A realidade de isolamento social fez aumentar a violência contra a mulher durante a pandemia, com números que apontam para uma prevalência do assassinado de mulheres negras. Apontamento feito pelo Monitor da Violência, uma parceria do G1 com o Núcleo de Estudos da Violência da USP e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, indica que cerca de 75% das mulheres assassinadas no primeiro semestre de 2020 no Brasil são negras.
O alto percentual é atribuído por especialistas ao fato de as mulheres negras serem mais vulneráveis socialmente, condição esta que dificulta a denúncia de crimes e o acesso a serviços públicos de proteção na pandemia.
“As mulheres negras são mais pobres, moram em áreas mais precárias, mais distantes da rede de atendimento. Têm menos recursos financeiros para procurar ajuda, para conseguir um carro, um transporte, e têm redes de apoio menores”, explica a socióloga e consultora Ana Paula Portella.
De acordo com o G1, especialistas afirmam ser importante ter dados sobre as raças das vítimas de violência para entender como os crimes acontecem entre os diferentes grupos populacionais. De posse dessas informações, os governos podem pensar políticas públicas específicas para grupos vulneráveis.
“A gente termina formulando políticas pretensamente universais, que iriam atender a todas as mulheres, mas, na verdade, a gente termina atendendo só as mulheres brancas. Isso segue reforçando e reproduzindo a vulnerabilidade das mulheres negras, porque não há políticas específicas voltadas para as necessidades delas e seus riscos específicos”, diz Ana Paula.
Mulheres e questão racial
Todos os estudiosos envolvidos com o levantamento atestam que os contextos de violência entre mulheres brancas e negras é diferente por causa do racismo institucional e estrutural.
“Desde 1996, nós temos o quesito de raça/cor nos documentos de saúde pública. A gente tem que poder cruzar isso com as outras variáveis, com as condições de vida que a mulher estava inserida quando houve a mortalidade para conseguir entender os contextos”, diz Jackeline Romio, pesquisadora da Universidade de São Paulo.
Portella ainda afirma que em um país formado por maioria negra, é essencial entender os perfis raciais. “O Brasil é um país de maioria negra, com 56% da população preta ou parda. E a gente tem um impacto imensamente desproporcional da violência, assim como a gente tem de outras vulnerabilidades, sobre essa população negra”, diz ela, que acrescenta: “Então é essencial que, em qualquer análise que se faça, a gente procure verificar como o problema se apresenta para a população branca e para a população negra.”
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Por isso, defendem os especialistas, a transparência e a divulgação destas informações raciais são tão importantes. “Se você não tem evidências, não comprova, não diagnostica e não pode exigir políticas de correção para essas barreiras”, diz Romio.
Isabela Sobral e Juliana Martins, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, concordam. “A ausência dessa informação sugere uma cegueira institucional por parte das secretarias de Segurança Pública. Se não conseguimos ver qual o problema, não conseguimos enfrentá-lo”, dizem. “Que políticas públicas são essas que protegem apenas parte das vidas que devem ser preservadas?”
Transparência
O estudo destaca que mais de um terço dos estados do país não divulga a raça das mulheres vítimas de violência, e mesmo entre os que divulgam, os dados apresentam falhas, já que, em boa parte, o campo aparece como “não informada”. Os dados, inéditos, estão baseados em informações oficiais dos 26 estados e do Distrito Federal.
Total de mulheres vitimadas
Segundo o monitoramento, ao longo de seis meses um total geral de 1.890 mulheres foram vítimas de homicídios dolosos em todo o Brasil. Desse total, 631 foram tipificados como feminicídios – casos em que a mulher é morta apenas pelo fato de ser mulher. O estado do Acre lidera o ranking nacional de feminicídios, com 1,8 casos por 100 mil mulheres.
Outros indicadores
O levantamento também buscou indicadores relacionados a agressões e estupros que acontecem no contexto de violência doméstica, que registraram queda de quase 50%.
Ao contrário dos assassinatos, esses crimes tiveram baixa, com queda de 11% de lesões corporais e redução de aproximadamente de estupro (21%) e estupro de vulneráveis (20%).
Especialista atribuem a baixa nos registros desses outros crime à uma subnotificação, ou seja, menos mulheres estão denunciando. As dificuldades de acesso aos canais de denúncias, somadas à redução nos horários de atendimentos dos serviços públicos teriam dificultado o registro dos crimes por essas mulheres.
Os que mais revelam os dados:
- Dos 10 estados que não divulgaram os dados de forma completa, sete não apresentam nenhuma informação sobre raça e três têm apenas números parciais;
- Em mais da metade dos casos de quatro dos cinco crimes pesquisados não consta a raça, seja porque ela não foi divulgada, seja porque o campo aparece como ‘não informada’;
- Dos 889 homicídios com a raça informada, 650 (73%) foram cometidos contra mulheres negras;
- No caso dos feminicídios, as mulheres negras representam 60% do total (198 dos 333 crimes em que a raça está disponível);
- Nos casos de lesão corporal, as negras compõem 51% das vítimas em que a raça é informada;
- O percentual das mulheres negras vítimas de estupro é de 52% (1.814 de 3.472 registros).
Com informações do G1