Para o Ministério Público Federal (MPF) existem riscos aos jornalistas que cobrem o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência. A conclusão está em um parecer entregue à Justiça na semana passada, que também pede que providências sejam tomadas a partir de uma análise técnica da Secretaria do Trabalho do Ministério da Economia.
O parecer afirma que “há indicativos” de que as providências adotadas no local “não estão sendo suficientes para garantir a segurança dos jornalistas e profissionais de imprensa”
Para a Procuradoria, é preciso que “seja determinada a adoção de medidas administrativas aptas a resguardar a integridade dos jornalistas e profissionais de imprensa que realizam a cobertura diária do Presidente da República [Jair Bolsonaro] na porta do Palácio da Alvorada”.
ONGs e sindicatos
O parecer do MPF foi dado numa ação em que ONGs e sindicatos, como Instituto Vladimir Herzog, Repórteres Sem Fronteiras (RSF), Artigo 19 e Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), processam Bolsonaro e a União por falhas na segurança do lugar. Além disso, elas acusam o presidente de incentivar ataques aos profissionais de imprensa que fazem seu trabalho diário ali.
No ano passado, a ausência de condições de segurança fez vários veículos de comunicação retirarem suas equipes do Alvorada. Alguns seguem lá. Em 2020, houve recordes de agressões a repórteres no Brasil, com Bolsonaro liderando os casos, de acordo com estudo da Fenaj.
No parecer, o Ministério Público afirmou à juíza da 1ª Vara Federal de Brasília Solange Salgado que o governo precisa agir para garantir a proteção dos profissionais de comunicação e a própria liberdade de imprensa.
“A plenitude de tais liberdades não se circunscreve à inexistência de óbices criados pelo Estado, mas também envolve a atuação estatal para garanti-la”, escreveu o procurador Paulo José Rocha Júnior.
“Os Constantes constrangimentos sofridos impactaram na liberdade de imprensa e de expressão desses trabalhadores, tanto que alguns grupos de comunicação suspenderam suas atividades no local”
Paulo Rocha Júnior, procurador
Na ação, redigida pelo escritório Aragão e Ferraro, as ONGs pedem uma série de medidas para garantir a proteção dos jornalistas, como separá-los efetivamente de apoiadores de Bolsonaro, que ficam isolados somente por uma grade metálica de cerca de um metro de altura. Outro pedido é uma indenização de R$ 300 mil para evitar repetição de atos de hostilidade, ameaça ou violência.
No parecer, o MPF disse à juíza Solange Salgado que as providências pedidas não devem ser atendidas necessariamente. No entanto, reconhece que deve haver algum grau de ação da Justiça no caso. “Vislumbra-se, no presente caso, a necessidade de intervenção do Poder Judiciário para determinar que medidas administrativas sejam adotadas a fim de garantir a integridade física e psicológica dos profissionais de imprensa e jornalistas que laboram no Palácio da Alvorada”.
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Ameaça armada em entrevista com Bolsonaro
Após serem hostilizados por um grupo bolsonaristas, jornalistas que acompanhavam a agenda do chefe do Executivo no domingo (2), no Palácio da Alvorada, foram ameaçados por um segurança presidencial, segundo relato de repórter da CNN Brasil.
Pelas redes sociais, a jornalista Carla Bridi narrou o episódio. “Ao entrarmos no carro da emissora para tentar seguir o comboio presidencial, gritaria – segurança sem máscara começou a nos ameaçar, colocou a mão em cima da arma. Dois colegas de outros veículos foram ameaçados por outro segurança – esse de fato tirou a arma do cinto”, escreveu.
GSI diz que segurança cumpriu protocolo
Segundo o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), responsável pela segurança do presidente da República, os agentes que acompanhavam Bolsonaro cumpriram os protocolos para esse tipo de evento.
“Alguns repórteres, julgando, erradamente, que o Presidente sairia do Alvorada, tentaram se deslocar para seus carros, com o objetivo de segui-lo, sendo impedidos pela segurança no estacionamento”, diz trecho da nota, que segue: “Ato contínuo, houve ofensas aos agentes de serviço que, corretamente, executaram as normas vigentes até o retorno do comboio para o interior da Residência Oficial”.
Na nota, o GSI afirmou que o relato da repórter da CNN é distorcido e “carece de credibilidade”.
Abraji e OAB pedem segurança para jornalistas
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) fizeram um convênio para auxiliar na segurança dos jornalistas.
