Um levantamento inédito apontou que o Brasil é o campeão em conflitos socioambientais na região. O estudo, que compara a situação de quatro países, mostrou que, dos 1.308 conflitos socioambientais registrados em 2017 e 2018, 995 ocorreram em solo brasileiro. Colômbia (227 conflitos), Peru (69) e Bolívia (17) são as outras nações a figurarem na lista.
Publicado na última quarta-feira (23) no Atlas Conflitos Socioterritoriais Pan-Amazônico, sob a coordenação da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o levantamento corresponde a 85% da área da Pan-Amazônia. O número de conflitos tem relação direta com o tamanho de terra, visto que o Brasil é dono da maior extensão de Floresta.
“No Brasil, a principal causa dos conflitos é o agronegócio, que envolve tanto a pecuária, como soja e outras monoculturas”, detalhou Josep Iborra Plans, da coordenação da CPT.
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Em muitos casos, membros de comunidades que lutam pela terra que ocupam são vítimas de violência. Nos quatro países analisados, 118 assassinatos foram motivados por conflitos do tipo. A maioria, novamente, foi no Brasil: 80 mortes, sendo seis vítimas mulheres.
A violência foi medida também no número de tentativas de assassinato (100), ameaças de morte (225) e agressões de diversos tipos (115).
Massacre de Pau D’Arco
Um dos crimes mais marcantes contabilizados no Atlas foi o massacre de Pau D’Arco, no sul do Pará. Em 24 de maio de 2017, policiais atiraram contra 25 trabalhadores rurais, mataram nove homens e uma mulher.
Os assassinatos aconteceram na Fazenda Santa Lúcia, onde 29 policiais civis e militares teriam ido cumprir 14 mandados de prisões preventivas e temporárias contra os trabalhadores que estavam acampados na área.
O terreno, com mais de cinco mil hectares, era reivindicado pelos trabalhadores sem-terra desde 2013. Segundo a CPT, a família Babinski, do sul do país, se dizia dona da fazenda e havia feito um pedido de reintegração de posse contra os acampados.
Para os autores do relatório, o caso de Pau D’Arco ainda choca pelo nível de crueldade e o envolvimento de agentes de segurança do Estado, que “atuaram deliberadamente como um grupo de extermínio na defesa dos interesses de particulares”.
O documento afirma que o massacre “escancara a histórica aliança entre o Estado e latifúndio, revelando ainda todo o ódio e as estratégias de tratamento dado àqueles que lutam por um pedaço de terra e a concretização da Reforma Agrária no Brasil.”
Raízes dos conflitos
Na Colômbia, segundo país com maior número de conflitos, obras de infraestrutura de transporte como estradas, pontes e hidrovias são a maior causa dos confrontos, além das hidrelétricas. O cultivo de produtos ilícitos na Amazônia, porém, segue um fator relevante no país.
No Peru, a mineração e exploração de petróleo são os motivos dominantes que geram confrontos com famílias que vivem na Amazônia peruana, segundo o Atlas. Na Bolívia, extração de madeira representa 43,2% do total de conflitos, seguida pelo agronegócio.
Calcula-se que quase 168 mil famílias nos quatro países tenham sido, de alguma forma, atingidas por disputas territoriais na Amazônia. “A tendência é piorar”, analisa Plans com base na experiência acumulada na CPT, que publica anualmente o relatório Conflitos no Campo Brasil, há três décadas.
Amazônia em disputa
Para Patrícia Chaves, pesquisadora da Universidade Federal do Amapá (Unifap) que participou do estudo, os mapas dos conflitos mostram o quão profundos e diversos são os impactos que a exploração econômica desenfreada gera nos territórios.
“A Amazônia sempre esteve em disputa. O bioma tem exercido esse papel de fornecer recursos para que o capitalismo se desenvolva gratuitamente”, analisa Chaves. “O Estado dá o aval para planos de exploração, para as concessões. Ele não está em defesa da sociedade e população que o elegeu, mas defende iniciativa privada, forte, internacional e nacional.”
No Brasil, a complexa situação fundiária está longe de ser resolvida. “Por causa disso as populações locais estão morrendo. E com eles, morre também a Amazônia”, opina Chaves.
O posicionamento adotado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) agrava a disputa, analisa Plans. “Ele está facilitando a grilagem, que tem aumentado muito. O interior das reservas está sendo invadido”, afirma, pontuando a crescente ameaça sobre comunidades tradicionais, quilombolas e indígenas.
“No Brasil, aqueles que ocupam, desmatam, queimam acabam sendo recompensados com a regularização da área”, lamenta Plans.
Com informações da Deutsche Welle Brasil