Os recentes casos de violação dos direitos das mulheres, como a exposição midiática da atriz Klara Castanho e a obstrução jurídica no caso da menina de 11 anos, escancarou a hipocrisia de líderes e políticos conservadores em relação ao direito ao aborto. Enquanto a ala direitista defendeu o discurso antivacina durante o auge da pandemia da Covid-19 — que ceifou mais de 671 mil vidas no Brasil e 6,33 milhões no mundo —, agora utiliza argumentos pró-vida, e até apela para a moral religiosa, para a defesa de políticas que criminalizam o aborto.
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A indignação nas redes sociais foi homérica, mas pelos motivos errados. Enquanto conservadores “batiam o martelo” sobre a decisão de uma criança violentada ou criticavam a escolha de Klara, pouco se foi levantado sobre o enrijecimento de penalidades aos responsáveis pelos estupros.
Os dedos para as vítimas estavam apontados. Para os violentadores, o conforto e tranquilidade do anonimato e da vista grossa do poder público. O próprio presidente Jair Bolsonaro (PL) veio à tona para defender o prosseguimento da gestação, mas não soltou um “pio” sequer sobre reforço nas políticas públicas de amparo às pessoas vítimas de estupro.
E mais: o mesmo homem que reside no Planalto que se diz à favor das vidas, deixa farmácias e hospitais em escassez de diversos medicamentos em todo o Brasil. O Conselho Federal de Farmácias listou mais de 40 medicamentos em falta na última segunda-feira (27).
Entre eles, dipironas, paracetamol bebê e amoxicilina com clavulanato. Segundo a Confederação Nacional da Saúde, o estoque de soros hospitalares só é suficiente para mais 15 dias.
A ala bolsonarista do governo, que se movimentou para defender o nascimento de um feto, foi a mesma que utilizou do verbete “bandido bom é bandido morto” para ampliar em 474% os registros de armas de fogo nas mãos de civis. Ainda segundo levantamento do Anuário de Segurança Pública, há mais armas de fogo nas mãos de civis do que em estoques institucionais de órgãos públicos, como das polícias civis, federal, rodoviária federal e guardas municipais.
Isso tudo no cenário em que o Brasil concentra mais de 20,4% de todos os homicídios no mundo inteiro. A taxa nacional é de 22,3 mortes violentas intencionais por 100 mil habitantes.
Agora, o Ministério da Saúde realiza audiência pública para discutir o teor de uma cartilha publicada pela Secretaria de Atenção Primária à Saúde com orientações sobre o procedimento do aborto. O documento, de 7 de junho, afirma que “todo aborto é um crime” e provocou reação de grupos de pesquisa e entidades de defesa da mulher. Ou seja, enquanto a legislação pró-aborto não avança há 10 anos, a gestão bolsonarista quer propor novas barreiras no acesso ao aborto legal.
Caro Ministério da Saúde,
— Atila Iamarino *ainda de licença paternidade (@oatila) June 28, 2022
Proteger a vida das crianças é proteger a vida das crianças nascidas com vacinas e com acesso à saúde. E não mentir (ou “se equivocar”) em cartilha sobre aborto.
“o estoque de soros hospitalares só é suficiente para mais 15 dias” https://t.co/t47cVj1tvr
A hipocrisia é cara do governo Bolsonaro: “enche o peito” para se dizer defensor de vidas, mas é omisso nas políticas públicas, faz vista grossa diante do crescimento assustador de brasileiros em situação de insegurança alimentar e até afrouxa o liberamento de ferramentas para matar.