
A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (4), o projeto de lei (PL 6764/02) que revoga a Lei de Segurança Nacional (LSN) e define, no Código Penal, crimes contra a democracia. O texto segue para apreciação pelo Senado.
A proposta tipifica crimes contra as instituições democráticas; o funcionamento das eleições; e a cidadania. Entre os crimes estão golpe de Estado, interrupção do processo eleitoral, comunicação enganosa em massa e atentado ao direito de manifestação.
Lei de Segurança Nacional é usada por Bolsonaro
Nos últimos meses, a LSN tem sido usada contra críticos do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). O procurador-geral da República, Augusto Aras, já informou ao Supremo Tribunal Federal (STF) que não investigará o presidente pelo fato de o governo ter usado a legislação.
Contrários ao projeto, aliados de Bolsonaro tentaram retirar a proposta de pauta da sessão plenária desta terça-, o que foi rejeitado pelos parlamentares (338 votos a 62).
Em fevereiro, o ministro do STF Alexandre de Moraes também usou a LSN para mandar prender o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ). O parlamentar havia divulgado vídeo com apologia ao AI-5, instrumento de repressão mais duro da ditadura militar, e defesa do fechamento da Corte. As pautas são inconstitucionais.
Lei de Segurança Nacional é resquício da ditadura
A Lei de Segurança Nacional é de 1983, período em que o país vivia sob ditadura militar (1964 -1985). A deputada Margarete Coelho (PP-PI), relatora da proposta, chamou a legislação de “último bastião de um regime de exceção”. Para a construção do parecer sobre o tema, a parlamentar se reuniu com juristas e setores da sociedade civil.
A discussão sobre a revogação da LSN foi retomada no início de abril pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Com a votação, o Congresso tenta se antecipar à análise da legislação pelo Supremo.
O substitutivo de Margarete tomou como base projeto apresentado em 2002 por Miguel Reale Júnior, então ministro da Justiça do governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB, 1995-2002).
O que diz a proposta
A proposta acrescenta dispositivos ao Código Penal para definir crimes contra o Estado Democrático de Direito, e revoga a Lei de Segurança Nacional. O texto tipifica 10 novos crimes. São eles:
- atentado à soberania: prisão de três a oito anos para o crime de negociar com governo ou grupo estrangeiro para provocar atos típicos de guerra contra o país ou invadi-lo. A pena pode ser até duplicada se, de fato, for declarada guerra. Se houver participação em operação bélica para submeter o território nacional ao domínio ou soberania de outro país, a reclusão é de quatro a 12 anos;
- atentado à integridade nacional: prisão de dois a seis anos para quem praticar violência ou grave ameaça para desmembrar parte do território nacional para constituir país independente. O criminoso também deve responder pela pena correspondente à violência do ato;
- espionagem: prisão de três a 12 anos para quem entregar documentos ou informações secretas, que podem colocar em risco a democracia ou a soberania nacional, para governo ou organização criminosa estrangeiros. Quem auxiliar espião responde pela mesma pena, que pode ser aumentada se o documento for revelado com violação do dever de sigilo. Além disso, aquele que facilitar a espionagem ao, por exemplo, fornecer senhas a sistemas de informações pode responder por detenção de um a quatro anos. O texto esclarece que não é crime a entrega de documentos para expor a prática de crime ou a violação de direitos humanos;
- abolição violenta do Estado Democrático de Direito: prisão de quatro a oito anos para quem tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais. O criminoso também deve responder pela pena correspondente à violência do ato;
- golpe de Estado: prisão de quatro a 12 anos a tentativas de depor, por violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído. O criminoso também deve responder pela pena correspondente à violência do ato;
- interrupção do processo eleitoral: prisão de três a seis anos e multa para quem “impedir ou perturbar eleição ou a aferição de seu resultado” por meio de violação do sistema de votação;
- comunicação enganosa em massa: pena de um a cinco anos e multa para quem ofertar, promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por terceiros, por meio de expediente não fornecido diretamente pelo provedor do aplicativo de mensagens privadas, campanha ou iniciativa para disseminar fake news capazes de colocar em risco a higidez das eleições ou de comprometer o processo eleitoral;
- violência política: pena de três a seis anos e multa para quem restringir, impedir ou dificultar por meio de violência física, psicológica ou sexual o exercício de direitos políticos a qualquer pessoa em razão do seu sexo, raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional;
- sabotagem: pena de dois a oito anos para quem destruir ou inutilizar meios de comunicação, estabelecimentos, instalações ou serviços destinados à defesa nacional, com o objetivo de abolir o Estado Democrático de Direito;
- atentado a direito de manifestação: prisão de um a quatro anos para quem impedir, mediante violência ou grave ameaça, “o livre e pacífico exercício de manifestação de partidos políticos, movimentos sociais, sindicatos, órgãos de classe ou demais grupos políticos, associativos, étnicos, raciais, culturais ou religiosos”. A pena pode ser aumentada se houver lesão corporal grave (de dois a oito anos), se resultar em morte (de quatro a 12 anos).
