
A pandemia da Covid-19 acentuou os graves problemas da educação no país. Por isso, a Autorreforma deve trabalhar as teses para a educação levando em conta a crise sanitária, que dificultou ainda mais o acesso para os estudantes mais vulneráveis.
Essa é a avaliação de Mozart Neves Ramos, titular da Cátedra Sergio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP) e Anna Helena Altenfelder, presidente do Conselho de Administração do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec).
Os dois educadores participaram do debate “Revolução Criativa na Educação”, que faz parte do ciclo de debates sobre a Autorreforma do PSB, nesta segunda-feira (31). O presidente nacional do partido, Carlos Siqueira também participou da live.
Consequências da pandemia
Mozart elogiou a abordagem que a Autorreforma faz da educação, como a ênfase em educação de qualidade e inclusão dos mais pobres. O educador também indicou alguns caminhos que ele considera que devem ser ampliados pelo PSB.
O primeiro é considerar a pandemia no planejamento da educação. Os inúmeros problemas já existentes foram ampliados pela crise sanitária. Entre eles, a dificuldade na aprendizagem, a desigualdade social e, consequentemente, o abandono escolar.
“As primeiras avaliações estão mostrando claramente esse enorme baque. E o abandono nunca foi tão preocupante como agora, principalmente, entre os mais jovens.”
Mozart Neves Ramos
Por isso, Anna Helena Altenfelder também defende a necessidade de pensar a educação levando em conta a Covid-19 no planejamento da educação no país.
“A escola básica é um pilar fundamental para enfrentarmos a retomada do país pós-pandemia. É fundamental na promoção da cidadania, da justiça e do respeito mútuo, na construção de uma sociedade mais colaborativa e pacífica, e no fortalecimento da própria democracia. É preciso deixar muito claro que a educação é fundamental para o desenvolvimento. Não existe um país desenvolvido econômica e socialmente se não tiver uma educação fortalecida.”
Anna Helena Altenfelde
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Pandemia aumentou evasão
Pesquisa realizada pelo Cenpec em parceria com o Unicef mostra que, até 2019, 2% das crianças e adolescentes, entre 6 e 17 anos, estavam fora da escola. O número praticamente dobrou em 2020, para 3,8%. Em novembro de 2020, cerca de 1,5 milhão de crianças e adolescentes, entre 6 e 17 anos, não frequentavam a escola. E, dos que estavam matriculados, 3,7 milhões não receberam atividades.
Nesse sentido, Anna afirma que a Autorreforma está no caminho certo quando fala em assegurar a permanência na escola. O que deve prever seguir a trajetória entre as séries, com conclusão em idade apropriada e garantia de aprendizagem na idade certa.
Além disso, ela observa ser importante enfatizar a agenda intersetorial. Ou seja, trabalhar a educação de maneira integrada com assistência social, cultura, saúde e esporte para assegurar a formação integral dos estudantes. O que, na avaliação dela, será ainda mais necessário no pós-pandemia.
Educação conectada
Mozart sugeriu mais contundência na Autorreforma quando se trata da conectividade digital na educação. “Sei que o partido tem o compromisso com os mais pobres, que foram exatamente os que não tiveram nenhuma atividade escolar ao longo de 2020”, destacou ao lembrar o veto do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ao projeto que garantia internet para os estudantes e professores da rede pública.
“Mas a gente precisa compreender que o cenário que estamos vivendo é disruptivo. As descontinuidades são cada vez mais frequentes, principalmente, as conduzidas no campo tecnológico. Consequentemente, os problemas são cada vez mais complexos. Precisamos trabalhar em rede, em colaboração.”
Mozart Neves Ramos
Para a Anna, garantir acesso à internet, bem como aos equipamentos necessários para acessá-la, são importantes também para auxiliar na permanência do estudante na escola.
“Temos uma questão fundamental mencionada no documento que é a exclusão da escola. Se olharmos para essas crianças, adolescentes e jovens que ficam à margem, vamos ver que têm fortes marcadores sociais de nível socioeconômico, de raça, de cor e de território. E a pandemia acirrou essa exclusão. São exatamente as crianças mais pobres que não tiveram acesso nenhum às atividades, aos acessos a internet e equipamentos. Por isso, o documento acerta na retomada no investimento em educação.”
Anna Helena Altenfelde
Educação em Pernambuco
Mozart destacou a importância da continuidade das políticas públicas. Como exemplo, as escolas de tempo integral de ensino médio em Pernambuco. O sistema começou a ser implantadas no estado quando Mozart era secretário de educação, durante o governo de Jarbas Vasconcelos.
