por Fernando Alcoforado* em 09/07/2018
Pode-se afirmar que Getúlio Vargas foi responsável pelo desencadeamento da Revolução Industrial no Brasil que ocorreu de 1930 a 1956 com um atraso de mais de 200 anos em relação à 1ª Revolução Industrial ocorrida na Inglaterra. A Primeira Guerra Mundial funcionou como fator de impulso da industrialização no Brasil porque as relações tradicionais de troca (exportação de produtos primários e importação de produtos elaborados) ficaram prejudicadas pelo conflito mundial e porque provocou, também, a suspensão da entrada de capitais estrangeiros. Até 1930, era insignificante a participação da indústria na economia brasileira. A economia do país continuava extremamente dependente do setor agroexportador, especialmente do café, que respondia por aproximadamente 70% das exportações brasileiras.
As forças políticas que assumiram o poder no Brasil em 1930 sob a liderança de Getúlio Vargas apoiaram e implementaram um projeto de industrialização com o objetivo de retirá-lo do atraso econômico e impulsioná-lo rumo ao progresso com a implantação de um parque industrial próprio, nos moldes das nações europeias desenvolvidas e dos Estados Unidos. Foi a primeira vez na história do Brasil que um governo fez semelhante opção. Vargas investiu fortemente na criação da infraestrutura industrial com a indústria de base e energia. Foi criado o Conselho Nacional de Petróleo em 1938, a Companhia Siderúrgica Nacional em 1941, a Companhia Vale do Rio Doce em 1943 e a Companhia Hidrelétrica do São Francisco em 1945.
A industrialização no Brasil se desenvolveu através do processo de substituição de importações, isto é, produzindo no país o que antes era importado do exterior. Na primeira fase da industrialização de 1930 a 1940, a ênfase foi na produção de bens de consumo imediato (bens não duráveis). Assim, germinaram o artesanato, pequenas fábricas e indústrias de médio porte em todos os pontos habitados do país, onde havia razoável demanda dos consumidores, com maior ênfase nos centros mais populosos e onde era maior a presença de imigrantes europeus, que tinham algum conhecimento desse tipo de atividade econômica. Os principais ramos da indústria brasileira eram os de alimentação, vestuário (tecidos, calçados, chapéus, etc.), utensílios domésticos, instrumentos de trabalho, equipamentos simples, bens de uso caseiro, bebidas, etc. A dianteira do processo de industrialização foi assumida por São Paulo e pelo Rio de Janeiro.
- Impactos da tecnologia na Era Vargas
O governo Getúlio Vargas fomentou o desenvolvimento industrial e a proteção à indústria nascente. Em termos políticos, cooptou a burguesia urbana e promoveu a incorporação do proletariado à sociedade moderna. A proposta do governo Vargas era de promover o desenvolvimento tecnológico para a indústria e a formação do trabalhador ideal nos moldes da nova subordinação do trabalho ao capital. Os investimentos em Ciência e Tecnologia (C&T) são arcados, majoritariamente, pelo setor público que evita a política nefasta dos governos anteriores de redução dos recursos em P&D, promove a inovação e incorpora novas tecnologias para evitar o atraso em relação ao progresso técnico existente na economia mundial.
O avanço da industrialização brasileira na década de 1930 foi um elemento dinamizador do desenvolvimento da ciência e da tecnologia no Brasil. O período do primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-1945) pode ser considerado como o momento chave no processo de modernização econômica do Brasil. A superação da defasagem industrial do Brasil em relação aos países capitalistas desenvolvidos ocorreu exatamente neste período. É oportuno lembrar que a 1ª Revolução Industrial ocorreu na Inglaterra, no século XVIII (1780-1830) e que a 2ª Revolução Industrial ocorreu no período de 1860 a 1900.
