O mês de abril é dedicado à Revolução da Moda pelo Fashion Revolution, um movimento global que atua para uma indústria da moda mais limpa, justa e transparente.
O Socialismo Criativo preparou uma série de matérias sobre a indústria da moda como uma expressão da economia criativa. Os textos são de Iara Vidal, representante do Fashion Revolution em Brasília e jornalista do portal, e serão publicados ao longo do mês de abril.
Siga a hashtag #FashionRevolution2021 e acompanhe os textos sobre o movimento.
Moda é pivô da causa uigur na China
A moda está no centro da crise diplomática instalada entre a China e potências ocidentais nas últimas semanas. A causa do conflito é o algodão: 20% da produção mundial vem, principalmente, da província chinesa de Xinjiang, localizada na região noroeste do gigante asiático, de maioria uigur, uma minoria muçulmana. Estados Unidos (EUA), Reino Unido e União Europeia acusam o governo chinês de violar os direitos humanos contra uigures, com acusações que vão de trabalho forçado a genocídio. A China nega.
A narrativa da mídia comercial é de que existem campos de concentração na província chinesa para encarcerar integrantes do movimento separatista dos uigures. Os textos, em geral, são bastante vagos para acusações tão sérias. Citam, por exemplo, “um relatório feito por um acadêmico alemão sugeriu que o governo da China estaria esterilizando a população uigur, forçando mulheres a usar um dispositivo intrauterino para evitar gravidez.” Ou flagrantes feitos por drones que bombam na internet.
O professor Elias Jabbour, especialista em economia chinesa e autor de quatro livros sobre o assunto, dentre eles ‘China: socialismo e desenvolvimento, sete décadas depois’, comentou sobre a questão uigur em entrevista à Revista Continente em agosto de 2020. Em resposta ao questionamento se havia perseguição a minorias na China, dentre elas ou uigures, ele explicou que existe um combate interno ao terrorismo que demanda força e inteligência.
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“Desde 2003, a China tem sido sacudida por ataques terroristas por filiais da Al-Qaeda e do Estado Islâmico em seu território, e o país precisa dar uma resposta a isso. Imagine um país de 1,4 bilhão de habitantes sendo ameaçado por alguns milhares de terroristas dispostos a explodir os pontos mais sensíveis do país. Como proceder sem ter de invadir outros países, mesmo sabendo que muito do financiamento desses grupos vem de países como a Arábia Saudita (leia-se EUA), Kuwait, Emirados Árabes etc.?”
Elias Jabbour
Toma lá da cá China e Ocidente
O mais novo capítulo da Causa Uigur desencadeou um toma lá da cá diplomático entre a China e ocidente. O estopim foi a publicação de “estudos publicados por um instituto americano e por outro australiano”, que Pequim rejeita. A denúncia é de que ao menos um milhão de uigures foram internados em campos de Xinjiang, e alguns são submetidos a trabalhos forçados, em particular nos campos de algodão. Washington chama a repressão dessa minoria de “genocídio”.
União Europeia (UE), Grã-Bretanha, Canadá e Estados Unidos (EUA) anunciaram, no dia 23 de março, sanções contra vários membros da liderança política e econômica em Xinjiang. A represália dos chineses foi rápida: impôs sanções contra indivíduos da UE e da Grã-Bretanha. Dois membros da Comissão dos Estados Unidos para a Liberdade Religiosa Internacional, Gayle Manchin e Tony Perkins, o deputado canadense Michael Chong e uma comissão parlamentar canadense de direitos humanos estão proibidos de entrar na China, em Hong Kong e Macau.
Em comunicado do dia 31 de março, uma das porta-vozes do Ministério das Relações Exteriores da China, Hua Chunying, afirmou que a acusação feita pelos estudos “é uma grande mentira que viola o direito internacional”. Para a representante, o governo estadunidense “fabrica uma mentira atrás da outra, muitas ultrajantes como aquelas relativas ao genocídio e ao trabalho forçado”. “Isso é um verdadeiro absurdo”, acrescentou.
A ONU iniciou negociações com a China para enviar representantes a Xinjiang. A anúncio do secretário-geral das Nações Unidas, Antonio Guterres. foi feito em entrevista para ao canal canadense CBC. Ele revelou que “atualmente, estão acontecendo negociações sérias entre o escritório do Alto Comissariado (para os Direitos Humanos) e as autoridades chinesas”.
