Durante o depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia, o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, culpou o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) pelo atraso da vacinação contra a Covid-19 no país. Com isso, ele contradiz o ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, que já depôs ao colegiado. Dimas falou durante quase sete horas aos senadores nesta quinta-feira (27).
O diretor do Instituto Butantan afirmou que o acordo para a fabricação da CoronaVac desandou após Bolsonaro falar publicamente que não compraria o imunizante. As tratativas começaram com Pazuello, que chegou a anunciar a compra e classificar o imunizante como “a vacina do Brasil”. Mas foi desautorizado publicamente no dia seguinte pelo presidente. Episódio em que o ex-ministro da Saúde apareceu em vídeo com o presidente e declarou que “um manda, o outro obedece”.
Governo ignorou Butantan
Em outubro de 2020, o Butantan ofereceu 100 milhões de doses da CoronaVac, desenvolvida em parceria com o laboratório chinês Sinovac, afirmou Covas. Mas não houve sinalização do Ministério da Saúde para a aquisição do imunizante.
Na mesma época, Bolsonaro se negou publicamente a comprar a vacina e descredibilizava a eficácia da CoronaVac. A disputa política com o governador João Doria (PSDB) falou mais alto ao presidente já que o Butantan é ligado ao governo de São Paulo.
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Mais doses no Butantan do que no mundo
Dimas Covas afirmou que em dezembro mais de 5,5 milhões de doses estavam prontas e 4 milhões estavam em processamento. Na época, o Butantan tinha mais vacinas estocadas do que as aplicadas no mundo. A demora da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para liberar o imunizante também teria contribuído para o atraso. Com isso, ele avalia que o país perdeu a oportunidade de ter sido precursor da vacinação em todo o mundo.
Contra o Butantan e a favor da morte
Mais de 167 mil idosos poderiam ter sido salvos caso Bolsonaro não tivesse deliberadamente atrapalhado a compra das vacinas. O levantamento foi apresentado pela senadora Leila Barros (PSB-DF) durante o depoimento do diretor do Butantan. Ela afirmou que todos os idosos do país poderiam ter sido imunizados até janeiro deste ano.
“Com 60 milhões de doses em 2020, até meados de janeiro de 2021 seria possível imunizar todos os idosos do país. Todos os idosos. O resultado disso foi que 167 mil idosos perderam a vida. 167 mil idosos que estariam aqui hoje se tivessem sido imunizados.”
Leila Barros
Em julho do ano passado, 60 milhões de doses foram oferecidas ao governo federal com previsão de entrega para o fim de 2020. Sem resposta do Executivo, as vacinas foram enviadas para outros países.
A senadora também questionou o presidente do Butantan sobre a as variantes da Covid-19 e lembra do infectado que viajou pelo país, sem controle. Ela questionou o que Dimas acha de barreiras sanitárias. De acordo com ele, é ponto fundamental, especialmente, porque o vírus chegou ao Brasil pelos aeroportos. Dimas disse que a cepa sul-africana preocupa, porque as vacinas em geral têm eficácia menor, bem como a cepa indiana , que é tratada como uma ameaça internacional.
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Descaso contínuo com Butantan
Até o momento, de acordo com o diretor do Butantan, o Ministério da Saúde não ofereceu ajuda financeira para a conclusão dos estudos clínicos da Coronavac. Dimas afirma que R$ 60 milhões foram solicitados para a construção da fábrica o instituto e outros R$ 45 milhões para as pesquisas.
“A solicitação para o estudo clínico não foi atendida e para a questão dos equipamentos foi levantada a possibilidade de se fazer o Prosis [Programa de Modernização de Instrumentos e Sistemas de Gestão da Administração Pública], mas não especificamente para fábrica de covid, mas para fábrica multipropósito,” afirmou.
97% de pessoas devem ser vacinadas
Dimas Covas afirmou também que conter o avanço da pandemia é necessário vacinar 97% das pessoas. Ele citou os efeitos que já foram percebidos em Serrana (SP), município com 45,6 mil habitantes, o primeiro do Brasil a ter praticamente toda a população adulta vacinada com as duas doses.
Resultados preliminares de um estudo realizado pelo Butantan em parceria com a Universidade de São Paulo (USP) na cidade revelam que o número de casos em idosos caiu 70% após a aplicação da segunda dose e que é possível perceber uma baixa em outras faixas etárias.
“Em toda a população vacinada, isso vem caindo progressivamente. Mostrando que o efeito da vacina, quando se vacina em massa, é de fato um efeito direto sobre a evolução da epidemia. E é esse o objetivo. Enquanto não houver essa vacinação de 97% das pessoas em risco, como foi o caso lá em Serrana, nós não vamos ter esse decréscimo natural da epidemia. Ela poderá ficar sofrendo essas idas e vindas, principalmente quando surge uma variante nova”, disse.
Reforço anual da vacina
O diretor do Butantan afirmou ainda que será necessário um reforço anual da vacina para manter o controle da doença após o fim da pandemia, especialmente por conta das variantes.
“Eu não tenho chamado de terceira dose, mas de dose de reforço. Isso será necessário neste momento para todas as vacinas, não só em relação à própria duração da imunidade, na minha opinião, é claro, como também em relação às variantes”.
Dimas reforçou ainda a importância de tomar a segunda dose da vacina, mesmo que com atraso. De acordo com ele, não há perda da eficácia, apenas aumento no tempo para que a pessoa fique completamente protegida da doença. Ele ressaltou ainda que as políticas de distanciamento social e uso da máscara são armas principais para contenção da pandemia, não só nessa mas em todas as pandemias da história.
Relator elogia depoimento
O relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), avaliou que o depoimento do diretor do Butantan foi um dos melhores até o momento.
“Dimas Covas: um depoimento técnico, documentado, consistente e revelador. A vacinação no Brasil foi atrasada deliberadamente”, afirmou o senador em uma rede social.
TrateCov e a cloroquina para bebês
A CPI da Pandemia enviou ao Tribunal de Contas da União (TCU) um pedido de investigação sobre o TrateCov, aplicativo que recomendava tratamento precoce indiscriminadamente até para bebês. Os senadores querem confirmar se a versão original da ferramenta previa “tratamento precoce” e quais seriam os medicamentos recomendados.
Os parlamentares também buscam informações sobre uma eventual violação do aplicativo por ação hacker, como foi alegado pelo ex-ministro Eduardo Pazuello. Foi questionado ainda à Corte de Contas se houve violação da Lei Geral de Proteção de Dados, que classifica dados de saúde como sensíveis.
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Com informações do UOL, Correio Braziliense, Congresso em Foco e Agência Senado