As tecnologias da época têm efeito direto na forma como entendemos os conflitos ao longo do tempo. Ocorreu com a Guerra do Vietnã (1955-1975), a Guerra do Golfo (1990-1991) e os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001. O mesmo ocorre agora com a invasão da Rússia à Ucrânia – transmitida em tempo real pelas redes sociais, que não estão preparadas para lidar com esse fluxo de informações e garantir a veracidade do que é publicado.
Essas informações têm “um efeito importante na forma como vemos e entendemos o conflito”.
É o que afirma Ricardo Luigi, doutor em Geografia das Relações Internacionais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em artigo publicado no Le Monde Diplomatique Brasil.
“A Guerra da Ucrânia é a primeira guerra transmitida pelas redes sociais, ainda não preparadas para lidar com a certificação da informação e repletas de informações distorcidas”, analisa Luigi, que também é professor da Universidade Federal Fluminense (UFF).
“A mídia, com sua cobertura das guerras, teve papel importante na construção do imaginário social sobre os conflitos. Entretanto, a confusão entre informação e entretenimento gera também consequências negativas. Teme-se que, nessa era de superinformação, o uso irresponsável das redes sociais contribua para cristalizar algumas visões estereotipadas e simplificadoras sobre o conflito na Ucrânia”
Ricardo Luigi
O professor observa que, apesar das redes de televisão estejam buscando se reinventar, “a maior parte da população, especialmente os mais jovens, já sofreram a virada tecnológica, informando-se pelas diversas redes sociais.”
Ao mesmo tempo em que são “críticos ferozes” da mídia tradicional, não se veem responsáveis por conteúdos falsos ou distorcidos que disseminam.
Somado a isso, “a mesma tecnologia permite acompanhar os aviões de guerra e as restrições de espaço aéreo pelo Flight Radar e a movimentação das tropas russas pelo Google Maps”, completa.
Ele cita também imagens emblemáticas da guerra, como a senhora ucraniana que ofereceu sementes de girassol aos soldados russos. Ela disse que era para que quando eles morressem, brotassem flores.
Luigi pontua que diante da velocidade em que a informação circula “sem muito rigor”, boa parte da imprensa tenta difundir novas práticas. Nós, usuários, e as próprios redes sociais “ainda parecemos ter um longo caminho a percorrer”, analisa o professor.
“As mídias, convencionais ou não, ainda se embaralham ao lidar com a Guerra da Ucrânia. Um canal de TV brasileiro usou imagens de um jogo como se fossem registros da guerra. A TV ucraniana ensinou a população a fazer coquetel molotov para confrontar as tropas russas, o que também foi um dos tuítes mais retransmitidos no país. As notícias sobre a invasão são censuradas pela TV russa ao seu povo. O Facebook bloqueou algumas das agências russas e determinadas notícias favoráveis ao governo Putin. O Telegram, aplicativo russo, é o território livre para todo tipo de informação (e desinformação) que circula no país”
Ricardo Luigi
“O mundo precisa sentar e repactuar alguns de seus valores universais, como a democracia, a manutenção da paz, os direitos humanos e o uso ético da tecnologia”, finaliza.