O chamado grupo independente de parlamentares, que é maioria na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que vai investigar a gestão do governo de Jair Bolsonaro (sem partido) e a aplicação de verbas federais em estados, DF e municípios para o enfrentamento à pandemia da Covid-19, decidiu incluir os depoimentos de pelo menos 15 integrantes do governo.
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CPI da Pandemia quer ouvir Pazuello e Guedes
Os depoimentos na CPI da Pandemia querem ouvir uma lista de envolvidos diretos na condução do enfrentamento à crise sanitária causada pelo coronavírus. Entre os principais nomes da relação estão o ex-ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, e o ministro da Economia, Paulo Guedes.
Guedes deverá dar explicações sobre o auxílio emergencial e esclarecer se o valor gasto com o programa foi suficiente para atender a população vulnerável. O texto em elaboração na CPI da Pandemia já sugere a possibilidade de realizar acareações entre as testemunhas.
A convocação de Pazuello já estava definida, mas no domingo (18) os senadores da CPI da Pandemia combinaram de incluir entre os primeiros a serem ouvidos o atual ministro da Defesa, Walter Braga Netto. A decisão ocorre após o jornal O Estado de S.Paulo revelar que técnicos do Tribunal de Contas da União (TCU) consideraram que o ex-chefe da Casa Civil não atuou de forma a “preservar vidas” quando comandou o comitê da crise.
No domingo, Braga Netto teria entrado em contato no domingo com ministros da Corte de Contas para se defender e tentar sair da mira do TCU, cujos relatórios costumam pautar as CPIs. Ao Estadão, o Ministério da Defesa negou que o comitê tenha sido omisso com a crise.
Braga Netto também será convocado
Membro da CPI da Pandemia, o senador Otto Alencar (PSD-BA) disse que as apurações não podem ficar restritas à conduta do ex-ministro Pazuello.
“O Ministério da Saúde não é só Pazuello. Existe uma estrutura organizacional de cargos, com responsabilidades. Quando o Pazuello foi ao Senado, por exemplo, o secretário executivo dele (o coronel da reserva Elcio Franco) estava do lado.”
Otto Alencar
Sobre a conduta de Braga Netto, Alencar afirmou: “Vamos averiguar, pedir informações ao TCU. A investigação vai ditar os requerimentos de informações e as convocações”.
“Não tenha dúvida que vamos discutir a convocação de Braga Netto. Acompanhamos tudo dos relatórios do TCU, do MPF e denúncias. Vamos atrás de cada uma. O relatório do TCU é muito rico, vai ser uma base importante para os trabalhos”, reforçou o senador Humberto Costa (PT-PE), que também integra a comissão.
Diante dos novos fatos envolvendo militares, interlocutores do Planalto já avaliam que o governo estará no lucro se os debates da CPI da Pandemia se limitarem a Eduardo Pazuello. Sua equipe mais próxima na Saúde era formada por cerca de 20 nomes da ativa e reserva.
CPI não tem parcimônia com investigados
A disposição dos senadores, contudo, é convocar todos a depor em sessões transmitidas ao vivo. Eles não costumam ter parcimônia com investigados e a história registra episódios em que depoentes saíram presos de comissões. Razão pela qual é cada vez mais frequente que depoentes acionem o Supremo Tribunal Federal (STF) para não serem obrigados a dar as caras e prestar depoimentos. Uma CPI também tem poderes para quebrar sigilos fiscal, telefônico e bancário.
A lista de depoentes elaborada pelos senadores também contempla o ex-secretário de Comunicação da Presidência, Fábio Wajngarten; o secretário especial da Secretaria de Assuntos Estratégicos, Flávio Rocha; o secretário do Tesouro Nacional, Bruno Funchal; e o ex-comandante do Exército, Edson Pujol.
Ainda em fase de discussão, a proposta para o plano de trabalho precisará ser aprovada pela CPI. O texto divide a condução das apurações da comissão em quatro subrelatorias: compra de vacinas e outras medidas de contenção do vírus; colapso no sistema de saúde em Manaus; insumos para tratamento de enfermos; e emprego de recursos federais, o que envolve a fiscalização de contratos firmados pelo Ministério da Saúde e repasses a estados e municípios.
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Aplicativo Tratecov será investigado
Na área do Ministério da Saúde, um dos pontos que deve entrar em debate é o aplicativo TrateCOV, que recomendava o uso de medicamentos sem comprovação científica contra a Covid-19, como a cloroquina. Os senadores querem pedir informações ao ministério sobre quem foi o responsável pela elaboração do conteúdo e o valor usado para o desenvolvimento do aplicativo.
