Esposa, mãe, professora, tradutora, política, militante e multifacetada como toda mulher, a vereadora por Macapá, Janete Capiberibe (PSB), tem um longo histórico de lutas em prol dos direitos femininos. Militante desde o movimento estudantil secundarista e depois no Partido Comunista Brasileiro (PCB), ainda no período da ditadura militar, Janete teve passagens pela Ação Libertadora Nacional (ALN), de Carlos Marighella, foi presa junto com seu marido João Capiberibe e viveu o o exílio, tendo passado pela Bolívia, Chile, Canadá e Moçambique.
De volta ao Amapá, após a aprovação da Lei da Anistia, em 1979, retomou a trajetória política já iniciada, ao eleger-se vereadora em 1988. Deputada estadual por três mandatos, também foi Secretária da Indústria, Comércio, Mineração e Ecoturismo do Estado do Amapá. Em 2002 foi eleita deputada federal, sendo a mais votada do Estado, com 23 mil votos válidos.
Em sua passagem pelo Parlamento, teve sua atuação marcada pela defesa da Amazônia, em prol dos direitos das populações ribeirinhas, sendo autora do projeto que se tornou a Lei 11.970/2009, que obriga a cobertura do volante e eixo dos motores nas embarcações ribeirinhas para reduzir e erradicar os acidentes com escalpelamentos. Também foi autora do projeto que resultou na Lei 12.892/2013, que declara Chico Mendes patrono do Meio Ambiente brasileiro. Em 2020, foi eleita vereadora por Macapá.
Na série especial #ElasQueLutam, em comemoração ao Dia Internacional das Mulheres, celebrado no dia 8 de março, o Socialismo Criativo entrevistou Janete Capiberibe, mais um expoente da luta socialista por um país melhor e mais igualitário.
Socialismo Criativo – Vereadora, a senhora foi autora da Lei 11.970 que protege as mulheres ribeirinhas de acidentes de escalpelamento, e também do Projeto de Lei 2.354/03 que regulamenta a profissão de parteira tradicional. Estes são dois grupos de mulheres que viveram no anonimato até que o tema fosse levado ao debate para o nível nacional com suas proposições. Qual o impacto desses projetos na vida dessas mulheres?
Janete Capiberibe – A Lei 11.970/2009, que torna obrigatório o uso da proteção no motor, eixo e partes móveis das embarcações, utilizadas na navegação ribeirinha na Amazônia e em todo o Brasil, fez os acidentes por escalpelamento caírem 75% na foz do Rio Amazonas.
Durante a tramitação do Projeto de Lei, que durou dois anos, ocorreram campanhas de conscientização lideradas pelo meu mandato, junto com a Associação das Mulheres Ribeirinhas Vítimas de Escalpelamento e a Marinha do Brasil, com a instalação gratuita da carenagem sobre o volante e partes móveis dos motores. A lei incentivou outras ações como aquelas promovidas pela Defensoria Pública da União, para garantir às vítimas o pagamento do Benefício de Prestação Continuada (BPC), além de iniciativas de doação de cabelos por mulheres de todo o Brasil e de mulheres agricultoras da América Latina.
Elas foram incentivadas a participarem de oficinas de confecções de perucas, retomaram seus estudos e, até hoje, um intenso trabalho de combate ao bullying tem sido realizado nas escolas. Em 2013, durante o governo do PSB liderado por Camilo Capiberibe, foi realizado um mutirão de cirurgias plásticas reparadoras com a participação da Associação Brasileira de Cirurgia Plástica e de 40 médicos de todo o Brasil, que reconstituíram o couro cabeludo, nuca, testa e face de 64 mulheres.
Quanto às parteiras tradicionais, não conseguimos aprovação do projeto na Câmara porque muitos médicos e profissionais da enfermagem foram contrários à regulamentação da atividade. Isso não apaga o fato de, nos governos do PSB, entre 1994 e 2003 de João Alberto Capiberibe, retomado depois entre 2011 e 2014 por Camilo Capiberibe, uma série de ações terem sido desenvolvidas, incluindo projetos voltados a parteiras indígenas, quilombolas e ribeirinhas, quando foram realizados cursos de capacitação, entrega de kits com insumos para realização do parto e pré-natal. Além disso, na mesma gestão, realizou-se a inclusão no programa de renda mínima no valor de meio salário mínimo. Outra grande realização foi o grande encontro internacional, que aconteceu na linha do Equador, uma promoção do governo do Amapá e a ONG Cais do Parto, com a participação de países como o Canadá, África, União Europeia, Guiana Francesa e o Ministério da Saúde.
O Amapá também influenciou o Governo Federal e o Ministério da Saúde a criarem o programa Rede Cegonha, promovido na Secretaria da Mulher. Com R$ 550 mil do Orçamento Geral da União, dedicamos uma emenda parlamentar, direcionada ao Iphan, que está concluindo o inventário do saber das parteiras tradicionais por amostragem em todo Brasil. Depois disso, o saber dessas mulheres poderá se tornar patrimônio cultural e imaterial do Brasil.
