Os partidos de oposição trabalham para aprovar a Lei Paulo Gustavo (PL 73/2021), que tramita no Senado e pode liberar R$ 4,3 bilhões para o setor artístico e cultural, duramente afetado pela pandemia da covid-19 e que deve ser um dos últimos a retomar as atividades normais. Além da importância social, a cultura também tem uma dimensão econômica. A área é responsável por 2,67% do PIB brasileiro e envolve quase 6 milhões de trabalhadores e trabalhadoras no país.
Na outra ponta, em uma postura em total falta de sintonia com o setor, o secretário especial da Cultura, o ator Mario Frias, luta para derrubar a proposta sob o argumento falacioso de que “todos os projetos culturais que estão com apoio do governo federal serão interrompidos, por falta de recursos”.
O que não é verdade já que, na prática, a secretaria sob seu comando não poderá acessar os recursos que o projeto pretende acessar. Outra inverdade proferida pelo secretário em tom de ameaça é que o projeto “sequestra os recursos federais da cultura e os transfere para estados e municípios gerirem, paralisando o que já está em andamento e inviabilizando futuras ações”.
Pela própria fala do secretário, já se percebe que os recursos sequer passariam por sua pasta. Além disso, o outro principal fundo cultural que o PL mira fica sob o guarda-chuva da Agência Nacional do Cinema (Ancine).
Argumento com dados errados
“Argumentar que essa lei vai impedir o andamento dos projetos é incorreto. A aplicação mais frequente das políticas federais de cultura não é com recurso direto. O Fundo [Nacional da Cultura], historicamente, fica com o dinheiro parado. O que você tem para execução de projetos na alçada da Secretaria Especial da Cultura é principalmente dinheiro de captação incentivada, do mecenato”, disse à Folha de S. Paulo Renato Dolabella, professor e advogado especialista em direito cultural.
Projeto quer destravar recursos para cultura
O que a Lei Paulo Gustavo pretende é, nos moldes do que acontece com inovação e ciência, livrar os fundos do setor cultural das tais “limitações de despesas”, que impedem que parte dos recursos do Fundo Nacional de Cultura (FNC) seja executada —seja por Mario Frias ou por quaisquer outros entes da política pública cultural.
O projeto pretende destravar parte dos recursos do FNC e do Fundo Setorial do Audiovisual, fundos públicos voltados para o fomento do setor cultural. Uma parcela do dinheiro desses dois fundos públicos, do superávit financeiro, fica represado devido à Lei de Responsabilidade Fiscal —a Lei Complementar 101—, que obriga a União a cumprir metas que limitam o déficit, entre outras exigências. Ou seja, o dinheiro está lá, mas grande parte dele não é destinado a políticas culturais.
“Há muitos casos de fundos que são superavitários, mas que não têm a execução da política pública na proporção do dinheiro que está lá.”
Renato Dolabella
Guedes quer dinheiro da cultura na dívida pública
A Proposta de Emenda Constitucional dos Fundos (PEC 189/2019), que também está no Senado, prevê o uso do dinheiro parado nos fundos públicos para o pagamento da dívida pública. Criada na mesma semana em que a Secretaria Especial de Cultura foi transferida do Ministério da Cidadania para o do Turismo, em 2019, a PEC também torna possível que os fundos sejam extintos.
Um dos principais pontos da Lei Paulo Gustavo é prever a execução de R$ 3,8 bilhões provenientes do superávit financeiro do FNC e do FSA. Além disso, o PLP destrava outros R$ 342 milhões do orçamento de 2021 do FNC, a serem utilizados pela Secretaria de Cultura do Ministério do Turismo.
Com a aprovação da chamada PEC Emergencial (EC 109), os valores bilionários do FNC e FSA podem ser utilizados para a amortização da dívida pública. Caso o PLP seja aprovado, o montante seria liberado como crédito extra ao Orçamento por meio de uma medida provisória.
