Países da Europa vêm sofrendo com altos picos de calor no verão deste ano. O Reino Unido, por exemplo, vem atingindo as temperaturas mais altas de sua história, mais de três graus acima do recorde histórico, de 2019, segundo o instituto nacional de meteorologia do país, o Met Office.
Dados ainda não confirmados indicam que a noite da segunda (18) para terça-feira (19) foi a mais quente já registrada no Reino Unido. As mínimas registradas foram de 25°C, superando o recorde anterior de 23,9°C, registrado em agosto de 1990.
Na segunda-feira (18), a temperatura mais alta no Reino Unido foi registrada em Suffolk, na Inglaterra: 38,1°C. O número ficou pouco abaixo do recorde do Reino Unido de 38,7°C, estabelecido em 2019. Grande parte da Inglaterra está no alerta máximo para o calor.
Na França, também foi emitido um alerta de calor extremo. O norte da Espanha registrou temperaturas de 43°C na segunda-feira. Incêndios florestais provocaram mortes na França, Portugal, Espanha e Grécia, e forçaram milhares de pessoas a deixar suas casas.
Duas pessoas morreram em incêndios florestais na região noroeste de Zamora, na Espanha, e os trens na área foram interrompidos por causa de fogo perto dos trilhos. Um casal de idosos morreu ao tentar escapar de incêndios no norte de Portugal.
Aquecimento global
A maioria dos cientistas que trabalha com clima afirma que o calor está tão extremo na Europa por causa do aquecimento global. O Met Office estima que a probabilidade de haver calor extremo na Europa aumentou em dez vezes por causa das mudanças climáticas. As temperaturas médias mundiais aumentaram um pouco mais de 1°C além dos níveis pré-industrialização, no século 19.
Um grau pode não parecer muita coisa. Mas este é o período mais quente da história dos últimos 125 mil anos, de acordo com o órgão de ciência climática da ONU, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).
Já se sabe o que está por trás disso — as emissões de gases de efeito estufa causadas pela queima de combustíveis fósseis como carvão, petróleo e gás, que retêm o calor em nossa atmosfera. Eles contribuem para aumentar a concentração de dióxido de carbono para os níveis mais altos em 2 milhões de anos, de acordo com o IPCC.
O que vai acontecer com o clima?
A meta estabelecida pela ONU é limitar o aumento da temperatura global a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. Isso poderia evitar os impactos mais perigosos das mudanças climáticas. Para fazer isso, as emissões precisam atingir o seu pico até 2025 — ou seja, em apenas dois anos e meio.
As emissões de CO2 das matrizes de energia aumentaram 6% em 2021, atingindo 36,3 bilhões de toneladas, o nível mais alto de todos os tempos, estima a Agência Internacional de Energia. As emissões precisariam cair em, no mínimo, 43% até o final desta década, de acordo com o IPCC.
O mundo teria de reduzir as emissões líquidas anuais a zero até 2050. Isso significa cortar os gases de efeito estufa o máximo possível e ainda encontrar maneiras de extrair CO2 da atmosfera. É um enorme desafio — muitos acreditam ser o maior que a humanidade já enfrentou.
No ano passado, líderes mundiais fizeram promessas na COP 26, uma grande conferência da ONU na Escócia. Se todas as promessas dos governos fossem realmente implementadas, ainda assim as temperaturas subiriam cerca de 2,4°C em relação aos níveis pré-industriais até o final do século. Mas mesmo que consigamos reduzir as emissões para essa meta ambiciosa de 1,5°C, os verões do Reino Unido continuarão a ficar mais quentes.
Leia também: ONU: Mundo diminuiu a chance de limitar aquecimento global
“Em algumas décadas, este verão [de 2022] pode vir a ser considerado frio”, diz a climatologista Friederike Otto, professora da Universidade Imperial College London, na Inglaterra.
Para o professor Nigel Arnell, cientista climático da Universidade de Reading, também na Inglaterra, devemos esperar ondas de calor cada vez mais longas no futuro.