Houve uma mudança enorme na qualidade de vida destes dois segmentos de mulheres amazônidas, a partir das políticas públicas realizadas pelo PSB, nos seus governos e no parlamento, o que a elas oportunizou a saída da invisibilidade.
Socialismo Criativo – A senhora acredita que ainda existam muitas mulheres no Brasil “abandonadas” por falta de representatividade nos espaços de poder? Se sim, como resolver este gargalo?
Janete Capiberibe – Com certeza! A sub-representação da maioria da população brasileira no Congresso Nacional, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais no país é uma realidade. Porém, sofrem as mulheres da periferia, das grandes cidades, dos campos, das florestas, ribeirinhas, quilombolas, ciganas, empregadas domésticas, parteiras, vítimas de escalpelamento. Todas elas sem representação, sem voz, sem voto de decisão para efetivar a promoção da solidariedade e da justiça social, uma vez que a política é uma ferramenta da inclusão e da transformação social.
Na nossa trajetória política eleitoral, avançamos na melhoria dos serviços públicos. Como deputada, primeira-dama e secretária de governo, procurei incluir todas as mulheres e criar políticas públicas para cada segmento. Trago aqui alguns exemplos: o projeto parteiras, que incluía cursos de formação, equipamentos básicos para humanização do parto; mulheres nas lutas ambientais, que qualificava mulheres para a proteção e exploração sustentável do meio ambiente; quando vereadora da capital do Estado de Amapá, Macapá, em 1989, definimos a concessão da primeira placa de táxi para uma mulher, que foi a primeira taxista do estado; como deputada estadual no Amapá, foi nossa a iniciativa para que a entrega de títulos de domínio de terrenos doados pelo governo do estado fosse feita em nome das mulheres mães de família.
Acreditamos que os partidos políticos têm um papel decisivo a desempenhar, se pautando nos avanços já existentes da legislação eleitoral, para a eleição de mulheres, fazendo crescer sua representatividade nos espaços legislativos.
Socialismo Criativo – A partir da sua experiência política, é possível dizer que Brasil está no caminho para conter a exclusão política das mulheres? O que falta para chegarmos a níveis políticos e sociais mais equitativos?
Janete Capiberibe – Ainda resta muita luta. No momento, em que pese todos os avanços conquistados pelas mulheres, ainda há enorme desvantagem. O caminho é investir em políticas públicas que gerem atividades econômicas e empresariais, que possam fornecer autonomia financeira, o que dará à mulher melhores condições para disputar os espaços políticos e assim reduzir a desigualdade de gênero nos meios políticos, públicos e privados.
Socialismo Criativo – De acordo com o ranking elaborado pelo Inter-Parliamentary Union, com uma média global de 25% de mulheres, a maioria dos parlamentos mundiais continua dominado por homens, enquanto vozes femininas seguem frequentemente afastadas dos órgãos de decisão ainda em 2021. O Brasil é um dos piores países em termos de representatividade política feminina, ocupando o 142º lugar entre as 188 nações analisadas e o 6º posto na América do Sul – atrás de Argentina, Equador, Guiana, Peru, Colômbia e Chile, por exemplo. A que a senhora atribui essa distância até mesmo entre os países sul-americanos?
Janete Capiberibe – Se falarmos do espaço doméstico, é preciso distribuir as tarefas para que a mulher não fique sobrecarregada e impedida de participar da política. No espaço partidário está na hora dos partidos políticos assegurarem às mulheres os mesmos espaços, cargos e salários despendidos aos homens.
As mulheres passarão a ter lugares de voz para decidir e renda para poderem fazer política, sem ter dupla ou tripla jornada. Não é favor nenhum. Somos 52% da população, 53% dos eleitores, trabalhamos, pagamos impostos, ajudamos a manter a estrutura partidária, a economia e as organizações sociais. E isso é um gesto revolucionário, na contramão do que querem os setores mais atrasados. É um desafio e um gesto absolutamente socialista! Vamos compartilhar as riquezas produzidas e os espaços para decidir o quê, como e quando fazer. Não é mais questão de provar ou não que a mulher pode fazer melhor. Essa discussão já foi superada e provamos que ocupamos os espaços com a mesma competência, firmeza e dignidade que os homens! É questão de definir esse como um objetivo comum, para buscar incansavelmente, a partir dos espaços que todos ocupamos, homens e mulheres, a igualdade de representação. É uma decisão política.
Mudanças na legislação ajudam, mas se não houver mudança na cabeça das pessoas, sempre vai ter quem tente burlar a norma para que as mulheres sejam ‘laranjas’ dos seus interesses para reproduzir uma sociedade desigual e injusta.
Socialismo Criativo – Atualmente apenas 15% dos representantes na Câmara dos Deputados e no Senado são mulheres. Para contornar a sub-representação feminina no Legislativo, o PSB propõe, dentro de sua Autorreforma, aumentar de 30% (como definido na Lei 9.504/1997) para 50% a obrigatoriedade de representação política feminina nas candidaturas partidárias. Esta é uma saída que funcionaria no curto prazo? Que outras propostas devem ser implementadas agora para evitar a imensa defasagem das representações femininas no poder?
