
Pesquisa inédita analisou notificações de violência contra a população LGBTQI+ brasileira entre 2015 e 2017 e identificou que pessoas negras são alvo de metade das agressões por homofobia. Segundo análise, a maior parte dos indivíduos afetados pelas agressões era jovem (69% tinham entre 20 e 59 anos de idade) e metade era negra (50%).
Nos três anos, foram analisados registros de 24.564 notificações de violências contra LGBTQI+, extraindo média diária com mais de 22 notificações de violências interpessoais e autoprovocadas, perfazendo quase uma notificação por hora.
A análise foi realizada por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), das secretarias de Atenção Primária em Saúde e de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS) e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Entre 2015 e 2017 foram registradas 24.564 notificações de violências contra a população LGBT no Brasil. Outros dados, do Disque 100, serviço que recebe, analisa e encaminha denúncias de violações de direitos humanos, mostram que entre 2011 e 2017 foram registradas 22.899 violações desse tipo.
O dado que já é alarmante pode ser ainda maior. Isso porque os pesquisadores coletaram apenas notificações feitas pelo Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do SUS, e que, portanto, inclui diversos casos de violência que não foram denunciados, registra o G1.
Se somados à análise, os números de denúncias, por telefone, no Disque 100 e as ocorrências em delegacias, a realidade de violências enfrentada por essa população pode se revelar ainda mais perversa.
Do total, 46% das vítimas eram transexuais ou travestis e 57% eram homossexuais, dos quais 32% lésbicas e 25% gays.
Brasil, histórico de racismo e LGBTfobia
O corpo incômodo segue na mira do racismo e da homofobia. Em todas as faixas etárias, a natureza de violência mais frequente foi a física (75%) e, em 66% dos casos o provável autor é do sexo masculino. O principal vínculo das vítimas com o agressor é o de parceiro íntimo (27%), seguido do perfil desconhecido (16%).
“É fundamental chamar atenção para uma aprendizagem que o movimento negro teve de que não se combate racismo sem lutar contra homofobia, machismo, sexismo e intolerância religiosa. Afinal, nós negros e negras não somos uma massa amórfica”, comenta o professor Delton Aparecido Felipe, da Universidade Estadual de Maringá (UEM), que também é coordena o Consórcio Nacional de Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros na Região Sul.
Na visão Cleber Santos, coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a pesquisa mostra como a violência contra a população negra LGBTQI+ é agravada por questões de gênero, classe e raça.
“Certamente considerar também indicadores sobre a renda e o tipo de habitação das vítimas de violência evidenciaria um quadro ainda mais dramático para a população negra LGBTQI+”, avalia.
Notificar violência contra LGBTQI+ é preciso
O trabalho “reforça a importância da notificação compulsória e a necessidade de preenchimento adequado dos campos sobre orientação sexual e identidade de gênero” por parte de médicos e outros profissionais de saúde.
O fato de contar apenas com dados das violências atendidas e notificadas nos serviços de saúde, foi umas das limitações encontradas pelo estudo.
Os autores da pesquisa confirmam a possibilidade de haver subnotificação dos casos, pois, segundo eles, “os dados apresentados não revelam a prevalência de violência vivenciada pela população LGBTQI+”.
STF
Em 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu, no dia 13 de junho, pela criminalização da LGBTfobia. No julgamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), a corte equiparou ações de discriminação contra LGBTQI+ a atos de racismo. A conquista constitui marco histórico na defesa de direitos LGB e uma das maiores realizações do movimento em 2019.