A gestão da morte na pandemia da covid-19 no Amazonas conseguiu algo quase inimaginável em tempos de polarização política. Durante depoimento de sete horas à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia no Senado, o ex-secretário de Saúde do estado Marcellus Campêlo conseguiu unir governo e oposição contra ele. O depoimento desta terça-feira (15) foi o primeiro sobre a conduta de estados e municípios no combate à covid-19.
No Amazonas, a CPI investiga o que levou ao colapso a rede pública de saúde no início do ano, com o desabastecimento de oxigênio e a morte de pacientes por asfixia.
Senadora Leila considerou Campêlo evasivo
Para a senadora socialista Leila Barros (PSB-DF), as respostas foram evasivas. Ela também destacou os avisos da White Martins meses antes da falta de oxigênio no Amazonas. “Faltou competência e sobrou negacionismo e corrupção”, afirmou.
Confira a fala da parlamentar socialista:
Vice-líder do governo, o senador Marcos Rogério (DEM-RO) chegou a dizer que houve “crime de responsabilidade” por parte do governo amazonense ao não firmar com antecedência um novo contrato com a empresa White Martins, fornecedora de oxigênio.
Governo federal também tem culpa no colapso
Senadores independentes e de oposição, por outro lado, se ampararam no que consideraram uma omissão do governo federal diante da situação na região e na disseminação de cloroquina, por parte do Ministério da Saúde, na véspera do desabastecimento de oxigênio.
O senador Rogério Carvalho (PT-SE) ressaltou a confirmação de que houve disseminação no estado de cloroquina.
“Isso não quer dizer, ex-secretário Marcellus Campêlo, que o governador do seu estado não foi um incompetente, não foi um fraco. Foi conivente. Foi conivente porque ele sabia de todos os riscos e voltou atrás. Ele não teve coragem de manter a posição dele porque desagradava ao presidente e o grupo político do qual ele faz parte”, afirmou o senador.
Na mesma linha, o senador Fabiano Contarato (Rede-ES) afirmou que “a culpa do estado [Amazonas] não exclui a culpa do governo federal”.
Campêlo pediu oxigênio e recebeu cloroquina
Campêlo disse que o estado enviou ofício ao Ministério da Saúde no dia 31 de dezembro, pedindo apoio da Força Nacional do SUS, diante da alta de casos. No dia 04 de janeiro, Mayra chegou à capital, quando deu “ênfase” à adoção do tratamento precoce, que utiliza medicação sem eficácia contra covid-19, como Cloroquina e Ivermectina.
Na ocasião, ela também falou do TrateCov, aplicativo que estabelecia a forma de uso desses medicamentos sem que sequer fossem feitos exames para se constatar a doença no paciente. Sete dias depois, em 11 de janeiro, Campêlo participou de evento em que o aplicativo foi formalmente apresentado pela secretária do Ministério da Saúde.
O então ministro Eduardo Pazuello também estava no evento – à CPI, Pazuello negou que o TrateCov tenha sido formalizado.
Colapso de oxigênio
Os senadores querem saber o momento exato em que o governo federal foi avisado sobre a crise no Amazonas e quais medidas o governo federal tomou para conter o colapso. Pazuello é alvo de inquérito por suposta omissão no enfrentamento da pandemia no Amazonas.
Campêlo disse que o desabastecimento de oxigênio em Manaus durou apenas dois dias, mas Omar Aziz (PSD-AM) e Eduardo Braga (MDB-AM) contestaram. Braga afirmou que o ex-secretário mentiu e mostrou vídeo com reportagens. O senador ressaltou que o Amazonas registro mais de 13 mil óbitos, mais de 300 vítimas a cada 100 mil habitantes, acima da média nacional.
Mantendo versão apresentada por Pazuello, ele relatou que telefonou para o ex-ministro em 7 de janeiro (vídeo abaixo) pedindo ajuda para transporte de oxigênio hospitalar de Belém a Manaus. Segundo o ex-secretário, naquele momento, não se tinha conhecimento de que poderia haver desabastecimento no insumo.
Amazonas foi ignorado
Porém, Campêllo afirmou que o Ministério da Saúde deixou sem resposta quatro pedidos de ajuda enviados pela Secretaria de Saúde do Amazonas. Ele disse ter enviado ofícios a Pazuello nos dias 9, 11, 12 e 13 de janeiro. Nos dias 14 e 15, mais de 30 pessoas morreram no estado pela falta do insumo.
“A sua presença aqui não fluiu, não houve esclarecimento nenhum. Você só veio aqui para tentar explicar o inexplicável”, criticou o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM).
“Preocupação” com fornecimento
O ex-secretário contou que informou Pazuello em 10 de janeiro sobre uma “preocupação” com o fornecimento de oxigênio hospitalar por parte da empresa White Martins. A versão de Campêlo foi contestada por senadores. Eduardo Braga reforçou que a CPI tem documentos que apontam que desde julho a White Martins demonstrava preocupação com a “explosão do consumo”.
“Nós estamos falando de julho de 2020, e as pessoas morreram por falta de oxigênio a partir do dia 8, dia 9 de janeiro de 2021. Seis meses para providenciar o oxigênio”, afirmou Braga.
O senador Marcos Rogério ressaltou documentação que, segundo ele, comprova que o governo do Amazonas demorou para ampliar a compra de oxigênio e somente assinou um aditivo com a fornecedora no final de novembro.
Casos de família
Antes de Campêllo assumir a Secretaria e Saúde, foi deflagrada no Amazonas a 2ª fase da Operação Sangria, que investiga desvio de recursos destinados ao combate da pandemia. Na decisão que deflagrou a operação, apareceu o nome da deputada estadual Alessandra Campêlo, acompanhado da suspeita do Ministério Público Federal (MPF). O ex-secretário, preso pela Polícia Federal no último dia 2, foi questionado pelos senadores sobre esse episódio.
“Por que depois de uma reunião com o alto escalão do governo, Alessandra assumiu a presidência do impeachment do governador e vice? Por que ela votou a favor do arquivamento do processo? E ainda, por que após o arquivamento o primo dela, Marcellus Campêlo assumiu a secretaria de saúde do Estado?”, questiona trecho do despacho do STJ que autorizou a Operação Sangria.
Uma das frentes da investigação é a celebração, pela Secretaria de Saúde do estado, de contratos fraudulentos para favorecer um grupo de empresários na construção do hospital de campanha Nilton Lins. Sobre as acusações, Campêlo afirmou que “não houve contratação”, e sim uma “requisição administrativa” tanto do próprio hospital quanto dos serviços prestados, entre eles limpeza e radiologia, por exemplo.
“Intermediação ilegal“
Questionado pelo relator, Renan Calheiros (MDB-AL), sobre suposta “intermediação ilegal, conhecida como triangulação, de uma loja de vinhos na compra de respiradores”, o ex-secretário explicou que, quando assumiu o cargo, a aquisição dos equipamentos já tinha acontecido.
“Quando eu cheguei, no dia 8 de maio, como secretário-executivo, já haviam instaurado uma sindicância, e a Controladoria-Geral do Estado estava apurando isso”.
Com informações do G1 e Agência Senado