O dia 25 de julho, Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha e o Dia Nacional de Tereza de Benguela, é uma data de celebração, homenagem e exaltação às mulheres negras, mas também de combate ao racismo. Pensando no panorama no qual as mulheres negras vivem no Brasil e no mundo, pois os dados sobre violência e desigualdade demonstram a realidade que atinge massivamente a população negra, principalmente mulheres, incluídas as transsexuais, ainda é necessário lutar por melhorias para as mulheres negras – que são consideradas a base da pirâmide social – e para suas futuras gerações.
Recentemente uma menina de 4 anos foi hostilizada com ataques racistas nas redes sociais. Duda, que é Miss Minas Gerais Kids, teve uma comentário em uma publicação no seu perfil oficial no Instagram dizendo a pequena tem “cabelo feio, mas o rosto bonito”.
Em um outro comentário, uma pessoa compara o cabelo da menina com o cabelo de uma bruxa. “Isso não é cabelo de princesa, vamos ser honestos. Tá mais para bruxa.”
A mãe da miss, Adriana Barbosa Campos de Sousa, mostrou sua indignação e lamentou que o caso tenha acontecido com uma criança de apenas 4 anos. Ela afirmou que busca bloquear os autores desse tipo de comentário, mas que não faz Boletim de Ocorrência para não expor a pequena.
Ainda no mês de julho, considerado o “julho das pretas” por conta da comemoração do dia 25, outra menina foi alvo de racismo. Dessa vez, no Rio de Janeiro. Aluna do Centro Educacional Columbia 2000, em São João de Meriti, na Baixada Fluminense, Ana Victória, de 11 anos, contou que se sente isolada na escola e que sofre ataques de vários colegas por conta do seu cabelo.
“Eu fiquei muito triste porque ninguém queria mais falar comigo. Eu sentava no lanche sozinha. Isso me deixava muito triste”, contou Ana Victória.
No início de 2022, Ana venceu um concurso e virou modelo de trança afro. Ela estava orgulhosa e feliz com a conquista. O ano começava cheio de novidades. A menina estava chegando em uma escola nova, depois de fazer uma prova e ganhar uma bolsa de estudos para cursar o sexto ano. Contudo, o que era alegria virou sofrimento. Os colegas de classe falaram por mensagens instantâneas que não queriam mais serem amigos da menina “porque ela usa mega hair, ela é feia, tem nariz grande”.
Racismo na infância
A primeira infância é o período da vida do zero aos 6 anos de idade, no qual temos a nossa maior janela de aprendizagem. Os primeiros anos de vida são como construir a estrutura de uma casa, que será a base sobre a qual todo o resto se desenvolverá. O cuidado, afeto, nutrição, as interações com os adultos, as brincadeiras e incentivos nas fases iniciais da vida podem ajudar o cérebro a desenvolver o seu potencial máximo. Por outro lado, fatores de risco como a violência, desnutrição, negligência e falta de acesso à educação de qualidade têm o efeito inverso.
Crianças com auto estima elevada se arriscam mais. São cientistas, sonhadoras e aventureiras. Com isso, enfrentam desafios, aprendem a lidar com frustração e desenvolvem persistência. Essas são trajetórias necessárias para o desenvolvimento cerebral, cognitivo e social. Porém, em um cenário no qual o racismo é estrutural e a pobreza tem cor, estereótipos negativos são associados às pessoas negras e esse estigma afeta meninas negras desde cedo na construção da auto imagem.
Uma prática comum do racismo é sua forma velada, atos esse que impactam diretamente na forma como as crianças se percebem. Exemplos disso são associar beleza a pessoas brancas e a feiura a pessoas negras; pentear cabelos lisos enquanto os elogia e, por sua vez, reclamar dos cabelos crespos, enquanto os chamam de difíceis e ruins; ensinar que lápis “cor de pele” é rosa claro, entre outros. Essas práticas são acometidas tanto pelos adultos quanto entre as crianças, que por sua vez, reproduzem aquilo que veem.
Racismo impacta na saúde da criança negra
Um grave fator de risco à saúde que costuma ser pouco explorado é a exposição ao racismo. Segundo o Center on Developing Child da Universidade de Harvard, que compilou estudos sobre como o racismo pode afetar o desenvolvimento infantil, os efeitos variam desde o aumento dos níveis de “estresse tóxico” até maiores chances de desenvolver doenças crônicas na vida adulta.
Os especialistas apontam que o enfrentamento constante do racismo sistêmico e da discriminação cotidiana é um potente ativador da resposta ao estresse. O que pode nos ajustar a compreender os fatores de origem, mas não determinantes, das disparidades raciais na incidência de doenças crônicas não transmissíveis na população. No Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde, a população negra costuma apresentar uma maior incidência de diabetes mellitus (tipo II) — 9% mais prevalente em homens negros do que em brancos; 50% mais prevalente em mulheres negras do que em brancas — e, de maneira geral, possuem quadros de hipertensão arterial mais complicados.
Já o estresse tóxico, isto é, a vivência uma dificuldade forte, frequente e prolongada, sem apoio adequado de um adulto, gera riscos à construção da arquitetura cerebral das crianças. O que pode acarretar várias consequências a curto prazo, como transtornos do sono, irritabilidade, desenvolvimento de medos e piora da imunidade. E no médio e longo prazo, pode potencializar atrasos no desenvolvimento, transtorno de ansiedade, depressão, queda no rendimento escolar e propensão a um estilo de vida pouco saudável na vida adulta.
Empoderamento para futuras mulheres negras
Uma menina negra empoderada desde muito jovem certamente se tornará uma mulher negra muito mais preparada para lidar com o racismo cotidiano e com as pressões sociais direcionadas ao seu corpo e seus modos. Contudo, antes de começar esse processo com a filha, a própria mãe deve que se empoderar.
Para a pesquisadora de literatura infantil e uma das moderadoras da página Empoderamento Infantil, no Facebook, Carina Castro, o empoderamento da mãe é fundamental, já que assim ela terá mais condições de compreender e dar uma educação consciente e livre de preconceitos. “Hoje temos muitos sites e projetos contra o racismo e afins. Existe muito material na internet, então informe-se, esteja atenta e munida de boas referências”, conta. Outro conselho que a pesquisadora dá às mães é para não deixar faltar representatividade na vida da criança, pra que assim ela possa se reconhecer nas imagens que vê e se sinta capaz de alcançar o mesmo patamar. Apresentar mulheres fortes para a criança e que tenha alguma ligação com ela, seja na cor ou na idade, farão com que a inspiração flua.
Pensar antes de aconselhar também é importante. Muitas vezes os conselhos dados reproduzem discursos nocivos ao desenvolvimento da criança e a construção da sua auto-estima, reproduzindo preconceitos enraizados. “Hoje avançamos em muitos debates e existem mais mães que conversam e empoderam suas filhas, porém ainda são poucas. A tentativa muitas vezes continua dentro dos padrões e acaba por gerar o efeito reverso”, explicou.
Com uma auto-estima elevada e fortificada, as garotas serão mais confiantes de si mesmas e terão uma relação diferente com seus corpos e cores de pele. “Será uma relação de amor e não de ódio, como geralmente acontece devido aos padrões e imposições. Sendo elas o centro de suas vidas, não dependerão da aprovação masculina, assim como terão uma consciência mais ampla sobre suas capacidades e gostos, não se deixando submeter ao desejo alheio. A relação com outras mulheres também tende a ser outra, de solidariedade e empatia, e não de competição, o que contribui muito pro avanço de todas as mulheres”, destacou Carina
Com informações do Portal Geledes, Estado de Minas, G1 e BBC News Brasil