O sistema de técnica e de trabalho da 2ª Revolução Industrial é o fordista, termo que se refere ao empresário Henry Ford, criador da linha de montagem na sua indústria automobilística em Detroit, Estados Unidos, sistema que se tornou o paradigma de regulação técnica e do trabalho conhecido em todo o mundo industrial. A tecnologia característica desse período é o aço, a metalurgia, a eletricidade, a eletromecânica, o petróleo, o motor a explosão e a petroquímica. A eletricidade e o petróleo são as principais formas de energia.
A união entre a ciência e a indústria constituiu um sistema integrado de produção científica nos países capitalistas desenvolvidos desde o final do século XIX abrangendo o sistema industrial empenhado na produção de inovações técnicas e as universidades e institutos de pesquisa, fato este que tornou a ciência e a tecnologia indissociáveis e reciprocamente estimulantes de novos desenvolvimentos. No Brasil, a estratégia de intervenção do Estado na economia teve seu marco histórico no primeiro governo do presidente Getúlio Vargas (1930-1945). O Estado brasileiro, dentro dos parâmetros políticos da época (início da década de 1930), reconheceu a importância da C&T para o desenvolvimento econômico do país, isto é, do conhecimento tecnológico para a indústria. E é neste lastro histórico que se situa a gênese das políticas de C&T no Brasil.
O governo Getúlio Vargas promoveu a criação de conselhos científicos, conselhos técnicos com a participação de empresários, institutos de pesquisa aplicada e agiu, sobretudo, na capacitação do trabalhador nacional para atender a nova indústria emergente no país. O efeito prático da qualificação do trabalhador era desejado no contexto dos novos processos econômicos mundiais e, internamente, no momento em que se consolidava uma sociedade urbana e burguesa no Brasil. Se a modernização do país passava pela urbanização e industrialização compreendidas como processos integrados e interdependentes do desenvolvimento científico e tecnológico, a regulamentação do trabalho foi uma proposta absolutamente nova no quadro político-social brasileiro, até então marcado pela representação da oligarquia rural, pelo clientelismo e ainda pela falta de uma legislação trabalhista.
O modelo de desenvolvimento do segundo governo Getúlio Vargas de 1951 a 1954 continuou a se caracterizar pelo desenvolvimento industrial, nacionalismo e dirigismo estatal. Nesse período processou-se a reestruturação do Estado brasileiro, com a criação de novas agências voltadas para a formulação de políticas econômicas, como a Assessoria Econômica da Presidência da República e a Comissão de Desenvolvimento Industrial (CDI). A política econômica do governo Vargas envolvia um Plano de Reaparelhamento Econômico e um programa industrial com a formulação de várias políticas setoriais. No campo da infraestrutura foram criados o Fundo Rodoviário Nacional e o Plano Nacional do Carvão. Formulou-se também uma política de aparelhamento de portos e ferrovias, criou-se o Fundo Nacional de Eletrificação e propôs-se a criação da Eletrobrás, que só seria aprovada em 1961. Os pontos altos foram a criação da Petrobras e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE).
- Impactos da tecnologia na Era Contemporânea
Após a 1ª Revolução Industrial que ocorreu na Inglaterra, no século XVIII (1780-1830) e a 2ª Revolução que ocorreu no período de 1860 a 1900 na Inglaterra, Alemanha, França, Rússia, Itália e nos Estados Unidos, o mundo conheceu a 3ª Revolução Industrial na década de 1970 do século XX, tendo por base a revolução técnico-científica inspirada no Sistema Toyota de produção do Japão que foi o principal modelo da reestruturação produtiva que substituiu o sistema fordista inaugurado no início do século XX e tem como principal característica e objetivo a produção somente do necessário e no menor tempo. É o just-in-time.
Hoje, o mundo vivencia a Revolução Informacional ou Pós-Industrial que é denominada por alguns, também, como 4ª Revolução Industrial, Revolução 4.0 e Revolução Digital. Essa revolução amplia exponencialmente as diferenças na capacidade de tratar informações e transformá-las em conhecimento. Especialistas acreditam que a inteligência das máquinas (computadores) se equiparará à de humanos até 2050, graças a uma nova era na sua capacidade de aprendizado. Computadores já estão começando a assimilar informações a partir de dados coletados. Isso significa que estamos criando máquinas que podem ensinar a si mesmas e também a se comunicar simulando a fala humana, como acontece com os smartphones e seus sistemas de assistentes virtuais. A imediata consequência do progresso da inteligência artificial é o avanço do desemprego.