Janete Capiberibe – A média mundial nos parlamentos é de 22% de mulheres. Nos países nórdicos, 42%. No Parlamento Europeu, perto de 40% de mulheres — as bancadas de alguns países, como Irlanda, Malta e Suécia têm mais de 50% de mulheres. A Estônia, mais de 60%! Ainda somos uma sociedade em formação e confio que esta desigualdade do nosso sistema democrático será vencida pela determinação das mulheres e de toda a sociedade.
O Brasil ainda é absolutamente patriarcal, preconceituoso, refratário à presença das mulheres na política, assim como à presença do público LGBTQIA+, negros e indígenas. Às minorias políticas e econômicas — por que somos a maioria da população e dos eleitores — a sociedade reserva o espaço do lar e as tarefas domésticas, o “armário”, a exclusão completa. Essa inclusão precisa acontecer no cotidiano para ir mudando nas outras instâncias.
Agora, na pandemia, por exemplo, aumenta a violência contra as mulheres, por conta do distanciamento social, porque para algumas parcelas da sociedade a mulher não é vista como independente, como cidadã, como dona do seu nariz e do seu destino.
É preciso avançar e conquistar permanentemente os espaços. Uma parte da sociedade vê a política como espaço de negócio, para ganhar dinheiro, uma tarefa culturalmente reservada aos homens — e quando ocorre isso é uma distorção absurda do objetivo da política — e não como um espaço para a busca do bem comum — que é o acesso igualitário aos bens e serviços, a promoção da justiça, o servir ao coletivo, que é feito pelas mulheres no cotidiano e mais ainda quando a situação aperta.
A sociedade precisa compreender qual é a finalidade da política. E temos aí a urgência da educação, não por acaso duramente atacada pelos setores conservadores já no governo Temer e agora no governo Bolsonaro, porque eles sabem que a educação promove a informação, o esclarecimento, a inclusão, a conscientização, mas também pode ser usada, como pretendem fazer, para excluir e oprimir.
A sociedade precisa se levantar e resistir para impedir que sejam dados largos passos para trás. Os ciclos políticos e econômicos recentes têm agravado a exclusão das mulheres na política e a reprodução de uma cultura obscurantista. No desemprego, na carestia, a responsabilidade pesa mais sobre a mulher que está distante dos espaços de decisão.
A mulher resolve, mas a pobreza a afasta da política por conta da distribuição desigual das tarefas — na sociedade, que paga menos pelo mesmo trabalho — e em casa, por que para muitos é normalizado que as tarefas domésticas são “da mulher”.
Nos partidos, por exemplo, a maioria dos espaços ainda são controlados pelos homens, e poucos asseguram o que a legislação prevê para as candidaturas e a eleição das mulheres — ao menos 30% das vagas e recursos do fundo eleitoral, na mesma proporção. É só ver as denúncias de candidaturas laranjas. Precisamos ter a equidade nos espaços partidários!
O paradoxo é que é a participação política da mulher, como cidadã, rebelando-se contra essas imposições, que vai provocar mudanças mais consistentes, aumentar sua presença na política em todos os espaços de decisão da sociedade. Para a democracia ser plena, é preciso haver equidade nessa representação nesses espaços. Nossa emancipação está nas lutas pelas transformações sociais, econômicas e culturais
Socialismo Criativo – Ainda no livro 4 da Autorreforma socialista, o PSB defende firmemente as creches públicas como instrumento de emancipação, a fim de garantir a autonomia da mulher e afastá-las dos ambientes de dependência. Que outras políticas podem ser encaradas como imediatas para contornar o atual cenário?
Janete Capiberibe – No ano de 2007 integrei a Comissão da elaboração do Fundeb na Câmara Federal, que não incluía creches. Consegui incluí-las em articulação com a relatora da proposta e com a mobilização da sociedade civil e organizações de mulheres do Distrito Federal, que manifestavam com os seus bebês em carrinhos nos salões da câmara. Aprovamos em 2007, a inclusão no Fundeb das creches públicas e filantrópicas para receberem recursos e investir em ampliar a oferta de vagas. Nessas instituições de ensino é um direito constitucional das crianças disponibilizar creches e proporcionar maior igualdade de oportunidades para as mulheres no mercado de trabalho formal, tornando-as menos dependentes e vulneráveis, além de garantir uma sólida formação psicomotora das nossas crianças, um direito que garantimos a todas as crianças e mulheres brasileiras
Socialismo Criativo – Que mensagem a senhora deixaria às mulheres brasileiras que ainda têm receio ou se sentem longe da política?
Janete Capiberibe – A luta pela igualdade de gênero é uma luta justa e necessária, que avançou muito nos últimos anos. Mas apesar dos avanços, existem muitos desafios, dos pontos de vista da injustiça, violência e preconceito. Vamos neste 8 de março, Dia Internacional da Mulher, decidi entrar na luta política e fazer com que cada vez mais mulheres ocupem espaços de poder pois esta é a única forma de seguirmos avançando! Feliz Dia da Mulher! Fora Bolsonaro!