Após analisar medidas publicadas no Diário Oficial da União (DOU), cientistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) encontraram 57 dispositivos legais que apontam desregulação e flexibilização das regras de preservação ambiental no Brasil. Em sua maioria, essas medidas foram tomadas após reunião em que o Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmou que o governo deveria aproveitar a “distração” causada pela pandemia da Covid-19 para “passar a boiada” em propostas para a área ambiental.
Leia também: Meio Ambiente terá o menor orçamento dos últimos 21 anos
As ecólogas Marina Vale e Rita Portela, responsáveis pelo estudo, utilizaram dados levantados pelos robôs do projeto de transparência pública “Política por Inteiro”. O foco foram os atos que não dependiam de aval do Legislativo, chamados “infralegais”. Não apenas originárias da pasta de Meio Ambiente, as medidas de alto pacto ambiental foram tomadas por diversos Ministérios.
A “boiada” de Salles
Um dos movimentos mais realizados pelo governo de Jair Bolsonaro (sem partido), a liberação de pesticidas, também esteve presente entre as ações realizadas no segundo semestre de 2020, em claro atentado contra os direitos ambientais. Apenas em agosto, 47 destas substâncias foram reclassificadas de mais, para menos danosas, sem qualquer respaldo científico que justificasse a mudança.
Outros pontos preocupantes são dados referentes à desmatamento e à aplicação de multas ambientais para indivíduos e empresas que infrinjam as normas.
“Encontramos uma redução de 72% nas multas ambientais durante a pandemia, apesar de um aumento no desmatamento da Amazônia durante o período”, cita uma parte do documento.
De acordo com o comparativo apresentado, em agosto de 2019, o índice de área de floresta derrubada atingiu o patamar de 120km² por mês. Nos dois meses seguintes, a média de multas aplicadas por este crime foi de 50 a 60/mês. Já em agosto de 2020, quando os índices apontavam 100km² desmatados mensalmente, menos de 10 penalidades foram computadas.
A liberação da atividade de mineração em áreas que ainda não haviam recebido autorização final também chamou à atenção das pesquisadoras. A medida tomada em junho abre precedente para que outros locais não autorizados sejam explorados, além de colocar em risco locais onde a atividade exploratória não deveria ser permitida.
Qualificação técnica
Os órgãos de acompanhamento, preservação e pesquisas ligados ao tema também foram atingidos. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) passaram por mudanças duvidosas no período.
Leia também: TCU indica nomeações irregulares de militares no Ibama na gestão de Salles
Éricka Berenguer, pesquisadora da Universidade de Oxford que participou do estudo, informou, em entrevista ao jornal O Globo, que técnicos com comprovados conhecimentos e formação na área foram substituídos por pessoal não qualificado.
“Houve substituição de staff técnico em posições de chefia por staff não técnico, que foi marcada pela retirada de servidores com anos de experiência dentro das autarquias ambientais para serem substituídos, por exemplo, por policiais militares de carreira”, lamentou.
O estudo completo pode ser acessado (em inglês) no site da revista científica Science Direct.