Na edição desta quinta-feira (16), o jornal satírico francês Charlie Hebdo publicou uma charge na qual ironiza a obsessão do presidente brasileiro com a cloroquina para tratamento de pacientes infectados pela covid-19 e o crescente desmatamento da Amazônia.
Na figura, a legenda do desenho diz “Jair Bolsonaro, rei do carnaval: ‘eu tomei hidroxicloroquina e eu me sinto perfeitamente bem. Então, decidi desmatar 100 mil hectares a mais na Amazônia para plantar cloroquina’”. Fazendo menção ao maior clássico da literatura holandesa, publicado em 1860, Max Havelaar, considerado “o livro que matou o colonialismo” e uma obra de devastadora modernidade, o jornal traça também um paralelo do presidente com o cientista Didier Raoult.
Em um jogo de palavras sobre reservas indígenas e estabelecer reservas sobre alguém, o desenho do indígena – que remete ao líder caiopó Raoni –, o personagem afirma: “eu sempre tive minhas reservas sobre o chefe Raoult”.
Considerado o arauto da cloroquina, Raoult era uma estrela da ciência na França até que propôs, assim como Bolsonaro, uma cura para a covid-19. Depois de alcançar a fama internacional quando Donald Trump alçou sua proposta de tratamento para à doença provocada pelo coronavírus à categoria de “cura milagrosa”, Didier caiu num limbo da opinião pública francesa.
Ex-estrela da ciência
Um artigo publicado em junho pela revista Piauí, descreve o perfil do microbiologista como o de cientista insolente e arrogante, conhecido por depreciar seus críticos e colegas pesquisadores. Fundador e diretor do Instituto Hospitalar Universitário Méditerranée Infection – o IHU, dedicado à pesquisa –, Didier Raoult construiu uma grande carreira desafiando a ortodoxia, tanto em palavras como em atos, desprezando o consenso e a civilidade.
Até há pouco tempo, Raoult era mais conhecido por ser o responsável pela descoberta do primeiro vírus gigante, um micróbio que lhe rendeu o Grand Prix Inserm, um dos mais importantes prêmios científicos franceses. A mesma descoberta também o levou a acreditar que a árvore da vida sugerida pela evolução darwiniana é “completamente equivocada” e que o próprio Charles Darwin “só escreveu bobagem”.
Em março passado, Raoult anunciou que seu hospital testaria e trataria qualquer pessoa que aparecesse. Multidões aglomeraram-se em serpenteantes filas indianas na entrada do IHU, como peregrinos avançando lentamente em direção a uma consulta particular com o oráculo.
Em 16 de março, o pesquisador francês divulgou os resultados de um pequeno ensaio clínico que, segundo ele, revelava uma taxa de cura de 100%. Desde então, esse estudo tem sido amplamente contestado, e os cientistas e autoridades de saúde mundo afora vêm lamentando publicamente as manifestações entusiasmadas de Raoult.
Num comentário mais ou menos representativo do teor da controvérsia na França – onde o nome e a imagem de Raoult estão há semanas por toda parte –, um detrator (em geral, um político ponderado) sugeriu que ele “cale a boca e aja como médico” e que “pare de dizer ‘eu sou um gênio’ em todo lugar”.
Garoto propaganda da Cloroquina
Depois do ministério da Defesa informar que o Laboratório do Exército conta com 1,8 milhão de comprimidos de cloroquina em estoque, produção 18 vezes maior que a produção anual do medicamento, nesta quinta o presidente – infectado pelo coronavírus – voltou a esboçar apoio ao uso do remédio.
“Não estou fazendo nenhuma campanha, o custo é baratíssimo. Deve ser até por isso que existem algumas pessoas contra. Outras, pelo que parece, é uma questão ideológica. Coincidência ou não, sabemos que o tratamento não tem nenhuma comprovação científica, mas deu certo comigo”, disse, durante uma live.
Com informações da revista Piauí.