Com o descontrole da pandemia da Covid-19, o Brasil está se tornando um laboratório para evoluções do vírus. O possível surgimento de uma nova variante do coronavírus em Sorocaba, no interior paulista, nesta semana acendeu o sinal de alerta entre pesquisadores.
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Especialistas ouvidos pelo UOL, avaliam que o surgimento de outras cepas, como a P1 (identificada em Manaus em janeiro), não só é possível mas também provável diante do agravamento da crise sanitária. E o pior: sem rastreamento, o Brasil demorará para descobri-las.
Brasil tem alta transmissão e aumenta risco de variantes
Segundo os pesquisadores, a equação ser feita é simples: quanto maior a circulação do vírus, maior a chance de variantes. Para Rafael Dhalia, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em Pernambuco, não só podem surgir cada vez mais variantes como é possível que elas já estejam em circulação no Brasil, mas, sem acompanhamento, não há como identificá-las.
“Essas variantes acontecem no mundo todo, são coevoluções, mas, para a gente saber, tem que sequenciar o vírus. Por aqui não temos nem ideia. Essa variante encontrada em Sorocaba já pode estar no Brasil todo e não sabemos.”
Rafael Dhalia, Fiocruz
Neste ano, a taxa de transmissão do vírus no Brasil, que havia diminuído no final de 2020, se mantém acima de 1, de acordo com a universidade Imperial College London, do Reino Unido, o que indica descontrole da pandemia no país.
Brasil atrasa sequenciamento do vírus
Como na vacinação e na testagem, o país também está muito atrasado no sequenciamento do vírus. Enquanto o Reino Unido sequencia 50 pessoas a cada 1.000 casos para identificar evoluções, no Brasil o índice é 0,15 para cada 1.000 casos. Ou seja, é um sequenciado para cerca de 7.000 casos confirmados.
Dhalia comenta, inclusive, que a P1, de Manaus, foi identificada no Japão, por causa de um brasileiro que chegou febril e eles decidiram sequenciar o vírus. No Brasil, além da P1, foi identificada uma outra variante, apelidada P2, no Rio de Janeiro. Sem incidência rastreada, ela é considerada isolada, mas, segundo Dhalia, “não há como garantir” isso.
Risco é o tipo da variante
O surgimento de variantes é algo comum quando se trata de um vírus. Com maior contato com uma espécie ele vai se adaptando e criando resistência. Logo, mutações não assustam, o que preocupa é o que ela pode virar.
Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan, que participou do anúncio da variante de Sorocaba, também afirmou ver a situação com atenção e reforçou que é preciso rastrear o vírus.
“Além de ver a incidência, é crucial entender se esta evolução pode ser ainda mais transmissível do que a P1. É isso que causa certa preocupação, que precisamos acompanhar.”
Dimas Covas, Butantan
Vacinas mostram eficácia, mas sem garantia
As pesquisas sobre eficácia das vacinas nas principais variantes ainda ainda estão sendo feitas pelas empresas e pesquisadores e, até então, os resultados têm sido satisfatórios.
A maioria dos imunizantes já mostrou resultados melhores contra a cepa do Reino Unido, por exemplo. Contra a P1, os estudos são mais restritos, mas tanto a AstraZeneca/Oxford quanto a CoronaVac, usadas no Brasil, já tiveram respostas positivas.
A que mais preocupa, até então, é a variante da África do Sul (E484K), à qual a cepa descoberta em Sorocaba se assemelha. “Vimos isso com todas as vacinas: ela tira um percentual [de eficácia] da Pfizer, da AstraZeneca, da CoronaVac. Dessa [variante nova], ainda não sabemos”, afirmou Covas.
De acordo com o Ministério da Saúde, apesar de algumas suspeitas, nenhum caso da variante sul-africana foi confirmada por aqui.
Se as semelhanças entre a cepa de Sorocaba — já apelidada P3 — e a da África do Sul se confirmarem, é mais possível que seja um caso de coevolução do vírus nos dois locais, visto que a paciente identificada em São Paulo não viajou nem teve contato direto com um viajante que esteve no país africano.
Melhor é prevenir
Para reduzir a probabilidade do surgimento de novas e mais fortes variantes, é preciso diminuir a circulação do vírus e acelerar a imunização. De acordo com os pesquisadores, o ideal era ter tentado evitar as cepas que já surgiram, mas nunca é tarde para buscar a desaceleração.
“O discurso negacionista, de imunidade de rebanho, mostrou-se totalmente equivocado e só contribuiu para o surgimento dessas variantes. Países que fizeram esse controle [de circulação] não viram o surgimento de evoluções preocupantes. Se o Brasil tivesse escutado lá atrás, com certeza teria evitado”
Rafael Dhalia, Fiocruz
Com informações do UOL