Dando continuidade à passagem da “boiada” da devastação no país, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) revogou, nesta segunda-feira (28), quatro normas de preservação ambiental.
Esvaziado pelo ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, o órgão consultivo e deliberativo passou a ser majoritariamente comandado por representantes e aliados do governo, que não encontrou dificuldades em alcançar maioria entre os 23 conselheiros votantes, apesar das críticas do Ministério Público Federal (MPF) e de entidades de proteção ambiental ao movimento.
Ambientalistas, parlamentares e a Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa) chegaram a pedir que os todos itens fossem retirados da pauta da reunião do Conselho. Também houve ainda tentativa de cancelar a reunião, por meio de ação judicial. Todas as tentativas fracassaram.
“Boiada” de Salles
A revogação das resoluções 302 e 303, ambas de 2002, eliminou os instrumentos de proteção de de áreas de vegetação nativa que se estendem por cerca de 1,6 milhão de hectares de mangues, restingas, mananciais urbanos e outros reservatórios de água. Com a decisão, o Conama pôs fim à obrigatoriedade de reservar uma faixa mínima de 300 metros na vegetação comumente encontrada sobre áreas de dunas, em praias do Nordeste.
Essas são áreas de proteção permanente (APPs). A revogação das regras abre espaço para especulação imobiliária e ocupação de áreas de mangues para produção de camarão. Sem essa preservação, há a possibilidade, por exemplo, de hotéis de luxo se instalarem em áreas de mangues, por toda a região litorânea.
O argumento do governo é que essas resoluções foram abarcadas por leis que vieram depois, como o Código Florestal. Elas foram anuladas por 17 votos a dois e 12 votos a sete, respectivamente.
Especialistas em meio ambiente apontam, porém, que as resoluções ainda são aplicadas, porque são os únicos instrumentos legais que protegem, efetivamente, essas áreas. No mês passado, por exemplo, em São Paulo, a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) perdeu uma ação na Justiça e foi obrigada, por meio de sentença, a respeitar as delimitações previstas na resolução de 2002, “para evitar a ocorrência de dano irreparável à coletividade e ao meio ambiente”.
A terceira regra, também anulada nesta segunda, é a resolução 284, de 2001. Sem ela, não haverá critérios de regras federais para licenciamento ambiental de empreendimentos de irrigação. No entendimento dos ambientalistas, a revogação tem o objetivo de acabar com exigências legais a pedido de parte do agronegócio.
A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), membro do Conama, argumentou que a resolução conflitava com outras que já estão em vigor. O Ministério da Agricultura declarou que irrigação não é “atividade”, mas sim um acessório da agricultura. “Não vemos impacto positivo nessa resolução no meio ambiente”, declarou o ministério, que é um dos membros do conselho.
Mais acalorada, esta anulação foi definida por 13 votos a seis, prevalecendo a posição favorável do governo, que tem sete votos no Conama. Ministérios com poder de voto no Conama, Casa Civil, Secretaria de Governo, Infraestrutura, Minas e Energia, Agricultura, Desenvolvimento Regional e Economia também se uniram para impedir pedido de vistas da questão, feito por uma associação ambiental.
Por fim, o Conama ainda revogou uma norma de 1999, que proibia a queima de resíduos de agrotóxicos – como materiais de embalagem – em fornos usados para a produção de cimento. Isso porque a queima, além de liberar substâncias tóxicas na atmosfera, pode contaminar produtos de cimento produzidos mais tarde nesses fornos.
A regra seguia uma recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) de que lixos tóxicos sejam incinerados apenas em ambientes controlados, pois podem causar danos à saúde humana.
Resultados expõem ocupação do governo
O resultado expõe, claramente, a forma como o governo passou a controlar um órgão que, por missão e histórico, sempre teve composição técnica e independente. Desde julho do ano passado, o Conama, que define normas e regras ambientais, foi completamente desidratado em relação à sua estrutura anterior, por determinação de Salles.
O ministro concentrou nas mãos do governo federal e de representantes do setor produtivo a maioria dos votos. Estados e entidades civis perderam representação. O Conama teve seus membros reduzidos de 96 para 23 representantes.
Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), afirma que, pela estrutura atual, o governo federal passou a ter 43% de poder de voto dentro da composição do conselho, além de outros 8% de poder de voto do setor empresarial.
Os demais votos estão diluídos entre membros dos Estados, municípios e sociedade civil. Se antes estes somavam 60% de poder de voto, passaram a ter 49% na nova composição. A estrutura anterior do órgão tinha o objetivo de dar maior representatividade a vários segmentos da sociedade. Uma parte dos integrantes da sociedade era escolhida por indicação e outra, por eleição.
Desde o ano passado, porém, essa escolha passou a ser feita por sorteio. Instituições que representam a sociedade civil, incluindo associações ambientais, de trabalhadores rurais e povos indígenas, viram suas posições caírem de 23 para apenas quatro posições. Duas dessas cadeiras, inclusive, estão vagas, porque dois membros – Associação Rare do Brasil e Comissão Ilha Ativa – deixaram o conselho e não foram substituídas.
As votações, portanto, ocorreram sem contabilizar o voto de outros dois membros. Os Estados também perderam representação. Se antes havia uma cadeira para cada um dos 26 Estados e o Distrito Federal, agora são 5 cadeiras representadas por um Estado de cada região geográfica do país.
‘Conama está morto’
Os municípios, que tinham oito representantes, agora têm dois. O Ministério Público Federal é membro do conselho e, regularmente, crítico de flexibilizações ambientais, mas é o único sem direito a voto nas deliberações.
“Com a conformação do Conama que foi instalada pelo governo Bolsonaro, o governo obteve pleno controle para passar boiadas, reduzir o rigor da legislação ambiental por meio de resoluções do conselho. O Conama, órgão com quatro décadas de importantes contribuições para a política ambiental, na prática está morto”, disse a ex-presidente do Ibama Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima.
“Independentemente do governo de plantão, o Conselho sempre foi uma arena de debates técnicos, com ampla divulgação dos temas em debate. Foi uma tristeza enorme acompanhar hoje a 135ª reunião. O resultado final pode ser resumido em uma palavra: retrocesso.”
Judicialização
A representante do MPF no Conselho, Fátima Aparecida Borghi, argumentou durante a reunião que a decisão de revogar as resoluções é ilegal e inconstitucional, uma vez que não caberia ao Executivo e sim ao Judiciário examinar a validade de um texto legal em vigor. Segundo a procuradora, o órgão tomará as medidas cabíveis à decisão.
Com informações do UOL, Deutsche Welle Brasil e Congresso em Foco