
Em um contexto de desindustrialização nos países europeus quando as indústrias tradicionais estavam sendo fechadas devido à concorrência asiática, o Departamento de Cultura, Mídia e Esportes (DCMS) da Grã Bretanha divulgou, em 1998, um estudo sobre a economia criativa mostrando seu potencial para a geração de empregos de alto valor agregado, de renda acima da média do mercado e crescente peso nas exportações. As atividades econômicas contempladas neste relatório tinham a criatividade como principal insumo produtivo e por isso se tornou um marco na conceituação da economia criativa e indispensável leitura para os iniciantes no tema.
Na sequência, especialistas de diferentes países incorporaram elementos mercadológicos de propriedade intelectual em que marcas, patentes e direitos autorais também auxiliam na transformação da criatividade em produtos e destacaram o surgimento de uma nova classe de trabalhadores, denominada classe criativa, com grande potencial de contribuição para a geração de riqueza e valor econômico. Até então, essa classe criativa era avaliada quase que exclusivamente pelo seu papel nas atividades estritamente culturais e artísticas.
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Após uma década de experiências realizadas em diversos lugares do mundo, a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) publicou, em 2008, o primeiro estudo de abrangência internacional demostrando que as exportações mundiais dos segmentos criativos já superavam US$ 500 bilhões.
O Departamento de Cultura, Mídia e Esportes (DCMS) britânico define economia criativa como aquela em que “as atividades têm sua origem na criatividade, na perícia e no talento individual e que possuem um potencial para criação de riqueza e empregos através da geração e da exploração de propriedade intelectual”.
De uma forma mais abrangente, a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) defende que a “economia criativa é um dos setores mais dinâmicos do comércio internacional, gera crescimento, empregos, divisas, inclusão social e desenvolvimento humano. É o ciclo que engloba a criação, produção e distribuição de produtos e serviços que usam o conhecimento, a criatividade e o ativo intelectual como principais recursos produtivos”.
Uma dificuldade de quantificar a economia criativa está na ausência de fontes estatísticas apropriadas e regulares. A grande proporção da informalidade desses negócios, especialmente nos empreendimentos nascentes e de pequeno porte, também contribui para sua difícil mensuração. Além disso, a economia criativa está crescendo com novos modelos de negócios ainda não facilmente capturados pelas estatísticas tradicionais, tais como as startups, modelos colaborativos e “pejotização”.
No Brasil, o primeiro estudo foi realizado em 2008 pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), com o título ‘A Cadeia da Indústria Criativa no Brasil’, compreendendo 13 segmentos criativos considerados nucleares:
- Arquitetura (design e projetos de edificações, paisagens e ambientes, planejamento e conservação);
- Artes Cênicas (atuação, produção e direção de espetáculos teatrais e de dança);
- Audiovisual (desenvolvimento de conteúdo, distribuição, programação e transmissão);
- Biotecnologia (bioengenharia, pesquisa em biologia, atividades laboratoriais);
- Design (design gráfico, multimídia e de móveis);
- Editorial (edição de livros, jornais, revistas e conteúdo digital);
- Expressões Culturais (artesanato, folclore, gastronomia);
- Moda (desenho de roupas, acessórios e calçados e modelistas);
- Música (gravação, edição e mixagem de som, criação e interpretação musical);
- Patrimônio e Artes (serviços culturais, museologia, produção cultural);
- Pesquisa & Desenvolvimento (desenvolvimento experimental e pesquisa em geral exceto biologia);
- Publicidade (publicidade, marketing, pesquisa de mercado e organização de eventos);
- TIC (desenvolvimento de softwares, sistemas, consultoria em TI e robótica).
O estudo da Firjan referente a 2017 demonstrou que o PIB da economia criativa representou 2,61% do PIB total do Brasil, ou cerca de R$ 172 bilhões. Neste mesmo ano mais de 830 mil profissionais criativos estavam empregados no mercado de trabalho formal, sendo a maioria vinculados aos 245 mil estabelecimentos dos segmentos criativos e o restante nos demais setores produtivos. O número de empregos criativos apresentam tendência de crescimento acima da média dos segmentos não criativos sendo que o máximo foi atingido no ano de 2015 com mais 870 mil empregos. Os estados de São Paulo e Rio de Janeiro eram responsáveis por 50% dos empregos criativos formais do país.
