Entre os medicamentos apontados como tratamentos para a Covid-19 em peças de desinformação, a cloroquina e a hidroxicloroquina foram os mais citados em todo o mundo. As bases de dados Coronavírus Facts Alliance e Corona Verificado mostram que os checadores desmentiram 161 conteúdos falsos sobre remédios de janeiro até o dia 20 de julho.
Desses, 31,7% envolviam essas duas substâncias, o equivalente a 51 conteúdos.
Usadas no tratamento de malária, lúpus e artrite, a cloroquina e a hidroxicloroquina começaram a ser apontadas como alternativa contra o novo coronavírus em fevereiro. Os boatos continuam sendo compartilhados até hoje, especialmente no Brasil, mas tiveram mais força nos meses de março e abril.
Histórico
Checadores da Nigéria foram os primeiros a desmentir um boato de que a cloroquina seria a cura para a Covid-19.
A informação partiu de um post publicado no Twitter pela revista China Science no dia 17 de fevereiro. O tuíte dizia que a droga teria “certo efeito curativo na Covid-19“, o que desencadeou uma série de comentários sobre o remédio na Nigéria. Perfis usaram a hashtag “chloroquine” dizendo que ela iria curar a doença.
A informação, no entanto, estava incorreta. Na verdade, pesquisas feitas na China mostraram que a cloroquina e a hidroxicloroquina conseguiam eliminar o novo coronavírus de culturas de células.
Esse é um primeiro passo na pesquisa médica, mas não o final. O fato de um remédio funcionar em uma cultura de células não significa que ele seja eficaz dentro do organismo.
Em março, o médico francês Didier Raoult disponibilizou publicamente um polêmico pré-print (estudo sem revisão por terceiros), no qual mostrou dados do tratamento de 20 pessoas com hidroxicloroquina.
Apesar de severas falhas metodológicas apontadas por outros cientistas, incluindo a exclusão de pacientes que reagiram mal, o medicamento virou uma bandeira política para os presidentes dos Estados Unidos, Donald Trump, e do Brasil, Jair Bolsonaro.
Nas semanas seguintes, notícias falsas sobre a eficácia da cloroquina e da hidroxicloroquina ganharam força, e circularam nas mais variadas partes do mundo, incluindo França, índia, Estados Unidos, Filipinas, Venezuela, Dinamarca, Reino Unido, Irlanda, México, Alemanha, Tanzânia e Canadá.
O Brasil foi o terceiro país que mais desmentiu boatos sobre esses medicamentos, ficando atrás apenas dos Estados Unidos e da França.
Ineficácia
A partir de maio, contudo, diversos estudos clínicos, com testes duplo-cegos, mostraram a ineficácia dessas substâncias no tratamento da Covid-19.
Um deles, publicado pelo periódico The New England Journal of Medicine, mostrou que a hidroxicloroquina é ineficaz como pro-filaxia. Da mesma forma, publicado pelo Annals of Internai Medicine, mostrou que o remédio não funciona no tratamento de pessoas não hospitalizadas.
Pesquisas dos projetos Recovery Trials, da Universidade de Oxford, e do Solidarity Trial, da Organização Mundial da Saúde (OMS), sobre o uso da droga no tratamento de pacientes internados em estado grave, foram interrompidas porque o medicamento não mostrou resultado.
Desinformação
Desde então, no resto do mundo, a desinformação sobre esses medicamentos perdeu força. Em junho, informações falsas sobre esse assunto foram verificadas somente por checadores do Brasil e da França.
No Brasil, notícias falsas sobre a hidroxicloroquina continuaram sendo compartilhadas em julho. Somente na semana passada, a Lupa verificou três conteúdos.
Um deles dizia que o governador da Bahia, Rui Costa, teria recolhido o medicamento de farmácias do estado e proibido seu uso.
Outro afirmava que pacientes diagnosticados com Covid-19 poderiam “pedir a cassação do CRM [registro no Conselho Regional de Medicina]” de profissionais que se recusassem a prescrever a droga. Uma terceira peça de desinformação dizia, entre outras coisas, que a OMS “proibiu” o remédio. Nenhuma dessas informações é verdadeira.
Com informações do Folha de S. Paulo