O texto estabelece que as penas previstas para esses crimes serão aumentadas em um terço se o delito for cometido com violência ou ameaça com emprego de arma de fogo.
Se o crime for cometido por funcionário público a pena também será aumentada em um terço e o profissional perderá o cargo. Caso um militar pratique o delito, a pena aumenta em sua metade, cumulada com a perda do posto e da patente ou da graduação. A proposta deixa explícito que não será considerado crime contra o Estado Democrática de Direito:
- manifestação crítica aos poderes constitucionais;
- atividade jornalística;
- reivindicação de direitos e garantias constitucionais por meio de passeatas, reuniões, greves, aglomerações ou qualquer outra forma de manifestação política com propósitos sociais.
Em outro ponto do projeto, o texto inclui os presidentes da República, da Câmara, do Senado e do STF nas hipóteses de aumento de pena em casos de crimes contra a honra.
Atualmente, o Código Penal diz que se o crime contra a honra for cometido contra funcionário público em razão de suas funções, a pena aumenta em um terço. A proposta inclui os presidentes dos Poderes nesta lista.
O texto também estabelece pena de três a seis meses, ou multa, para quem incitar publicamente a animosidade entre as Forças Armadas, ou entre estas e os demais poderes, as instituições civis e a sociedade.
Arthur Lira comemora fim da LSN
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), comemorou a aprovação do projeto que revoga a Lei de Segurança Nacional e tipifica crimes contra o Estado Democrático de Direito. O texto segue para o Senado.
“Os deputados fizeram história na mudança de um conceito antigo que precisava ser revisto sobre todas as normas dos estados e do Estado Democrático de Direito. Parabéns a esta Casa”, disse.
Lira também destacou o papel conciliador da relatora e o apoio dos líderes. “Agiram com paciência, com calma, com inteligência”, declarou.
STF define data para julgar ação do PSB
O STF irá julgar, em plenário virtual, entre os dias 15 e 21 de maio, a ação do PSB que questiona pontos da Lei de Segurança Nacional. Para o partido, alguns dispositivos na lei ameaçam a liberdade de expressão, na medida em que podem permitir a perseguição de opositores e críticos do governo. O ministro Gilmar Mendes é o relator da ação.
Leia também: PSB aponta saída viável para modificar trechos da Lei de Segurança Nacional
O partido não pede a impugnação de toda a lei, pois entende ser essencial a manutenção de mecanismos para o Judiciário combater ataques à democracia e às instituições, sobretudo nos tempos em que extremistas e negacionistas promovem atos e mobilizações em favor de medidas de ruptura democrática.
Segundo o PSB, 11 dispositivos ofendem preceitos fundamentais, como a liberdade de expressão, o direito à informação e o princípio republicano. Outra norma contraria garantias processuais, como o princípio do juiz natural.
CCJ aprova mudança em conselho do MP
A CCJC da Câmara dos Deputados também aprovou a admissibilidade de proposta de emenda à Constituição que altera as regras de composição do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Entre outros pontos, o texto acaba com a exigência de que o corregedor nacional do Ministério Público seja escolhido – pelo conselho – entre os membros do Ministério Público que o integram (PEC 5/21).
O texto também prevê que os dois membros do conselho indicados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) poderão ser “ministros ou juízes” e não apenas “juízes”, como atualmente, e inclui, entre os membros do conselho, um representante do Ministério Público indicado, alternadamente, pela Câmara e pelo Senado.
A proposta também reduz – de quatro para três – o número de membros do conselho necessariamente oriundos do Ministério Público da União, que serão provenientes do Ministério Público Federal, do Ministério Público do Trabalho e do Ministério Público Militar, deixando, assim, de assegurar a representação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Os representantes do MPDFT poderão concorrer a uma das três vagas que a PEC destina a representantes dos Ministérios Públicos dos estados ou do Distrito Federal.
O texto uniu partidos de ideologias distintas, como PT, PCdoB, PSL, PP, PSD e Republicanos em sua defesa. Por outro lado, legendas também de ideologias diferentes, como Novo, PSDB, Psol e PSB, criticaram a PEC.
Com informações do G1, Folha de S. Paulo, Agência Câmara de Notícias