Em decisão histórica, o projeto de lei (PL 399/15 – que permite o cultivo da cannabis no Brasil para fins medicinais, veterinários, científicos e industriais – foi aprovado pela Comissão Geral que analisa a proposta na Câmara dos Deputados.
A questão é debatida há anos no Brasil e essa aprovação representa a esperança para inúmeras pessoas que vão podem se beneficiar diretamente com fármacos e medicamentos derivados da cannabis. Além disso, a economia do país poderá ter grande incremento com a movimentação de mais de R$ 4 bilhões gerados com a produção e a comercialização dos derivados da planta.
O relator da proposta é o deputado Luciano Ducci (PSB-PR). Coube ao parlamentar socialista, que é médico, o voto de minerva para garantir a continuidade da tramitação a proposta, que enfrenta grande resistência do governo. Na comissão, foram 17 votos a favor e 17 contrários à matéria. Ducci foi o responsável pelo desempate.
“Aprovamos hoje todo um projeto que trata do uso medicinal da cannabis, da pesquisa e do uso industrial da cannabis. Foi uma luta que contou com muita mobilização, muita gente nos ajudou nessa aprovação. Pedimos a você que continue na pressão, nesse trabalho de convencimento, para conseguirmos aprovar a proposta”, afirmou ao Socialismo Criativo.
Apenas pessoas jurídicas poderão cultivar cannabis
O plantio da cannabis poderá ser feito apenas por pessoas jurídicas, como empresas, associações de pacientes e organizações não governamentais. Não há previsão para o cultivo individual nem para uso recreativo da planta. O projeto ainda percorrerá um longo caminho.
A aprovação pela comissão permitiria que a proposta fosse enviada direto para o Senado. Porém, caso seja requerido pelos parlamentares, pode precisar do aval do plenário da Câmara e só depois seguir para o Senado. Se aprovado lá, vai à sanção presidencial.
Falta de regulamentação impede pesquisas
O parecer de Ducci também prevê a regulamentação do uso da cannabis para pesquisas científicas. Embora a legislação brasileira permita desde 2006, a questão ainda não foi regulamentada.
Durante debate transmitido pelo Socialismo Criativo, há duas semanas, Ducci reforçou a importância que aprovação desse projeto tem para tantas pessoas que, atualmente, sofrem com diversas síndromes e doenças.
“Temos que garantir o acesso para as famílias a esses medicamentos, que aumentam a qualidade de vida das pessoas que sofrem com convulsões. Hoje crianças que tinham de 30 a 40 convulsões por dia deixam de ter convulsões diárias a partir do tratamento com remédios à base de cannabis.”
Luciano Ducci
O parlamentar socialista ressalta que a proposta trata do uso da cannabis para fins medicinais, de pesquisa e industriais e propõe a regulamentação de todo o processo – do cultivo à comercialização. A matéria não trata de liberar a cannabis para uso recreativo.
Legislação brasileira é entrave
Epilepsia, convulsões, dores crônicas, Parkinson, esclerose múltipla, autismo e náuseas e vômitos causados por quimioterapia. Esses são apenas algumas doenças, síndromes e condições que podem ser tratados com derivados da cannabis.
Mundo afora, porém, o mercado se amplia em diversos segmentos que tem a planta como base: cosméticos, culinária e sistemas para empreendimentos do ramo da maconha.
A legislação brasileira, no entanto, ainda é o maior entrave para quem pretende trabalhar com a planta e seus variados usos – medicinais ou não. Embora algumas iniciativas consigam seguir por meio de decisões judiciais, sempre relacionadas ao uso medicinal da maconha, muita gente ainda precisa ir embora do Brasil para poder atuar em outros ramos. Levando com eles dividendos que giram em outras economias.
Mercado da cannabis em expansão
A previsão do uso industrial da cannabis, presente no relatório de Ducci, pode fazer com que o Brasil ingresse em um mercado em expansão. O cânhamo tem sido utilizado em diversas frentes e já é uma commodity muito usada em grandes potências como Estados Unidos e China. De cosméticos à produção de celulose e vestuário.
“Estudos indicam que seriam mais de R$ 4 bilhões movimentados no Brasil no início da regulamentação. No mundo se fala em mais de R$ 100 bilhões. Estamos ficando para trás na oportunidade de entrar nesse mercado.”
Cannabis deve girar quase U$ 104 bi nos EUA
O último relatório da The Global Cannabis Report, feito pela agência americana Prohibition Partners, por exemplo, prevê que o mercado em torno da cannabis deva movimentar US$ 103,9 bilhões em 2024. Nos Estados Unidos, já há cerca de 250 mil pessoas trabalhando no mercado legal da maconha. No Brasil, entraves, burocracias e retrocessos atrapalham o desenvolvimento de um mercado promissor. Sem contar as dificuldades de acesso de quem usa a planta com fins medicinais.
Outro estudo, este promovido pela New Frontier Data em parceria com a The Green Hub em 2018, projeta que em apenas 36 meses após a legalização das vendas dos derivados medicinais no país, o Brasil tenha 3,9 milhões de pacientes, o que representa um mercado de R$ 4,7 bilhões.
Liberação a conta-gotas
Em abril, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou dois novos produtos à base de cannabis. As soluções para uso oral à base de canabidiol poderão ser importadas dos Estados Unidos por empresas brasileiras para serem comercializados no Brasil. A aquisição dos produtos só pode ser feita por meio de prescrição médica e “quando esgotadas outras opções terapêuticas no mercado brasileiro”.
Desinformação e agressões
A apreciação do PL 399/2015 já foi palco de agressão no Congresso e ameaça do Executivo. Durante uma discussão sobre um requerimento em uma comissão da Câmara, no dia 18 de maio, o deputado Diego Garcia (Podemos-PR) deu um soco no presidente da sessão, Paulo Teixeira (PT-SP). A agressão ocorreu após o bolsonarista não aceitar a rejeição do pedido de adiamento da discussão do projeto.
Antes, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), sem nenhum embasamento para tal, havia classificado a proposta como “porcaria”. Seus apoiadores têm chamado ironicamente o projeto de “marco legal da maconha”. E adiantou que vetará o projeto caso aprovado pelo Congresso. Decisão que, caso ocorra, pode ser derrubada pelo Congresso.
Membro da comissão que analisou o projeto, o socialista Rafael Motta (PSB-RN) reforçou, após a aprovação, a importância da ciência.
“Esses negacionistas que defendem a cloroquina vão continuar com seu discurso falacioso, enquanto nós vamos continuar defendendo a ciência.”
Rafael Motta
Autorreforma quer atualizar política de drogas
A Autorreforma do PSB defende a necessidade de atualizar a política de drogas, de modo a integrá-las a outras políticas sociais, especialmente, as de saúde pública. Além disso, reconhece o caráter discriminatório do encarceramento por conta do tráfico – outro problema gritante no Brasil.
“A criminalidade constatada no Brasil e que gera prisão, é de caráter patrimonial e relativas às drogas. As prisões relacionadas envolvem especialmente a população jovem, preta e periférica”, enfatiza o documento.
Com informações da Forbes, Veja Saúde, Uol, Gama, Exame