As supostas ações do governo chinês no território de Xinjiang foram apontadas como violações a todas as disposições da Convenção sobre a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio das Nações Unidas por um relatório independente feito por mais de 50 especialistas globais em direitos humanos, crimes de guerra e direito internacional. O relatório, divulgado dia 9 de março pelo Newlines Institute for Strategy and Policy, de Washington DC, afirmou que o governo chinês “tem a responsabilidade de estado por um genocídio em curso contra os uigures em violação da Convenção de Genocídio (ONU)”.
Reação de consumidores da China
Os consumidores da China reagiram rápido e em sincronia com o governo chinês. Pela rede social chinesa Weibo foi articulado um boicote contra Nike, H&M, Adidas e Zara, entre outras marcas. Alguns produtos destas empresas foram retirados das principais plataformas chinesas de vendas on-line. Paralelamente, atores e cantores anunciaram que não serão mais embaixadores de imagem destes grupos ocidentais.
Agora, grandes marcas de roupas estão diante de um complicado dilema: defender os uigures ou vender na China. O cofundador da prestigiada Paris School of Luxury, Eric Briones, comentou sobre as reações simultâneas na China.
“Esta disputa é kafkiana. É a primeira vez que as reações na China são simultâneas, entre a Liga das Juventudes Comunistas (vinculadas ao partido que governa o país e promove a campanha de boicote), as plataformas de vendas on-line, os consumidores e os influenciadores.”
Eric Briones
Briones comenta o dilema com o qual as marcas de moda têm lidado. Ele afirma que “se é uma marca comprometida e decide dar um passo atrás, perde toda credibilidade. E se mantém a posição, a empresa fica privada do mercado chinês, que é o pulmão da economia mundial.” Outra questão levantada por Briones é se as marcas precisam da China, ou é o gigante asiático que precisa delas. Ele cita o exemplo da Nike, cujas vendas trimestrais cresceram 51% no mercado chinés e apenas 3% em nível mundial.
Do alto luxo ao fast fashion
Crucial para o setor de luxo, o mercado chinês também é fundamental para a moda de preços baixos, a denominada fast fashion, e o sportswear. As roupas esportivas da Nike e da Adidas são vendidas em milhares de lojas no país. No ano passado, o grupo americano registrou na “Grande China” (incluindo Hong Kong e Macau) 18% de seu volume anual de negócios.
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A China é o quarto principal mercado para o grupo sueco H&M, país em que abriu mais de 500 lojas e registrou quase 280 milhões de euros em vendas no último trimestre de 2020. Seu grande rival, o grupo espanhol Inditex, matriz da Zara, tem 337 lojas no país.
A representante na França da coalizão internacional End Forced Labour in the Uyghur Region (“Acabar com o Trabalho Forçado na Região Uigur”, em tradução livre), Nayla Ajaltouni, avalia que a China surpreendeu o mundo com esta disputa.
“Isto mostra que a pressão política internacional começa a dar frutos. Está claro que é uma intimidação para ver até onde as marcas serão capazes de chegar.”
Nayla Ajaltouni
A coalizão que Nayla representa reúne 180 ONGs e sindicatos e pede em um comunicado às marcas que “não mudem seus princípios sobre os direitos humanos para conservar uma vantagem comercial”. O grupo afirmou que, após os pedidos de boicote chinês, algumas marcas “recuaram” em seus compromissos sobre o trabalho forçado, retirando comunicados de imprensa, ou modificando suas posições.
Uma das empresas que mudou de posição é o grupo Inditex, que deixou de mencionar especificamente Xinjiang em seus princípios de “tolerância zero” publicados em seu site, de acordo com o grupo que luta contra o trabalho forçado na região.
Embora a H&M tenha declarado que não apoia “nenhuma posição política”, a maioria das marcas permanece em silêncio, esperando que o momento passe. Uma das poucas que tomou partido foi a rede italiana de roupas OVS (1.750 lojas). No dia 26 de março, o grupo anunciou que vai parar de comprar algodão de Xinjiang e pediu a outras empresas que “não cedam às pressões e escolham seu campo: direitos humanos, ou interesses comerciais”.
O especialista da Paris School of Luxury avalia que o momento é de manter a calma, já que o boicote é digital no momento, e as lojas físicas estão abertas. Briones recorda que “no momento, isto não afeta o setor de luxo, apenas o fast fashion e o sportswear, setores em que as marcas chinesas são cada vez mais fortes”. Algumas, como Anta, ou Li Ning, subiram na Bolsa de Hong Kong e registraram a maior cotação em um mês.
Com informações do Correio Braziliense, IstoÉ Dinheiro e BBC Brasil