Por trás do maior grupo populacional brasileiro ― os autodeclarados pardos, que correspondem a 46,7% da população, segundo o IBGE ―, há uma política de embranquecimento do País, na avaliação da antropóloga Jaqueline Conceição, fundadora do Instituto de Pesquisa sobre Questões Étnico Racial e de Gênero Coletivo Di Jejê.
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Para Jaqueline, o Brasil é um país feminino e negro, sendo a miscigenação a base de um projeto político de embranquecimento que tentou silenciar o racismo — que agora está cada vez mais em pauta na sociedade brasileira. Em entrevista ao HuffPost, a especialista em questões raciais afirma que essa é uma estratégia sociopolítica de que pouco se fala no País, mas que acabou escancarada em casos recentes de racismo.
“O Neymar, eu, que sou filha de uma relação interracial, a Anitta, e várias outras figuras negras, como a Camila Pitanga, são frutos dessa política de embranquecimento da população negra. Mas nós somos negros, mesmo com esse processo de embranquecimento”, ressalta a antropóloga. ”[O pardo] É essa população mestiça, entre indígena, europeu e negro.”
Neymar, apesar de ter o tom de pele mais claro e olhos verdes, sofreu racismo durante um jogo do campeonato francês. Para muita gente, a discriminação foi o gatilho para perceber Neymar como um homem negro. E, nesse sentido, o caso foi importante para refletir sobre as diferentes camadas de debate racial no País. Para Conceição, existe uma falsa ideia de que se não falar sobre determinada questão, ela não existe.
“É igual machismo; as mulheres é que denunciam, e ele passa a fazer parte da vida cotidiana. É o mal-estar da denúncia. Acho que é para esse lugar que a gente tem que caminhar cada vez mais no Brasil: o mal-estar da denúncia de ficar apontando e dizendo ‘olha, o Brasil é um país racista, é um país homofóbico, é um país violento’”, diz.
A antropóloga ressalta que o Brasil é um país feminino e negro — segundo a PNAD Contínua, do IBGE, são 51,8% de mulheres e 48,2% de homens. Na raça, 56,2% dos brasileiros se consideram pardos ou pretos e 42,7%, brancos. Ainda assim, pesquisas do instituto de Conceição mostram que homens e mulheres negras não percebem essa realidade.
“A figura do homem branco, do patriarca, do senhor de engenho, ainda é nosso local de referência, ainda é para onde a gente se volta”, reflete.
Por isso, ela entende que o combate ao racismo é uma tarefa de todos — brancos, pardos, pretos. “Não é esperar que homens e mulheres negros deem a resposta, é pensar junto, com intelectuais negros, com filósofos negros, com professores, pesquisadores, artistas. Isso destrava o olhar do óbvio”, diz.
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