Em 2013, pesquisadores da Oxford University publicaram um estudo detalhado do impacto da computação sobre o emprego nos Estados Unidos considerando os avanços recentes em aprendizado de máquinas (machine learning) e robôs móveis. Os pesquisadores concluíram que somente um terço dos atuais trabalhadores estão salvos de substituição por máquinas inteligentes nas próximas décadas. Diante da perspectiva de substituição dos trabalhadores por máquinas, as soluções que se apresentam para mitigar os efeitos do desemprego gerado pelo avanço tecnológico nos marcos atuais de desenvolvimento do capitalismo dizem respeito à adoção da Economia Criativa, da Economia Social e Solidária e do Programa de Transferência de Renda. Estas seriam as soluções a serem utilizadas enquanto existir o capitalismo para atenuar os problemas sociais gerados pela tecnologia até que seja implantada uma nova sociedade pós-capitalista em que seja eliminada a contradição entre a tecnologia e os trabalhadores.
O termo “Economia Criativa” se refere a atividades com potencial socioeconômico que lidam com criatividade, conhecimento e informação. Para entendê-la, é preciso ter em mente que empresas deste segmento combinam a criação, produção e a comercialização de bens criativos de natureza cultural e de inovação como Moda, Arte, Mídia Digital, Publicidade, Jornalismo, Fotografia e Arquitetura. A Economia Social e Solidária é um novo modelo de desenvolvimento econômico, social, político e ambiental que tem uma forma diferente de gerar trabalho e renda, em diversos setores, seja nos bancos comunitários, nas cooperativas de crédito, nas cooperativas da agricultura familiar, na questão do comércio justo, nos clubes de troca, etc. Com base na Economia Social e Solidária, existe a possibilidade de recuperar empresas de massa falida, e dar continuidade às mesmas, com um novo modo de produção, em que a maximização do lucro deixa de ser o principal objetivo, dando lugar à maximização da quantidade e da qualidade do trabalho.
A política de garantia de renda para os trabalhadores proposta por Friedrich August von Hayek, economista e filósofo austríaco, inspirou o programa neoliberal de transferência de renda dos governos Lula e Dilma Rousseff no Brasil, o Bolsa Família. Além da necessidade de prover uma segurança básica líquida, há um poderoso argumento para a adoção da política de garantia de renda porque o avanço tecnológico, além de promover o desemprego em massa e vertiginosa desigualdade social, ameaça o próprio capitalismo com a perspectiva de queda vertiginosa do consumo. A política de garantia de renda proporcionaria as condições para os trabalhadores desempregados consumirem.
- Conclusão
Da mesma forma que, em 1930, quando o Brasil teve de enfrentar o desafio de superar a defasagem tecnológica para se industrializar, o desafio é maior ainda na atualidade com a necessidade de sustar o processo de desindustrialização em curso do País e se atualizar tecnologicamente acompanhando o gigantesco avanço tecnológico que ocorre no mundo. O Brasil precisa incorporar a seus sistemas produtivos os avanços tecnológicos resultantes da 3ª Revolução Industrial e da 4ª Revolução Industrial ou Revolução Informacional ou Pós-Industrial. Para tanto, urge a adoção de uma política industrial e de desenvolvimento científico e tecnológico que contribua para alavancar o setor industrial que só poderá ocorrer com a substituição do modelo econômico neoliberal responsável pelo desastre econômico em que vive o Brasil pelo modelo nacional desenvolvimentista similar ao adotado pelo governo Getúlio Vargas fortemente apoiado no mercado interno e no desenvolvimento da indústria nacional.