O Brasil é uma das dez maiores economias do mundo e tem a responsabilidade de encabeçar o enfrentamento à crise climática, afirmou John Kerry, enviado especial para o clima do governo de Joe Biden, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo. Ele encorajou ainda o engajamento do setor privado e dos empresários brasileiros na busca por soluções.
Principal elo da relação diplomática entre a Casa Branca e o Planalto, Kerry disse que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) fez observações “construtivas e úteis” durante a Cúpula de Líderes sobre o Clima, convocada por Biden em abril e considerada por Kerry “um passo importante a caminho para a conferência climática da Organização das Nações Unidas (ONU), em Glasgow, em novembro”.
“Seu compromisso de alcançar a neutralidade de carbono dez anos antes do que o Brasil havia prometido anteriormente é significativo, assim como dobrar os recursos disponíveis para a fiscalização [ambiental], um passo crucial para eliminar o desmatamento ilegal até 2030. É vital envolver povos indígenas e comunidades tradicionais para proteger áreas florestais e de biodiversidade, e concordo com o reconhecimento de [Jair] Bolsonaro de que todos —países, empresas, entidades e pessoas— devem estar envolvidos para ajudar a encontrar soluções.”
John Kerry
O ex-secretário de Estado dos EUA disse que agora vão acompanhar como o Brasil toma medidas para implementar esses compromissos e fazer o que puderem para apoiar este processo de mitigação da crise climática. Kerry destacou que “todos nós precisamos tomar medidas ambiciosas agora para alcançar nossas metas”.
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Medidas imediatas para neutralidade climática até 2050
John Kerry reforçou que no Brasil, assim como em outros lugares, serão ações e resultados que mostrarão a credibilidade dos compromissos assumidos e que “como em todos os países, as palavras devem ser apoiadas pela ação concreta a curto prazo”. Como o presidente Bolsonaro se comprometeu a zerar o desmatamento ilegal no Brasil até 2030 e alcançar a neutralidade climática até 2050, atingir qualquer uma dessas metas vai exigir do Brasil “tomar medidas imediatas para reduzir significativamente o desmatamento em 2021”, apontou Kerry.
Sobre ação na sequência da Cúpula em sentido contrário – um corte de quase R$ 240 milhões no orçamento do Ministério do Meio Ambiente -, Kerry disse que o governo brasileiro lhe garantiu que “está discutindo o orçamento internamente e que encontrará recursos para cumprir os compromissos”. “Como outros, vamos procurar confirmação de que esse compromisso foi cumprido”, afirmou. Opção de sanção ou outra punição ao Brasil pelo fracasso do país em proteger a Amazônia, porém, “não está sendo discutida”, segundo Kerry.
Verba pedida por Salles foi negada
Questionado por que os EUA não deram dinheiro ao Brasil antecipadamente para reduzir o desmatamento da Amazônia – o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, pediu US$ 1 bilhão e disse que, sem esses recursos, não se comprometeria com os números -, Kerry afirmou que “os EUA estão engajados e continuarão a se engajar em uma série de programas no Brasil”.
O governo dos EUA reconhece e respeita, por outro lado, a soberania do Brasil no enfrentamento dos desafios ambientais, destacou Kerry. “Podemos construir nosso forte histórico de cooperação ambiental para alcançar metas mais ambiciosas”, afirmou. “Espero ver um progresso claro para concretizar o compromisso de acabar com o desmatamento ilegal, incluindo medidas tangíveis para aumentar fiscalização, além de fortes sinais políticos de que o desmatamento ilegal e a invasão não serão tolerados.”
Kerry encorajou também o setor privado a se engajar no esforço global de resolução da crise climática. “Esta é uma crise urgente, mas também é uma oportunidade econômica incrível. Encorajo os líderes empresariais brasileiros a pensar em que mais eles podem fazer que seria bom tanto para o mundo quanto para o lucro deles.” Ele reconheceu que “a falta de ação climática do governo federal dos EUA nos últimos quatro anos nos fez recuar”, mas disse que “o setor privado e a sociedade civil dos EUA continuaram a progredir”.
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Kerry se impressiona com Canadá e Japão
Em relação a outros países, Kerry se disse “especialmente impressionado com os anúncios do Canadá e do Japão” na Cúpula. Sobre a ausência de compromissos ambiciosos de redução de emissões por parte da China e Índia, ele afirmou que a Índia é “um forte parceiro na inovação de que precisamos para a transição do mundo rumo à energia limpa e continuaremos a trabalhar com eles na ambição climática”.
A respeito da China, lembrou que o país é “o maior consumidor de carvão do mundo e é responsável por 30% das emissões mundiais”. “Por isso, é claro, fazer com que a China faça mais também é fundamental para o nosso sucesso coletivo sobre o clima”, disse.
Com informações da Folha de S.Paulo e Valor Econômico