Ao tomar posse, nesta quinta-feira (10), na Presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o ministro Luiz Fux afirmou que, entre seus objetivos para os próximos dois anos, estão o fortalecimento da vocação constitucional do STF e a preservação de sua função como instituição de jurisdição maior.
“Meu norte será a lição mais elementar que aprendi ao longo de décadas no exercício da magistratura: a necessária deferência aos demais Poderes no âmbito de suas competências, combinada com a altivez e a vigilância na tutela das liberdades públicas e dos direitos fundamentais”, afirmou. “Afinal, o mandamento da harmonia entre os Poderes não se confunde com contemplação e subserviência”.
Fux e a judicialização epidêmica
Em solenidade que contou com a presença dos presidentes da República, Jair Bolsonaro, da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e do Senado Federal, Davi Alcolumbre, e do procurador-geral da República, Augusto Aras, Fux conclamou os atores do sistema de justiça a dar um basta na judicialização “vulgar e epidêmica” de temas e conflitos em que a decisão política deve predominar. Segundo ele, o Poder Judiciário tem sido instado a decidir questões para as quais não dispõe de capacidade institucional.
Fux assinalou que a norma constitucional que estabelece que nenhuma lesão ou ameaça deve escapar à apreciação judicial erigiu uma “zona de conforto” para os agentes políticos e possibilitou que alguns grupos de poder que não desejam arcar com as consequências de suas próprias decisões permitam a transferência voluntária e prematura de conflitos de natureza política para o Poder Judiciário. Isso, segundo o presidente do STF, obriga os juízes a decidirem sobre temas que demandam debate em outras arenas.
“Essa prática tem exposto o Poder Judiciário, em especial o Supremo Tribunal Federal, a um protagonismo deletério, que corrói a credibilidade dos tribunais quando decidem questões permeadas por desacordos morais que deveriam ter sido decididas no Parlamento”, destacou.
Ele considera que essa prática de delegar a solução de conflitos ao Judiciário gera uma disfuncionalidade, pois o Supremo não detém o monopólio das respostas nem é o canal legítimo para resolver todos os dilemas morais, políticos e econômicos de uma nação. Para o ministro, a intervenção judicial em temas sensíveis deve ser minimalista, respeitando os limites de capacidade institucional dos juízes, e sempre com uma perspectiva contextualista, consequencialista e pragmática.
“Tanto quanto possível, os Poderes Legislativo e Executivo devem resolver internamente seus próprios conflitos e arcar com as consequências políticas de suas próprias decisões”, afirmou.
Redução de ações
Fux afirmou que vai reforçar o gerenciamento dos precedentes do Supremo e o monitoramento de sua correta aplicação pelas demais instâncias do Judiciário, para reduzir o número de ações que chegam desnecessariamente ao Tribunal.
Para ele, essa mudança é necessária para reposicionar cada vez mais o STF como uma corte eminentemente constitucional, pois não há justificativa para que o Supremo seja a corte constitucional que mais julga processos em todo o mundo (em 2019, foram 115.603 processos, contra 70 casos julgados pela Suprema Corte dos Estados Unidos). “Julgar muito não significa necessariamente julgar bem”, apontou.
Fux defende independência do Judiciário
De acordo com presidente do STF, embora o Judiciário deva ter deferência ao espaço legítimo de atuação da política, não é possível abrir mão da independência judicial atuante por um ambiente político “probo, íntegro e respeitado”. Ele observou que, de forma harmônica e com um diálogo permanente com os demais Poderes, o Judiciário não hesitará em proferir decisões exemplares para a proteção das minorias, da liberdade de expressão e de imprensa e para a preservação da democracia e do sistema republicano de governo.
Combate à corrupção
O ministro assinalou, ainda, que não medirá esforços para o fortalecimento do combate à corrupção, “que ainda circula de forma sombria em ambientes pouco republicanos em nosso país”.
Citando o mito da caverna, de Platão, ele afirmou que a sociedade brasileira não aceita mais o retrocesso à escuridão e que, nessa perspectiva, não será admitido qualquer recuo no enfrentamento da criminalidade organizada, da lavagem de dinheiro e da corrupção.
“Aqueles que apostam na desonestidade como meio de vida não encontrarão em mim qualquer condescendência, tolerância ou mesmo uma criativa exegese do Direito”, ressaltou.
“Não permitiremos que se obstruam os avanços que a sociedade brasileira conquistou nos últimos anos, em razão das exitosas operações de combate à corrupção autorizadas pelo Poder Judiciário brasileiro, como ocorreu no Mensalão e tem ocorrido com a Lava-Jato”.
Consenso
O presidente considera que, numa sociedade democrática, o direito à discordância deve ser reconhecido como requisito essencial para o aprimoramento do ser humano e das instituições, pois, através da troca de ideias entre os diferentes, é possível construir soluções mais justas para os problemas coletivos.
Ele destacou que as discussões e as soluções para o país devem emergir da Constituição, sempre em respeito aos direitos fundamentais e à cidadania.
“Por isso mesmo, democracia não é silêncio, mas voz ativa; não é concordância forjada seguida de aplausos imerecidos, mas debate construtivo e com honestidade de propósitos”.
Observatório de Direitos Humanos
O ministro afirmou que criará, no CNJ, o “Observatório de Direitos Humanos”, com a participação de lideranças nacionais, para funcionar como canal permanente de diálogo entre o Judiciário e a sociedade civil, que poderá propor iniciativas a serem adotadas por toda a Justiça brasileira em matéria de direitos humanos.
Ainda no âmbito do CNJ, promoverá a criação de juízos 100% digitais, em que todos os atos processuais serão realizados de forma eletrônica e remota e com juízes acessíveis a todos os jurisdicionados, sem a necessidade de estrutura física para o seu suporte.
Fux faz tributo às vítimas
Como primeiro gesto simbólico de sua gestão, o ministro Fux prestou um tributo às mais de 129 mil vítimas fatais do coronavírus em nosso país e aos seus familiares. Ele lembrou que, nesses últimos meses, os cidadãos e as instituições demonstraram admirável capacidade de resiliência e de superação no enfrentamento à pandemia da Covid-19.
“Essa página crítica e devastadora de nossa história, que ainda estamos a virar, torna imperativa uma reflexão sobre nossas vidas, nossos rumos e nossos laços de identidade nacional. Nenhum nome será esquecido. Pela memória e pela dignidade dos brasileiros que se foram, não desperdiçaremos a oportunidade de nos tornarmos pessoas mais nobres e solidárias e uma nação melhor para as presentes e futuras gerações”, afirmou.
De acordo com o ministro, a pandemia provocou um processo de reação e de reconstrução nacional, e a Constituição sairá mais fortalecida dessa crise.
“Mesmo no auge da ansiedade coletiva causada pela pandemia, ninguém – ninguém – ousou questionar a legitimidade e a autoridade das respostas da Suprema Corte, com fundamento na Constituição, para as nossas incertezas momentâneas”, assinalou.