Um verdadeiro retrocesso que coloca em risco a vida de mães e bebês. Assim é a 6ª edição da Caderneta da Gestante, do Ministério da Saúde. A ‘atualização’ da cartilha traz de volta orientações contrárias às evidências científicas consolidadas sobre o parto normal.
Médicos, enfermeiros e políticos condenaram o material pelo retrocesso e os riscos a que expõem mães e bebês. Ação que torrou R$ 6 milhões dos cofres públicos para levar desinformação às mulheres de todo o país.
Entre as piores práticas defendidas pela gestão de Jair Bolsonaro (PL) estão o estímulo à prática de episiotomia, a manobra Kristeller e o uso da amamentação como método contraceptivo. Os bolsonaristas também querem que a violência obstétrica pare de ser chamada de violência obstétrica.
“Vamos parar de usar termos que não levam a nada, como violência obstétrica, que só provoca desagregação, coloca a culpa no profissional único, o que não tem o menor sentido”, disse o secretário de Atenção Primária à Saúde da pasta, o ginecologista Raphael Câmara Parente.
A episiotomia é um corte feito no períneo durante o parto para supostamente facilitar a saída do bebê. A prática é reconhecida como uma mutilação genital e é contraindicada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), desde 2018.
Além de ferir a mulher, não há evidências de que traga benefícios ao parto. Também pode causar infecções e dor durante as relações sexuais.
Outra orientação de violência obstétrica do Ministério da Saúde é a indicação da manobra Kristeller, que consiste em fazer pressão, empurrar e apertar a barriga da gestante para empurrar o bebê. Prática banida pela OMS e, até então, pelo próprio ministério.
Lesões no corpo da mulher – como ruptura do útero, fratura nas costelas e danos ao esfíncter anal – e traumatismo craniano na criança estão relacionadas à manobra. Em muitos casos, profissionais de saúde sobem na barriga da grávida para forçar a saída do bebê.
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Bom para quem?
Raphael Câmara também defendeu o uso da manobra Kristeller.
“Tem algumas coisas que dependendo da situação e em casos excepcionais podem e devem ser feitas e quem define isso é o médico, não são leigos, militantes, ativistas, como por exemplo (…) episiotomia e manobra de Kristeller”, afirmou na ocasião ignorando totalmente as evidências científicas contra a prática e descartando a autonomia da mulher seu próprio corpo.
A obstetra e ginecologista Marianne Pinotti, cirurgiã do hospital da Beneficência Portuguesa, em São Paulo, afirmou ao O Globo que a manobra não traz benefícios.
“A gente sabe por toda a literatura médica dos últimos vinte, trinta anos, que essa manobra não tem nenhuma indicação. Essa força externa não ajuda no nascimento e pode causar diversos danos ao bebê e à mãe. Essa manobra foi abolida e não pode estar em nenhum protocolo”, ressalta.
Somado a isso, a cartilha defende a utilização da amamentação para prevenir novas gestações durante os primeiros seis meses após o parto. A amamentação funciona não como método contraceptivo seguro e eficaz.
Raphael Câmara está na pasta de 2020. É um defensor das cesarianas independente de orientação médica e defensor da abstinência sexual para evitar gravidez.
Socialista contra o retrocesso
A deputada Tabata Amaral (PSB-SP) solicitou que o Ministério da Saúde altere a caderneta. Ela enviou ofício à pasta assinado pelo também deputado Felipe Rigoni (União-ES).
Conselho de Enfermagem pede recolhimento do material
O Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) foi enfático ao afirmar que as orientações da cartilha “contrariam evidências científicas consolidadas e as diretrizes para o parto normal no Brasil, elaborado em 2017.
Bem diferente do material divulgado pelo Ministério da Saúde nos últimos dias, a caderneta lançada em 2017 trouxe diretrizes pactuadas por profissionais da saúde, baseadas no levantamento e validação científica de práticas adotadas dentro e fora do Brasil.
A proposta que antecedeu a cartilha foi formulada na Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) com participação do Cofen, da Federação Brasileiro de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), do Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec). Por fim, o documento também passou por consulta pública antes de ser lançado.
“Recomendamos que material seja recolhido e reelaborado, de acordo com as evidências científicas disponíveis. As mulheres brasileiras têm assegurado o direito de recusar intervenções que violem sua integridade. Relativizar violência obstétrica é um retrocesso para a assistência ao parto no Brasil e não contribui para a melhoria dos indicadores de assistência materno-infantil”, defende o Conafen.
Com informações do Uol e do Metrópoles