O fantasma do anticomunismo ainda ronda o Brasil. É o ponto em comum entre civis e militares que compõem a ultradireita brasileira. A homofobia, o racismo, o machismo, a misoginia, a intolerância religiosa, o ódio à cultura, a visão destrutiva da natureza, a exacerbação dos valores do capitalismo e a hipocrisia moralista, constituem o repertório fascista. Traduzido em fake news ou em lendas urbanas, tipo kitgays e mamadeiras de piroca, eles alimentam o discurso anticomunista de ódio e destruição do bolsonarismo.
Evidente que existem diferentes níveis de compreensão entre empresários, evangélicos pentecostais, militares das Forças Armadas e simples soldados das polícias militares estaduais. O significado do “perigo comunista” para o evangélico comum é representado pelo fechamento de suas igrejas, enquanto para um major do exército é a hipotética subversão, a quebra da disciplina e o alinhamento com Cuba e Venezuela. Também quanto ao risco de um governo do PT de Lula levar o país a um regime socialista e alcançar o comunismo, os chefes do bolsonarismo sabem que é um risco zero. Mas se utilizam do fantasma do “comunismo fake” como pano de fundo e bandeira geral da ultradireita brasileira que consegue ser a um só tempo fascista e entreguista.
E a soma do anticomunismo com o ódio ao PT e à esquerda, aos pobres viajando de avião, aos pretos nas universidades e às pessoas do mesmo sexo andando de mão dadas , resultou nos 58 milhões de votos em Bolsonaro. E muito pior , possibilitou a formação de uma militância armada e fortemente financiada por empresários , estimulada e talvez organizada por militares mas composta por arruaceiros, marginais e fanáticos que produziram o espetáculo dantesco de 8 de janeiro.
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A sorte das forças democráticas é que os arruaceiros e marginais são por natureza descontrolados. E ao invés de ocuparem as sedes dos três poderes eles realizaram um quebra-quebra brutal, filmado por eles mesmos , que horrorizou o Brasil e afrontou o senso de dignidade dos cidadãos.
Mas o fato é que as sedes dos três poderes da República, inclusive o Palácio do Planalto com seus batalhões do Exército, foram tomados sem um tiro. Nenhuma resistência. E a violência foi exercida unilateralmente apenas com paus, pedras e barras de ferro pelos arruaceiros fascistas. Não é preciso muita imaginação para adivinhar o que teria sucedido se os fascistas tivessem simplesmente se sentado nas cadeiras presidenciais e nos plenários do Legislativo, do Executivo e do Judiciário, e declarado solenemente a vacância de poder nas três esferas. Quantas horas ou dias seriam necessários para uma negociação ou para a desocupação dos espaços físicos dos poderes pela força? A arruaça e a violência contra o patrimônio físico provocaram um efeito contrario para os bandidos fascistas. A impressão é que o plano que incluía a derrubada de torres de energia elétrica, ocupação de refinarias e bloqueio de acesso aos aeroportos deu errado por conta da baderna de Brasília.
A boa estrela e o bons sentimentos Lula e Alckmin os levaram para fora de Brasília no domingo fatídico e a arruaça foi, corretamente, qualificada como terrorismo provocando uma imediata reação de todas as forças politicas nacionais, mesmo de direita em torno do presidente democraticamente eleito. Uma grande onda nacional e internacional de solidariedade formou-se em defesa da democracia brasileira.
Sob forte emoção politica Lula tomou uma segunda posse na reunião de todos os governadores e dos representantes dos poderes legislativo e judiciário sob a sua presidência. Lula valorizou o gesto e parece ter percebido a profundidade da situação.
Mas a fragilidade de poder do novo governo foi de qualquer forma exposta , principalmente nas dimensões do aparato de segurança das forças militares e da inteligência. O que não é pouco.
A recomposição do governo nos planos politico e militar vai exigir ainda mais austeridade, pompa e circunstância dos seus signatários. Ministros e dirigentes públicos precisarão exercer suas funções com o dobro de solenidade e eficiência. Falar menos e fazer mais. Mais do que nunca a Nação precisa exigir de suas Forças Armadas o compromisso constitucional com a disciplina, a hierarquia e o Estado de Direito Democrático.
Por Domingos Leonelli, ex-deputado federal e coordenador do site Socialismo Criativo