Os bancos privados com presença no Brasil estão ampliando e consolidando as ferramentas de influência e domínio sobre a opinião pública através das grandes redações de jornalismo. Na próxima quarta (20) será lançado o mais novo produto de uma parceria “temerária” entre uma instituição financeira – o Itaú Unibanco – e um grande meio de comunicação – Editora Globo – destinado a impactar a fatia da classe média interessada em aprender sobre investimentos em geral: o site Inteligência Financeira.
O objetivo do novo site é produzir matérias “neutras” voltadas sobretudo para quem quer aplicar dinheiro e não sabe como começar. Falando ao Meio&Mensagem, Guilherme Bressane, diretor de Marketing do Itaú, informou que a marca do banco será ocultada no novo site, justamente para gerar na audiência a sensação de neutralidade, independência e credibilidade do conteúdo.
Enquanto o vínculo com o Itaú permanece nas sombras, o conselho editorial do IF será formado por representantes da editora e por executivos do banco. As matérias produzidas pela nova redação serão veiculadas também no G1, O Globo, Valor Econômico e GloboNews – e outros formatos para concorrer com vídeos e podcasts serão explorados.
Estrat´égia de mercado
A estratégia do Itaú repete a dos concorrentes e mostra como o mercado de notícias no Brasil vem sendo penetrado pelos grandes bancos de maneira cada vez mais escancarada. Por outro lado, também explicita o desejo das instituições financeiras em disputar espaço nas redes sociais com outros sites e influenciadores que tratam da temática investimentos.
Foi neste contexto que o BTG Pactual comprou a revista Exame, a XP Investimentos adquiriu a Infomoney e o Nubank está por trás da Easynvest. O Banco Safra, frisa o Meio&Mensagem, produz conteúdo noticioso com redação própria.
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Para Eliara Santana, jornalista e doutora em Linguística, com ênfase em Análise de Discurso, a crescente parceria entre bancos privados e redações de jornalismos é “temerária”. Sobretudo quando uma das partes envolvidas no negócio é nada menos que um dos braços do maior grupo de comunicação do País.
Falta neutralidade
“É muito temerário que em um cenário de altíssima concentração dos meios haja a integração entre o sistema financeiro e o midiático. E isso não é posto de maneira clara para o público, sob o argumento tosco de manter a neutralidade. Não existe neutralidade já no ponto de partida: é o sistema financeiro fazendo conteúdo jornalístico econômico, em parceria com o maior grupo de comunicação do Brasil”, disse Eliara à reportagem do GGN.
“Se a prioridade é fazer conteúdo sobre investimentos para um público tão específico, qual o problema em ter a marca Itaú exposta?”, indagou a especialista. “Onde tem grande concentração e ausência absoluta de pluralidade, não pode um banco fazer conteúdo com cara jornalística e não dizer que foi o banco. Não é ético, não é correto”, avaliou.
Conflito de interesses
Para João Feres Jr, coordenador do Laboratório de Estudos da Mídia e Esfera Pública (LEMEP) da UERJ, entre outros projetos, a parceria Itaú-Globo expõe nítido “conflito de interesses”, com “um player do mercado produzindo conteúdo sob pretensão de ser neutro”, mas sem transparência sobre os interesses econômicos envolvidos.
“Falam muito em neutralidade e independência. Então falem que é [um site novo] bancado pelo Itaú, porque isso faz diferença para o leitor. Ainda mais considerando que o histórico da mídia brasileira é o contrário disso: os grandes jornais falam que são independentes e neutros, mas todos fazem política descaradamente”, disse Feres, lembrando que a XP Investimentos, por exemplo, atuou ativamente – e com espaço na grande mídia – pelo impeachment de Dilma Rousseff.
Jornalismo econômico é “pró-mercado”
Embora seja crítico da nova parceria, Feres salientou que não se trata de uma grande novidade nas relações entre mídia e bancos. Afinal, a cobertura política e econômica no País sempre teve um viés favorável ao mercado.
“O jornalismo econômico no Brasil é todo pró mercado financeiro. A cobertura, as colunas, os editoriais são todos ortodoxos. Isso é mais sobre a competição nas novas mídias. Essa febre de investimento financeiro para a classe média virou uma corrida pelo domínio dos meios de comunicação que vão influenciar a tomada de decisão das pessoas. A mídia tradicional continua no lugar dela, recauchutando essa ideologia ortodoxa. Talvez eles [os bancos] queiram usar isso para ser um player grande nessa corrida” pela influência, apontou.
“Apesar de eu não gostar, sob o ponto de vista da esfera pública, porque é péssimo a opinião pública ser influenciada por interesses econômicos, a realidade é que isso já está ocorrendo. É produto da corrida nas redes sociais – todo mundo quer ver quem vai pautar mais, produzir mais, influenciar mais – então as empresas privadas com grande poder econômico usam isso.”
Com informações do Jornal GGN