A ação foi lançada durante um seminário via internet que contou com a participação do Procurador Geral da República e de ministros do Supremo. A nova cartilha com orientações jurídicas traz medidas legais contra jornalistas, principalmente aqueles que fazem a cobertura de assuntos políticos.
O presidente da OAB, Felipe Santa Cruz condenou os ataques a imprensa e disse que é urgente acabar com o que chamou de “terroristas virtuais”: “É hora desses terroristas virtuais conhecerem a face dura do poder judiciário da lei”, analisou Felipe.
Depois de jornalistas receberem ameaças de apoiadores de Bolsonaro na porta do Palácio da Alvorada, os grupos Globo, UOL e Estado de São Paulo, não escalam mais seus profissionais para o plantão na porta da residência oficial do presidente.
100 ataques contra jornalistas em 2020
Segundo um levantamento feito pela Abraji, do ano passado até hoje foram cerca de 100 ataques a jornalistas por parte de políticos ou agentes públicos. Também foram computados um total de 50 incidentes de assédio virtual, quando há exposição de dados, ameaças e comentários ofensivos a jornalistas em sites e redes sociais.
O Procurador Geral da República Augusto Aras deu relatos de decisões judiciais onde prevaleceram a liberdade de expressão mas não comentou sobre as críticas que o presidente Jair Bolsonaro faz imprensa.
O Ministro do Supremo Luiz Roberto Barroso lembrou dos tempos de censura à imprensa durante a ditadura militar e da morte do jornalista Vladimir Herzog. Disse ainda que nesses tempo de fake news em plena pandemia o jornalismo profissional precisa ser fortalecido.
O Ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito das fakes news no STF, que determinou a operação de hoje da Polícia Federal contra apoiadores de Jair Bolsonaro, defendeu a liberdade de imprensa e o combate a informações falsas, principalmente quando tem o objetivo de favorecimentos eleitorais.
“Não se pode censurar, não se pode restringir a liberdade de manifestação, a liberdade de imprensa. Agora, as pessoas devem arcar com as consequências dos seus atos. Não é possível que novas formas de mídia se organizem de forma criminosa, com finalidades de propagação de discursos racistas, de discursos discriminatórios, de discursos de ódio e de discursos contra a democracia e as Instituições democráticas.”, concluiu o Ministro.
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Violência contra a imprensa em números
Com o dobro de casos registrados em relação ao ano anterior, 2020 foi o ano mais violento para jornalistas brasileiros desde quando a Fenaj passou a contabilizar os índices de violência contra profissionais da imprensa, no início da década de 1990.
De acordo com relatório divulgado em janeiro de 2021, foram registrados 428 casos de violência contra jornalistas no ano passado. Mais que o dobro de 2019, que teve 208 ocorrências. O principal agressor de jornalistas, segundo o levantamento, é o presidente Jair Bolsonaro.
Isso porque, dos 428 casos, 152 (35,51%) foram de discursos que buscavam desqualificar a informação jornalística. Sozinho, Bolsonaro foi responsável por 145 dos casos de descredibilização da imprensa, por meio de ataques a veículos de comunicação e a profissionais. Também foi responsável direto por agressões em 175 desses casos, entre ameaças e agressões verbais. O número corresponde a 40,89% do total das agressões de 2020.
A pandemia também ameaça os profissionais de imprensa. profissionais da imprensa encontra na pandemia outro inimigo. O Brasil foi apontado em estudo divulgado recentemente, da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), como o país com o maior número de mortes de jornalistas e profissionais da imprensa no mundo registradas em decorrência da Covid-19.
O estudo afirma que 169 mortes foram registradas de abril de 2020 a março de 2021. Também mostra que, em apenas três meses de 2021, o número de óbitos de jornalistas superou o registrado em todo 2020. Os dados fazem parte do dossiê “Jornalistas vitimados por Covid-19”, divulgado no dia 6 de Abril.
Mirian Segatto, diretor do Departamento de Saúde da Fenaj, corrobora com a ligação de Bolsonaro com a situação dos jornalistas brasileiros. Ele afirma que os 169 casos apurados até março são resultado da necropolítica do governo federal. “Os números mostram a urgência da sociedade se posicionar contra o governo genocida de Jair Bolsonaro”.
O primeiro trimestre de 2021 teve uma média de 28,6 mortes de jornalistas por mês, segundo Segatto, que considera os números alarmantes. Apesar disso, reafirma o compromisso de “continuar cumprindo nosso papel, porque informação verdadeira também ajuda a salvar vidas”.
Com informações do Uol, Yahoo! Notícias e TV Cultura