
Militares integrantes do Ministério da Defesa admitiram, pela primeira vez, em conversas reservadas, que estão se preparando para realizar uma contagem paralela de votos nas eleições deste ano. A medida tem sido cobrada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) desde abril.
O mais provável até agora, de acordo com reportagem de Felipe Frazão, no Estadão, é que uma contagem patrocinada pelos militares use os boletins impressos pelas urnas eletrônicas após o encerramento da votação.
Outra alternativa avaliada para a contagem paralela seria ter acesso a dados retransmitidos pelos tribunais regionais ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Decisão não oficializada
A decisão de realizar a totalização de votos por conta própria ainda não foi oficializada, tampouco comunicada ao TSE. De acordo com militares lotados no comando da Defesa, que têm acompanhado o processo de fiscalização das urnas junto ao TSE, tudo depende de uma decisão do ministro da pasta, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira.
Militares que montaram uma equipe própria para a tarefa, formada por dez oficiais da ativa do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, dizem que o “acompanhamento da totalização” é parte do plano de fiscalização das urnas.
A Defesa afirma que age de forma técnica para contribuir com o aperfeiçoamento da segurança e transparência do sistema.
A soma de votos pelas Forças Armadas é uma missão não prevista na Constituição nem nas diretrizes de Defesa Nacional. A Corte Eleitoral tem a missão exclusiva de promover as eleições, apurar e proclamar o resultado.
Militares terão R$110 mi do TSE para as eleições
Se de um lado as Forças Armadas dão munição aos ataques infundados do presidente Jair Bolsonaro contra as urnas eletrônicas, por outro os militares são parceiros históricos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na logística e segurança das eleições.
Só nas próximas eleições, os militares devem receber R$ 110,6 milhões do TSE para atuar na realização do primeiro e segundo turno destas eleições, segundo a coluna de Malu Gaspar no jornal O Globo.
O valor é o dobro do que foi gasto nas eleições de 2018 – R$ 54,9 milhões. E mesmo considerando a inflação de 27,06% acumulada no período, ainda é bem maior do que o que foi gasto há quatro anos.
Até agora, porém, não se sabia como esse dinheiro seria aplicado. A pedido da equipe da coluna, o TSE detalhou como os recursos serão usados.
A distribuição das verbas, que é decidida em conjunto pelo TSE com as Forças, mostra que o Exército deve ficar com a maior parte (75,7%) da verba – R$ 83,8 milhões. Aeronáutica e Marinha devem receber, cada uma, R$ 14,9 milhões e R$ 11,9 milhões, respectivamente.
O Exército ocupa um papel de mais destaque nas eleições, por possuir o maior contingente da caserna e deslocar mais veículos na distribuição das urnas por todo o país. Também possui maior protagonismo na garantia da segurança em regiões com elevados índices de violência.
Em 2018, foram mobilizados aproximadamente 60 mil militares das três Forças para auxiliar a realização do pleito. Segundo o Ministério da Defesa, ainda não foi definido o contingente que vai ser escalado neste ano. Nem os militares nem o TSE explicaram por que a previsão orçamentária aumentou tanto para 2022.
A previsão de gastos do TSE com os militares engloba tanto o serviço logístico de envio das urnas eletrônicas para os diversos rincões do país (por caminhões, aeronaves, barcos e helicópteros) quanto os recursos necessários para as chamadas “Garantia da Votação e Apuração” (GVA).
Nos casos de GVA, as Forças Armadas são chamadas para garantir a ordem pública em regiões consideradas perigosas.
O orçamento do TSE prevê a destinação de mais dinheiro (R$ 59,5 milhões) para o serviço logístico das Forças Armadas do que para as GVAs (R$ 51,1 milhões).
O reforço na segurança de municípios é uma decisão tomada pelo TSE, após a análise de pedidos apresentados pelos tribunais regionais eleitorais estaduais.
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Em 2016, por exemplo, o tribunal aprovou o envio de tropas militares para Rio de Janeiro, São Gonçalo e Duque de Caxias, devido aos casos de homicídios de pré-candidatos na região da Baixada Fluminense.
Os militares são parceiros históricos do TSE tanto na criação da urna quanto na realização das eleições, mas a relação dos dois lados ficou abalada em meio às dúvidas levantadas sobre a segurança das urnas.
As urnas são usadas pelos brasileiros desde as eleições de 1996, mas só passaram a ser colocadas em xeque agora pelas Forças Armadas, que foram convidadas no ano passado pelo TSE para participar de uma comissão de transparência eleitoral.
Um dos alvos preferenciais dos ataques de Bolsonaro, o presidente do TSE, Edson Fachin, iniciou em abril deste ano as tratativas com o subchefe de Operações do Estado Maior das Forças Armadas, general Rezende de Queiroz, para acertar a atuação dos militares nestas eleições.
De lá pra cá, no entanto, o clima entre o TSE, de um lado, e as Forças Armadas e o Palácio do Planalto, de outro, se deteriorou, com o recrudescimento dos ataques de Bolsonaro às urnas e os sucessivos questionamentos dos militares.
No último domingo, durante a convenção do PL, o presidente reforçou a artilharia contra as urnas. ” Eu juro dar a vida pela minha liberdade, repitam. Esse é o nosso Exército. O exército do povo. É o Exército que não admite corrupção, não admite fraude. Que quer transparência, que merece respeito. E que vai ter”, afirmou Bolsonaro, mais uma vez ignorando os conselhos do núcleo político de sua campanha de deixar de lado os ataques ao sistema eleitoral.
Mesmo assim, dentro do tribunal a avaliação é a de que a parceria na logística e na segurança não ficará comprometida.
“As Forças Armadas são essenciais para viabilizar a participação de cidadãos que vivem em locais mais remotos da região amazônica, como as aldeias indígenas, por exemplo, dando acesso ao processo democrático brasileiro”, aponta Giuseppe Janino, ex-secretário de tecnologia da informação do TSE e um dos criadores da urna.
“O Brasil é um país de 8,5 milhões de quilômetros quadrados, em que 50% dessa área corresponde à região amazônica. Nessa região, há pelo menos mais de 1.500 pontos de acesso muito difíceis, onde só se chega com pequenas embarcações. São locais, inclusive, que levam até duas semanas para chegar de barco.”
O Ministério da Defesa informou que o apoio dos militares para as eleições de 2022 encontra-se em “fase de planejamento junto ao TSE, o que impactará no efetivo a ser empregado e nos recursos a serem repassados pelo Tribunal às Forças Armadas, o que ainda não aconteceu”.
O ministério também alegou que a apresentação de “propostas técnicas” sobre as urnas “jamais pode ser equivocadamente confundida com críticas ao processo eleitoral”.
Com informações do Estadão
Por Julinho Bittencourt