo financiamento.
Após diversos choques com Salles – o ministro chegou a dizer em dezembro que o impasse havia sido superado, e acabou sendo desmentido pela embaixada alemã –, as negociações para a retomada do fundo passaram a ser chefiadas pelo vice-presidente brasileiro, Hamilton Mourão.
No questionário, o governo Merkel mencionou as negociações em andamento, mas apontou que o descongelamento do fundo vai depender de como o governo brasileiro está se portando. “A evolução dos números do desmatamento será um critério essencial”, diz o texto.
O cenário não parece promissor, já que Berlim também apontou que vê “com preocupação” a reforma implementada neste ano no Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que extinguiu coordenações e centralizou o comando da entidade. Para o governo alemão, a medida “pode levar ao enfraquecimento das tarefas essenciais de controle e monitoramento dos recursos naturais a serem protegidos, e ao aumento do desmatamento e da destruição ambiental”.
Acordo UE-Mercosul
A Alemanha ainda apontou que “continua a apoiar o espírito e a intenção do acordo UE-Mercosul”, por entender que ele inclui mecanismos para assegurar sustentabilidade ambiental e a implementação efetiva do Acordo Climático de Paris. No entanto, disse que irá “monitorar as condições estruturais e verificar se o acordo pode ser implementado conforme o pretendido”.
“Da perspectiva de hoje, surgem questões sérias com relação aos desenvolvimentos atuais na Amazônia. O governo alemão está, portanto, acompanhando de perto a situação no Mercosul e, em particular, no Brasil”, aponta o documento.
Recentemente, a Alemanha, que era de longe a maior defensora do acordo no bloco europeu – diferentemente de nações como a França e a Irlanda –, começou a levantar dúvidas sobre sua implementação. Em agosto, a chanceler Merkel afirmou que tinha “sérias dúvidas” sobre o acordo. Poucos dias depois, foi a vez de a ministra alemã da Agricultura, Julia Klöckner, se posicionar abertamente contra o acordo comercial, citando o desmatamento da Amazônia e alertando que, com o pacto, agricultores europeus iriam competir com alimentos produzidos de forma prejudicial para o meio ambiente.
Aspecto político
O governo Merkel também respondeu a questionamentos dos deputados verdes sobre como avalia a situação política no Brasil. Uma das perguntas envolve a possibilidade de uma intervenção militar contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso, um movimento que é endossado por apoiadores do presidente Bolsonaro. Para Berlim, “não há indicações ou indícios de uma intervenção efetiva nesse sentido”.
“A grande maioria das Forças Armadas brasileiras apoia a Constituição. Essa avaliação resulta, entre outras coisas, de discussões com um grande número de interlocutores brasileiros da política, justiça, ciência e meio militar.”
Em resposta a uma pergunta sobre a independência das instituições, o governo Merkel também fez uma avaliação similar.
“A República Federal do Brasil possui um parlamento com numerosos poderes, dividido em uma Câmara dos Deputados e um Senado, além de um Judiciário independente. Do ponto de vista do governo federal, atualmente não há motivos para duvidar da funcionalidade da separação de Poderes”, disse o governo.
Com informações da Deutsche Welle Brasil