Um estudo conduzido por uma equipe de médicos franceses pode alterar profundamente o que se sabe sobre a transmissão do novo coronavírus na Europa.
Análises de exames realizados ainda no fim do ano passado apontaram que em dezembro um pescador – que não fizera nenhuma viagem ao exterior em mais de um ano – estava com Covid-19. Oficialmente, autoridades francesas consideram que a doença foi diagnosticada no país pela primeira vez um mês depois. Na China, estima-se que o novo coronavírus começou a circular no fim do ano passado – o primeiro alerta sobre a doença foi recebido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 31 de dezembro.
“A identificação do primeiro paciente infectado é de grande interesse epidemiológico, pois altera drasticamente nosso conhecimento sobre a SARS-COV-2 e sua disseminação no país (França). Além disso, a ausência de um vínculo com a China e a falta de viagens recentes sugerem que a doença já estava se espalhando entre a população francesa no final de dezembro de 2019”, diz trecho de artigo publicado na plataforma ScienceDirect.
O estudo
O estudo é liderado pelo médico francês Yves Cohen, que junto com outros profissionais revisou os exames de 14 entre 58 pacientes que foram internados em UTIs da França entre 2 de dezembro de 2019 e 16 de janeiro de 2020, com diagnóstico semelhante ao de terem contraído influenza. Os novos exames, contudo, apontaram que um paciente de 42 anos estava na verdade com o novo coronavírus.
O paciente foi identificado pela rede inglesa BBC como sendo Amirouche Hammar, um argelino que mora na França. Ele se apresentou à emergência de um hospital próximo a Paris em 27 de dezembro, e ficou dois dias na UTI com tosse seca, febre e dificuldade para respirar.
A conclusão do estudo conduzido por Cohen fez com que a Organização Mundial da Saúde (OMS) pedisse na terça-feira (5) que outros países revisem exames de pacientes diagnosticados com pneumonia nos dois últimos meses de 2019.
Impacto
Ao Estadão, dois pesquisadores da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) analisaram possíveis impactos de um novo marco do início da disseminação do coronavírus. Ambos apontam que isso não necessariamente teria impacto na curva de contaminação – o crescimento seria parecido -, mas poderia ter antecipado políticas para evitar o contágio.
“Quando se gera um alerta, normalmente ele já é tardio, já se tem muitos casos. Então, era esperado que os casos já vinham acontecendo há muito tempo”, considera Rodrigo Daniel de Souza, infectologista do Hospital Universitário da UFJF e membro do comitê de monitoramento e orientação de condutas sobre o novo coronavirus da universidade. O pesquisador, contudo, concorda com a orientação da OMS. “O ideal é que todos os países que tenham amostras de secreção respiratória, de casos de pneumonia de novembro e dezembro do ano passado, testar essas amostras. Isso mostraria bem claro que talvez aquele conceito de só considerar que pessoas que viajaram naquele período (podiam estar infectadas) era equivocado. Isso pode ser servir de alarme para aquelas cidades que hoje acham que estão protegidas, mas que talvez já tenham alguns casos.”
A possibilidade de erros na condução de políticas públicas também é vista pelo pesquisador Rodrigo Weber, especialista em Modelagem Computacional e que estuda a disseminação do vírus.
“Com relação a curva epidêmica, ou seja, como está sendo a evolução da doença no país, essa informação (primeiro caso) não me parece essencial. O grande impacto está no atraso da resposta do governo, em termos de políticas de isolamento social e adequação da infra-estrutura de saúde do país”, avalia. “Não afeta muito o futuro da dinâmica da doença, mas é claro que se este possível paciente com coronavirus tivesse sido identificado mais cedo, o país teria tido mais tempo para se preparar contra a pandemia.
Com informações do Estadão.