
Como reflexo do crescente desgaste com a ala militar, o governo Bolsonaro vem registrando ao menos uma demissão por mês de um oficial de alta patente, antes designado para algum posto estratégico da administração federal. A curta permanência de generais, brigadeiros e almirante nas funções civis evidencia a deterioração da principal base de apoio do presidente em menos de dois anos de sua gestão.
Um levantamento feito pelo jornal Folha de S. Paulo identificou 16 generais do Exército, quatro brigadeiros da Aeronáutica e um almirante da Marinha exonerados de cargos civis desde o quarto mês do governo do ex-capitão do Exército. De acordo com a pesquisa, a maioria desses militares está na reserva, participou da gestão em razão da proximidade ao ideário bolsonarista e acabou demitido.
Rêgo Barros e Santos Cruz
O caso mais recente é o do general três estrelas Otávio do Rêgo Barros, demitido do cargo de porta-voz do presidente em 6 de outubro, quando a função já havia sido extinta 40 dias antes. Em junho de 2019, quando ainda cumpria o ritual de um porta-voz da Presidência, Rêgo Barros foi excluído de uma promoção pelo Alto Comando do Exército. Ele deixou de ganhar a quarta estrela em razão do cargo exercido no Palácio do Planalto.
O ex-porta-voz de Bolsonaro, porém, não saiu calado do governo. Em artigo publicado em 27 de outubro no jornal Correio Braziliense, ele fez críticas indiretas ao presidente e à gestão. O sentimento é compartilhado especialmente por generais da reserva que permanecem no governo. Rêgo Barros se somou a outros militares que se tornaram vozes críticas a Bolsonaro depois de passarem por cargos civis.
O mais falante deles é o general Santos Cruz, demitido há mais de um ano do cargo de ministro da Secretaria de Governo da Presidência.
Generais ouvidos pela Folha – do Alto Comando do Exército, da linha de frente de órgãos do governo ou do grupo de demitidos – discordam do tratamento dispensado a militares como Rêgo Barros. Além disso, eles rejeitam o aumento da pressão de partidos políticos por cargos – leia-se centrão – e dizem tolerar afastamentos somente em casos de incompetência, o que não vem sendo o caso, afirmam.
Caso Pazuello
Outro caso que ilustra, ao mesmo tempo, o desgaste da relação com o presidente e o incômodo com a percepção de politização das Forças Armadas é o do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello (Saúde). General três estrelas, ele permanece na ativa mesmo ocupando o cargo no governo há mais de cinco meses, com o aval do comandante do Exército, Edson Pujol.
Generais que integram o Alto Comando do Exército, no entanto, consideram inaceitável uma eventual volta de Pazuello à força e ao comando de tropas depois de exercer um cargo tão político. Isso foi discutido entre eles depois de o ministro ser desautorizado pelo presidente no episódio da compra da vacina Coronavac, um imunizante para o novo coronavírus desenvolvido por um laboratório chinês e pelo Instituto Butantan, do governo de São Paulo.
À frente do Ministério da Saúde, Pazuello tem atendido insistentemente a pedidos de Bolsonaro na pandemia. A desautorização sobre a vacina levantou dúvidas sobre a permanência do general no cargo, mas ele prossegue. Em encontro com o presidente, o ministro minimizou o ocorrido. Segundo ele, na relação com o chefe do Executivo, “um manda e o outro obedece”.
Pitaco nas eleições dos EUA
Na semana passada, quando o então candidato democrata Joe Biden consolidava seu favoritismo na disputa pela presidência nos EUA, o núcleo militar voltou a se irritar, mas desta vez com a postura do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), o filho 03 do mandatário.
Eduardo fez postagens pró-Donald Trump nas redes, inclusive corroborando o falso discurso de fraude nas eleições. Foi mais um episódio de atrito entre os militares e os personagens mais ideológicos que giram em torno do presidente.
Militares prejudicados
Entre os que seguem em cargos civis no governo e que não estão nas funções de auxiliares diretos de Bolsonaro, a alta debandada de fardados provoca um temor de demissões repentinas.
O entendimento entre integrantes do Alto Comando do Exército é de que Bolsonaro fala e expõe demais as contendas do governo, como no caso da Coronavac. Isso acaba prejudicando a atuação dos militares, segundo esse entendimento.
Recorde de oficiais
Apesar do alto índice de demissões, os militares seguem com um espaço sem precedentes na administração federal, em comparação com os últimos cinco anos, como mostrou um levantamento do Tribunal de Contas da União (TCU) concluído em julho. O número de militares da ativa e da reserva ocupando cargos civis chegava a 6.157, mais do que o dobro do registrado em 2016.
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Um detalhamento dos dados feito por auditores do TCU, obtido pela Folha, mostra que 54 cargos do alto escalão do governo são ou foram ocupados em algum momento por generais, coronéis, capitães, brigadeiros e almirantes.
Isso inclui os auxiliares que despacham dentro do Palácio do Planalto, e que estão entre os principais conselheiros do presidente: general Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), general Braga Netto (Casa Civil), general Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e almirante Flávio Rocha, secretário de Assuntos Especiais da Presidência.
Os outros militares estão distribuídos por ministérios; estatais como Itaipu Binacional e Eletrosul; autarquias como o Dnit; bancos públicos, a exemplo da Caixa; e conselhos de administração de estatais, Petrobras entre elas.
Militares demitidos do Governo Bolsonaro
Exército
General Rêgo Barros
Porta-voz do presidente
6.out.20
General Luiz Carlos Pereira Gomes
Presidente da EBC
29.set.20
General Guilherme Theophilo
Secretário nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça
13.mai.20
General Décio Brasil
Secretário especial do Esporte do Ministério da Cidadania
27.fev.20
General Ilídio Gaspar Filho
Secretário de Ações Estratégicas da Secretaria de Assuntos Estratégicos
8.nov.19
General Lauro Luís Pires
Secretário especial adjunto da Secretaria de Assuntos Estratégicos
8.nov.19
General Santa Rosa
Secretário especial de Assuntos Estratégicos
6.nov.19
General Jamil Megid Júnior
Secretário nacional de Transportes Terrestres do Ministério da Infraestrutura
24.out.19
General João Carlos Corrêa
Presidente do Incra
2.out.19
General Santos Cruz
Ministro da Secretaria de Governo da Presidência
13.set.19
General Floriano Peixoto *
Ministro da Secretaria-Geral da Presidência
21.jun.19
General Severo Ramos
Secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência
21.jun.20
General Juarez Cunha
Presidente dos Correios
19.jun.19
General Franklimberg Freitas
Presidente da Funai
13.jun.19
General Francisco Mamede
Chefe de gabinete da presidência do Inep
26.abr.19
General Marco Aurélio Vieira
Secretário especial do Esporte do Ministério da Cidadania
17.abr.19
Aeronáutica
Brigadeiro Eduardo Camerini
Secretário de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente
18.set.20
Brigadeiro Celestino Todesco
Chefe de gabinete do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações
28.ago.20
Tenente-brigadeiro Antonio Franciscangelis Neto
Secretário de Planejamento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações
29.jun.20
Tenente-brigadeiro Ricardo Machado Vieira
Secretário-executivo do Ministério da Educação
10.abr.19
Marinha
Almirante Alexandre Araújo Mota **
Chefe da assessoria especial da Secretaria de Governo da Presidência
16.out.20
- Nomeado presidente dos Correios
** Nomeado como assessor especial na mesma secretaria
Com informações da Folha de S.Paulo