O crescimento da economia criativa em todo o mundo também está ligado à transformação digital e à valorização da experiência dos consumidores. Por consequência, as profissões criativas estão em alta: mídias digitais, promoção da imagem das empresas, relações públicas, inovação no consumo, etc. Não é por acaso que os profissionais criativos, usualmente mais qualificados, recebem remunerações bem acima da média dos demais trabalhadores.
O PIB médio da economia criativa brasileira cresce desde quando começou a ser medido em 2004, sendo o valor máximo de 2,64% do total em 2015, mesmo considerando os períodos em que a economia em geral enfrenta grande crise econômica. Os estados de São Paulo e Rio de Janeiro são os que apresentam os maiores PIB da economia criativa, cerca de 4%.
De acordo com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) se a economia criativa fosse um país, teria o 4o maior PIB de US 4,4 bilhões de dólares e 144 milhões de pessoas empregadas. A Organização Mundial do Trabalho (OIT) cita que o crescimento anual do mercado criativo deve girar entre 10% e 20% nos próximos anos em todo o mundo. Além disso, a criatividade tornou-se uma das aptidões mais desejadas nos profissionais do século XXI, segundo os relatórios sobre o futuro das profissões publicados pelo Fórum Econômico Mundial.
A economia criativa é um dos segmentos de maior crescimento na economia mundial e uma das mais rentáveis em termos de geração de lucros, empregos de alto valor agregado e exportação de bens e serviços.
Inspirados nas pioneiras experiências australiana (Creative Nation/1994) e britânica (Creative Industries Mapping Documents/1998) diversos países iniciaram seus mapeamentos, bem como a identificação de políticas públicas de estímulos ao crescimento da economia criativa. Atualmente existem inúmeros instrumentos públicos de sucesso testados em todo o mundo pelos governos centrais, regionais e locais, além de parcerias público-privadas e iniciativas exclusivamente privadas.
Os mais evidentes são os seguintes: (a) conectividade, adequação do zoneamento urbano, projetos sustentáveis, revitalização de áreas e construções degradadas, clusters urbanos criativos e culturais, áreas verdes; (b) projetos culturais, preservação do patrimônio histórico, galerias de arte, bibliotecas modernas, empreendimentos de audiovisual, museus; (c) retenção de talentos, capacitação de jovens empreendedores e pessoas criativas, atração de empresários e de investimentos, diversificação da matriz produtiva e ampliação da diversidade social; (d) modernização burocrática do setor público, parcerias público-privadas inovadoras, incentivos fiscais da nova economia, novos modelos de fomento público, aceleradoras privadas e regulamentação de crowdfunding.
Muitos países estão colocando em prática estes ensinamentos e demonstrando que o aumento dos investimentos na economia criativa também contribui para o desenvolvimento social, melhor qualidade de vida e autoestima individual. Parcerias entre governos, empresas e sociedade civil tem sido fundamentais para se atingir estes objetivos. No nosso país, o Partido Socialista Brasileiro – PSB foi o primeiro partido a propor a Economia Criativa como eixo estratégico de desenvolvimento. Todos os atores sociais devem apoiar esta iniciativa inovadora.
O Brasil pode avançar rapidamente no desenvolvimento da economia criativa por meio de novos marcos regulatórios e incentivos em geral. As experiências da Inglaterra, Austrália, Portugal, Espanha, Colômbia e Escandinávia, entre outras, são excelentes fontes de inspiração. Internamente as cidades de Recife, na área do Porto Digital, e Florianópolis são bons exemplos a serem estudados.
*Gina Gulineli Paladino é Mestre em Economia pela UFMG e D.E.A. na Universidade de Paris. Formada em Ciências Econômicas na UFPR com cursos de extensão e especialização no Brasil, França, Japão e Suíça. Publicou e organizou livros, artigos e realizou palestras no país e exterior. Atuação profissional: inovação, empreendedorismo, economia criativa, cidades criativas e desenvolvimento econômico. Trabalhou no setor privado e público (federal, estadual e municipal) e como professora universitária. Atualmente é professora, consultora e palestrante nas áreas de economia criativa e cidades criativas.