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Em algum grau, 82,5% dos brasileiros aceitam a relativização do regime democrático, desde que o objetivo do governo seja resolver os problemas e melhorar a vida da população. Foi o que apontou a primeira etapa da pesquisa Valores em Crise 2020, conduzida pelo Instituto Sivis e pelo Instituto Votorantim em meio à pandemia da Covid-19.
O objetivo do levantamento, explica a gerente de Pesquisa e Impacto do Instituto Sivis, Thaise Kemer, é descobrir como a percepção dos entrevistados sobre a crise do coronavírus se transformou ao longo da pandemia e como essas mudanças de perspectiva afetaram seus valores morais e orientações sociais.
Para tanto, o estudo vem sendo conduzido em três etapas: a primeira, no meio da crise, foi aplicada em maio e junho de 2020 e integra estes resultados, agora divulgados; a segunda, será realizada no momento em que a vida pública começar a voltar à normalidade, o que se espera que aconteça ainda nos meses finais de 2020; e a terceira deve ocorrer um ano após a primeira, em meados de 2021.
“A pandemia oferece uma oportunidade única para estudar como os valores morais das pessoas se comportam em tempos de crise. Esse cenário de incerteza levanta várias questões importantes de pesquisa: as pessoas mudam seus valores em um contexto de crise? Se sim, como essas mudanças de valores se manifestam?”, comenta a pesquisadora.
Falta de conhecimento
Segundo Kemer, a relativização da democracia demonstra um grave problema, indicando que falta conhecimento sobre as implicações desse regime para a vida em sociedade.
Ela também diz que a pandemia aprofundou desigualdades já existentes no país: aproximadamente 40% dos entrevistados receberam dinheiro de algum auxílio emergencial, enquanto 34,6% sofreram impactos econômicos severos, como perda de emprego ou fechamento do negócio próprio.
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Amélia do Carmo Sampaio Rossi, doutora em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e professora do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), afirma que há várias crises ocorrendo simultaneamente. Na visão da docente, a baixa adesão ao regime democrático lhe parece ligada de forma estreita a uma crise econômica mundial, agravada pela crise sanitária.
Fragilidades
Ela também ressalta que o regime democrático não pode ser visto apenas como a vontade da maioria, ou autogoverno popular, mas como o respeito intransponível a todos os direitos fundamentais. Nesse ponto, ela diz acreditar que as democracias atuais têm falhado.
“O medo, a insegurança para com os rumos da vida, as exclusões e assimetrias, a crise das democracias representativas – muitas vezes sequestradas pelo poder econômico-financeiro aliado aos dados digitais – tudo isso colabora para que o valor democrático fique em segundo plano”, esclarece.
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O fato de os brasileiros aceitarem que o governo passe por cima do Congresso, das leis e das instituições em tempos de crise, como apontaram os resultados da pesquisa Valores em Crise 2020, demonstra um comportamento que é sintomático dos déficits existentes na cultura democrática brasileira, diz Kemer.
“A cultura democrática passa por uma internalização dos significados sociais e institucionais da democracia para a vida dos cidadãos. Nesse sentido, ao relegar as bases do regime democrático a um segundo plano, é possível que a pandemia esteja demonstrando fragilidades da democracia brasileira que têm natureza estrutural”, opina.
Como as fake news afetam os brasileiros
Outro fenômeno atual que pode gerar impactos significativos na democracia são as fake news. Um estudo realizado pela Avaaz, rede para mobilização social global por meio da internet, apontou que sete em cada dez brasileiros acreditaram em pelo menos uma notícia falsa sobre a pandemia do coronavírus.
Já para Kemer, o índice trazido pela pesquisa da Avaaz é reflexo da desinformação e impacta prejudicialmente o jogo democrático: uma população mal informada, diz a especialista, não tem elementos pertinentes para fiscalizar o trabalho dos governantes e exigir seus direitos.
“Trabalhar contra a desinformação é um requisito fundamental para fortalecer a democracia brasileira, e esse combate passa tanto pela valorização de diálogos plurais quanto pela busca em assegurar que cidadãs e cidadãos brasileiros tenham os conhecimentos necessários para tomar decisões conscientes sobre o futuro”, conclui a especialista.
Com informações da Deutsche Welle Brasil