Também é prevista a fiscalização de todos os contratos firmados pelo governo federal para o combate à Covid-19, com a requisição de informação aos ministérios da Saúde e da Economia. O objetivo é “verificar se os contratos firmados obedeceram aos princípios da Administração Pública”. Para isto, os senadores querem ouvir secretários e gestores do Ministério da Economia.
O plano considera, ainda, pedir informação ao Ministério da Saúde e à Secretaria Especial de Comunicação da Presidência (Secom) sobre a quantidade e o valor das propagandas oficiais veiculadas, incluindo influenciadores digitais. A justificativa é “verificar se as propagandas foram tempestivas e suficientes, bem como se foram investidas verbas suficientes”.
Como era previsto, devem ser convocados o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e os ex-ministros Nelson Teich e Luiz Henrique Mandetta. Na mesma área, são listados os secretários Mayra Isabel Correa (Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde), Luiz Otávio Franco (Atenção especializada) e Hélio Angotti Neto (Ciência, tecnologia e insumos estratégicos). Os três secretários e Pazuello foram alvo recentemente de denúncia do Ministério Público Federal do Amazonas (MPF) por improbidade administrativa. Antonio Elcio Franco, ex-secretário-executivo da pasta também deve ser chamado.
Aziz diz que não fará negociata com o governo
Opção do Palácio do Planalto para comandar a CPI da Pandemia, o senador Omar Aziz (PSD-AM) avisou neste domingo que não está disposto a fazer qualquer tipo de “negociata” com o governo para mudar o escopo da investigação. Com discurso duro, o futuro presidente da comissão disse que o Brasil “não fez absolutamente nada para impedir a entrada do vírus” no ano passado.
“A CPI vai ter início, meio e fim. Não dá para uma pessoa como eu, do estado do Amazonas, que foi um dos estados que mais sofreram com a pandemia, fazer de conta que não aconteceu nada. O Brasil tem em torno de 2,5% da população mundial, e nós representamos 26% de óbitos. Vamos chegar em uma semana a mais de 400 mil óbitos.”
Omar Aziz
Aziz disse, em entrevista à GloboNews, que tem postura independente e que suas ações mostrarão isso na condução dos trabalhos. Também afirmou que tem interesse de ouvir explicações do ex-chanceler Ernesto Araújo sobre as tratativas internacionais e integrantes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sobre a demora para atestar a segurança da vacina Sputnik. Ele afirmou que quer saber, ainda, por que faltou oxigênio em Manaus e por que faltam acordos para a compra de vacinas.
Aziz também confirmou que vai indicar o senador Renan Calheiros (MDB-AL) para a relatoria da CPI. Renan, que também estava na conversa, disse que não entende a reação negativa do Planalto ao seu nome e que vai defender a investigação de todos, até mesmo de parentes, se for preciso. O filho do parlamentar é governador de Alagoas.
Crise sanitária se agravou com Pazuello na Saúde
Sob comando de Pazuello na Saúde, o Brasil saltou de cerca de 15 mil óbitos para 300 mil vítimas da pandemia e tornou-se uma ameaça global. Na quarta-feira passada, o TCU acusou o general de alterar o plano de contingência da Saúde na pandemia para livrar o governo de responsabilidades no monitoramento de estoques de medicamentos, insumos e testes.
A obediência de Pazuello ao presidente ficou nítida em outubro de 2020, quando cancelou uma compra de 46 milhões de doses da Coronavac. “É simples assim. Um manda e outro obedece”, disse na ocasião. A promessa de aquisição da vacina havia enfurecido Bolsonaro, pois os dividendos políticos iriam para o governador de São Paulo, João Doria (PSDB).
Ainda em fevereiro, um ministro do STF demonstrava, em conversa reservada com o Estadão, a preocupação diante da possibilidade de os militares serem alvo de uma CPI. Mesmo a Comissão Nacional da Verdade, que mirou agentes da reserva e questões da história, havia criado uma crise na cúpula militar e um estranhamento entre o governo Dilma Rousseff e a caserna.
Nesta semana, o ministro Gilmar Mendes disse ao Estadão não temer problemas institucionais. Ele observou que os militares foram “reprovados” na gestão pública e defendeu o direito da CPI de investigá-los. Em julho de 2020, o ministro já havia afirmado que o Exército estava se associando a um “genocídio”.
Com informações da Agência Globo, Estadão e UOL