O que países como o Reino Unido, que enfrentam temperaturas recordes, estão fazendo? Muito pouco, segundo o Comitê de Mudanças Climáticas (CCC), que assessora o governo sobre mudanças climáticas. Um relatório do CCC sobre as ações do Reino Unido alerta que as políticas atuais do governo dificilmente darão resultado. Segundo o texto, o governo estabeleceu muitas metas e implementou muitas políticas, mas alerta que há “poucas evidências” de que as metas serão cumpridas.
E o país não estaria fazendo o suficiente para se preparar para as ondas de calor mais frequentes e intensas no futuro. Ondas de calor causaram mais 2 mil mortes em 2020, de acordo com a Agência de Segurança da Saúde do Reino Unido.
Brasil também deve se preocupar com ondas de calor
A onda de calor que atinge a Europa Ocidental tem impressionado pelos contínuos distúrbios na vida cotidiana: impacto sobre corpo e saúde das pessoas, alta demanda por água e energia para resfriar ambientes numa época em que esses recursos estão pressionados, além de incêndios de difícil controle em florestas — um fenômeno agora presenciado em áreas urbanas.
“Evidentemente é um equívoco achar que essa onda de calor é um processo local da Europa. Nós temos tido eventos de calor extremo acontecendo em todos os locais do mundo, especialmente durante os períodos de verão dos respectivos hemisférios”, diz o cientista do clima e professor da Universidade Estadual do Ceará (UECE) Alexandre Costa.
No ano passado, situações incomuns que aconteceram no Brasil foram relacionadas à mudança climática por especialistas: uma tempestade de areia no interior paulista, a maior enchente já registrada no rio Negro (AM) e capitais sob céu escuro em plena tarde por causa da fumaça de um incêndio na Amazônia.
Um relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) aponta que o semiárido brasileiro, que engloba boa parte do Nordeste e o norte de Minas Gerais, já enfrenta secas mais intensas e temperaturas mais altas, o que está acelerando o processo de desertificação.
Alexandre Costa afirma que a recente tragédia das chuvas em Pernambuco, que deixou quase 130 mortos entre o final de maio e o começo de junho, têm fortes evidências de relação com as mudanças climáticas.
“O aquecimento global não apenas facilita a ocorrência de ondas de calor, mas também de secas, incêndios florestais e grandes enchentes porque a gente passa a ter uma atmosfera mais aquecida e portanto com mais capacidade de armazenar vapor d’água e, assim, com mais capacidade de produzir extremos de precipitação.”
Francisco Eliseu Aquino, climatologista do Departamento de Geografia e Centro Polar e Climático da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), diz que, no hemisfério sul, as ondas de calor das últimas duas décadas estão mais frequentes e duram mais dias.
“É por isso que no verão passado nós tivemos com recorde de temperatura no Paraguai, na Argentina, no Uruguai, no Rio Grande do Sul e, considerando que 2022 será o sexto ano mais quente desse século, essa sequência de anos quentes em ascensão permite mais ondas de calor. Um planeta mais quente gera perturbação, mudança na densidade da atmosfera.”
O IPCC divulgou em abril um relatório apontando que essa elevação apontada pelos termômetros fará com que o planeta seja atingido por “ondas de calor sem precedentes, tempestades aterrorizantes e escassez generalizada de água”. Para evitar que isso aconteça, o mundo deve limitar a alta global para um patamar abaixo de 1,5°C neste século, dizem os pesquisadores.
Segundo Aquino, caso se mantenha a atual taxa de emissão de gases de efeito estufa e de desmatamento junto a acordos ambientais globais que não enfrentam de forma efetiva a crise climática, esses cenários devem se intensificar ainda mais.
Alexandre Costa afirma que a primeira parte do sexto volume do relatório do IPCC, divulgada no ano passado, já destacava a mudança na frequência e intensidade de eventos extremos.
Uma onda de calor que tipicamente acontecia a cada 10 anos está praticamente três vezes mais frequente. E outras ainda mais intensas (embora raras, que ocorriam a cada 50 anos) estariam agora cinco vezes mais comuns do que no período pré-industrial.
“O processo é muito claro: a probabilidade de ocorrência de ondas de calor extremas cresce a medida que a temperatura aumenta”. Os próximos anos são críticos, segundo o relatório do IPCC, porque se as emissões não forem reduzidas até 2030, será praticamente impossível limitar o aquecimento global no final deste século.
Com informações da BBC News Brasil