Além disso, Frias, nas atuais condições, ainda teria dificuldade de executar o dinheiro que a Lei Paulo Gustavo mira porque poderia esbarrar na emenda do teto, que limita gastos do governo. Ou seja, se a Lei Paulo Gustavo não vingar, dificilmente esse dinheiro será repassado ao setor cultural. E, caso vingue, não deve afetar o orçamento de Frias negativamente.
Dinheiro executado por estados e municípios
Só que a medida iria além. A ideia é que esse dinheiro liberado seja executado por estados e municípios, com contrapartidas, assim como aconteceu com a Lei Aldir Blanc. No ano passado, esta última representou um aporte sem precedentes ao setor cultural brasileiro. Foram R$ 3 bilhões destinados aos estados, Distrito Federal e municípios.
A pandemia em 2021 piorou e muito. O número de infectados e mortos não para de subir, o que torna necessário diversas restrições para combater a doença e socorrer setor tão importante.
Recursos ajudam população local
Segundo o advogado Renato Dolabella, é preciso aprender com a experiência da Lei Aldir Blanc, mirando também os percalços pelos quais a execução dela passou. Existem casos de estados e municípios em que o dinheiro ainda não chegou a todos da ponta final do setor —aos profissionais da cultura. “Naquela incerteza toda que se gerou, teve município que recusou os recursos da Lei Aldir Blanc. Poderia ter sido executado, ajudado a população local.”
“Essa demora tem a ver com a nossa cultura burocratizante, com a nossa cultura jurídica. Quando a Lei Aldir Blanc saiu, era uma situação nova, mas muitos órgãos públicos enxergaram aquilo com as regras burocráticas habituais, que não são construídas na lógica emergencial”, diz Dolabella. “É muito importante que os órgãos de controle, Ministério Público, Tribunal de Contas, tenham consciência do que é efetivamente uma lei emergencial.”
Péssima gestão de Frias
Nesse contexto, a avaliação de grande parte do setor cultural é de que a gestão Mario Frias mais trava o andamento dos mecanismos de fomento do que ajuda na recuperação da crise. Daí a necessidade, defendida pela oposição, de descentralizar a execução dos recursos para a Cultura, a serem executados por estados e municípios. Alguns episódios confirmam essa percepção.
Bolsonaristas não gostam da Lei Rouanet
Em março, por exemplo, Frias suspendeu, por 15 dias, a análise de propostas de Lei Rouanet para artistas de cidades que adotaram medidas de restrição circulação. O secretário de Fomento, o PM André Porciuncula, não lançou até hoje um edital que escolheria os membros da comissão responsável por sanar dúvidas e dar o sinal verde ou não para projetos culturais a serem incentivados. Com isso, cabe só a Porciuncula a decisão final sobre um projeto que pretende captar via Rouanet.
A Ancine, enquanto analisa prestações de contas de quase 20 anos atrás, teve uma diminuição considerável nos editais de fomento direto ao audiovisual, desde o início do governo Bolsonaro, levando a uma quase paralisia do setor do audovisual.
Gestão “inimiga da cultura”
Fortemente atacada pelo Bolsonarismo, a Lei Rouanet também é alvo de Mario Frias. No início do ano, o secretário comemorou em suas redes sociais uma decisão da Justiça que teria barrado a liberação de “R$ 700 milhões da Lei Rouanet”.
Além de apresentar um dado errado, o secretário demonstrava encarar como positiva uma suposta diminuição de recursos para o setor cultural —o que muitos de seus seguidores chamaram de mamata, na ocasião.
Não por acaso, circula entre opositores do governo Bolsonaro, mas também em círculos de direita não bolsonaristas, a máxima que a gestão Mario Frias é “inimiga da cultura”.
A proposta está em consulta pública pelo Senado Federal. Para votar, basta clicar aqui.
Com informações da Folha de S. Paulo, Brasil de Fato, Veja Rio, Agência Senado
Parabéns Ator Mario Frias.
Estamos com o governo