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“Eduardo (Campos) entra posteriormente como governador e dá continuidade de uma forma absolutamente inteligente: universalizou para todos os municípios de Pernambuco e o fez com qualidade. Isso mostra que os investimentos durante os últimos 20 anos feitos nas escolas de ensino médio em tempo integral colocaram o estado entre os melhores resultados nacionais na educação”, disse.
Para o presidente do PSB, Carlos Siqueira, a boa política se faz dessa maneira, com continuidade do que está dando certo independente do lado em que se está no campo político.
“O que Eduardo (Campos) fez com a política de seu antecessor, ao qual ele fazia oposição, foi de dar continuidade e ampliar porque a política estava correta. A boa política é para dar continuidade e aprimorar e não serem extintas por ser de oposição. E suas contribuições além de pertinentes são importantes e serão incorporadas para melhorar e aperfeiçoar o documento.”
Carlos Siqueira
Educação, ciência e tecnologia
Na linha do que propõe a Autorreforma, Mozart também defende investimentos pesados em ciência e tecnologia, incluindo o reconhecimento financeiro dos profissionais dessas áreas.
“Eu me preocupo muito que o Brasil ainda tenha um número tão baixo de 700 pesquisadores por milhão de habitantes. A Argentina tem 1,2 mil; Cingapura, 5,5 mil pesquisadores por milhão de habitantes. Estados Unidos 3,3 mil e Israel mais de 5 mil por milhão de habitante. A gente precisa começar a fixar mais nossos jovens no Brasil”, observa.
Escola pública não fracassou
Por outro lado, Anna Helena também observa que é preciso reconhecer os avanços. Especialmente, para defender a escola pública da ideia de que ela fracassou, bastante difundida atualmente e que ameaça as conquistas alcaçadas.
“Temos políticas de avaliação em larga escala, de distribuição de material didático, que se constituíram como políticas de Estado e que agora estão seriamente ameaçadas. Temos exemplos de políticas estaduais que avançaram em qualidade e, mais que tudo, em equidade, como Ceará e Pernambuco”, salienta.
A pesquisadora observa ainda que para as políticas públicas darem certo é preciso envolver a comunidade escolar em todo o processo.
“É importante pensar que as inovações precisam fazer sentido para os alunos e professores. Para ser realmente inovadora, a escola precisa assumir a autoria das mudanças que pretende, ela que precisa ser o centro de conhecimento e inovação. Por isso, famílias e alunos precisam ser mais considerados e envolvidos na elaboração das políticas de educação”, pontua.
De qualidade e acessível
O presidente do PSB avalia que os desafios continuam maiores que as conquistas.
“Não haverá combate efetivo à desigualdade social se o estado brasileiro não oferecer uma educação de qualidade que forme para a vida. Mas que seja voltada também para o desenvolvimento tecnológico do setor. O principal ativo de um plano nacional de desenvolvimento é a qualificação da sua população”, enfatiza Siqueira.
Autorreforma do PSB
Para o PSB, o desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção têm na tecnologia um ponto de inflexão. A velocidade da revolução tecnológica em curso no mundo colocou a inovação e a criatividade como fatores determinantes e centrais para o desenvolvimento.
“É preciso reinventar o fazer político; mobilizar a sociedade para a luta pela redução das desigualdades; proporcionar, principalmente à juventude brasileira, uma perspectiva política pela qual valha a pena viver e lutar. Harmonizar o sonho de cada pessoa com a utopia da felicidade coletiva.”
Autorreforma do PSB
Ciclo de debates sobre a Autorreforma
Os debates serão realizados quinzenalmente até 26 de julho, sempre às segundas-feiras, às 19h, com transmissões ao vivo pelos canais do PSB na internet. As discussões são abertas à participação de qualquer interessado, em cumprimento à proposta dos socialistas de discutir a reformulação do partido com a sociedade.
As coordenações da FJM nos estados e no Distrito Federal são responsáveis por organizar as discussões sobre cada tese da Autorreforma – proposta no cronograma prévio nacional – com a militância, parlamentares, chefes de Executivos estaduais e municipais do partido e população local. A intenção é adaptar as propostas à realidade de cada região e referendá-las nos congressos municipais (em setembro), e estaduais (em outubro) para, então, serem levadas ao Congresso Nacional, em novembro.
O processo vem sendo discutido pela militância socialista desde novembro de 2019, quando foi colocado em consulta pública o documento-base para a atualização do manifesto de fundação e do programa do PSB.
Confira a live na íntegra