por Charles Siqueira em 11/07/2018.
Origens criativas
Muito prazer, sou Charles Siqueira. Pernambucano de adolescência baiana, vivo e trabalho no Rio de Janeiro há 27 dos meus já 49 anos dedicando-me a reunir parceiros em prol da melhoria da qualidade de vida de populações periféricas, especialmente de favelas cariocas, com ações que hoje estão sendo designadas como vetores de Economia Criativa para a Inclusão Social, mas no início não tinham pretensão de serem nominadas. Tampouco obter os resultados em escala como os daquelas ações solidárias de homens e mulheres (jovens, velhos e até crianças) que passamos a chamar de INGs – Indivíduos Não Governamentais. Ao criar tal conceito buscamos afirmar já em nossa identidade comum que o poder de transformar o mundo envolve o seu entorno e responsabiliza qualquer um/a.
Perfil empreendedor
De cara, acredito que seja mais importante qualificar este que escreve a você, dando as linhas gerais do que pretendo compartilhar – se me der o prazer de estarmos junto/as mensalmente. Esta coluna pretende olhar para um aspecto em particular: a força de ações concretas (sejam individuais, coletivas ou institucionalizadas) no destino das pessoas e o sucesso de seus empreendimentos; considerando também os erros aprendidos – o lado “b” de qualquer iniciativa, sempre tão capaz de nos ensinar a sermos melhores em nossas intenções. Vou me amparar em muitos dados, mas saibam que essas palavras terão sempre muito de opinião. Nessa jornada terei a ajuda de colaboradores diversos, do Brasil e da Inglaterra (há anos um país parceiro de nossas iniciativas e um ecossistema de inovação bastante desenvolvido quando falamos da criatividade impactando economia e desenvolvimento urbano); também espero aprender com dicas, opiniões, dúvidas e críticas de cada um/a de vocês que nos der o prazer de acompanhar essas narrativas. Ratificando, retificando e ampliando os sentidos de palavras e conceitos aqui presentes.
Enxergo os três conceitos associados ao tema aqui sob minha responsabilidade (Economia, Criatividade e Sociedade) como palco da ação de sujeitos, mesmo quando utilizamos a ótica dos números para desenhar visões de mundo ou constituir ferramentas que ajudem na sua “gestão”. Recorrerei muito a eles: números por vezes são frios e distantes (quando equiparam pessoas a processos) mas tantas vezes são necessários para estabelecer indicadores que ajudam a enxergar resultados. Mas essa não será a coluna de especialistas e sim de sujeitos em ação para melhorar a qualidade de vida de quem segue historicamente prejudicado/a pela má-distribuição de recursos e riquezas. Buscando aprender com as ações de outros sujeitos – em configurações que podem variar do indivíduo e da escala das organizações civis ou ainda no nível de políticas públicas, já que não creio sermos governados (ainda?) por máquinas ou algoritmos, e sim por pessoas investidas de vontade e/ou poder.
Pretendo incluir perspectivas teóricas – já que pesquisa e inovação são conceitos-chave no universo em construção da Economia Criativa -, mas iluminar casos concretos é o que mais pretendo fazer aqui e gostaria de ter a companhia de um sujeito pensante e atuante para a melhoria da vida em igualdade social – você.
Convite surpresa
Recebi o convite para colaborar com o site Socialismo Criativo com honra, alegria e algumas dúvidas. Primeiras reflexões: quem sou eu para ladear personalidades tão relevantes das áreas de empreendedorismo, gestão e economia, como o/as companheiro/as colunistas? O que tenho a contribuir que não possa ser melhor abordado por palavras e ideias daquele/as especialistas que admiro?
Não encontrei a resposta e deixarei essa conclusão para vocês, ao longo do tempo. Topo o desafio não de competir com ele/as; perderia: não sou “sério” o suficiente, nem tão formal na escrita ou rigoroso com conceitos. Criei coragem de encarar esse público por uma personalidade inquieta que deseja naturalmente conhecimento e não-acomodação (e se obriga à ampliação de saberes e à confrontação de pontos de vista), tão explícita no caminho de (in)formação disperso e multifacetado percorrido até agora: Letras, Dança Contemporânea, Filosofia e Gestão Ambiental. Não é trajetória de foco, mas de quem segue como indivíduo aberto e curioso, construindo uma livre jornada, respeitada e apoiada por instituições nacionais e internacionais e espalhando-se pelo Brasil, mas acima de tudo admirada pelos moradores das minhas comunidades. O convite que lhe faço é o de seguir conosco conhecendo as inquietações daquele/as que transformam vidas pelas novas maneiras de aprender, ensinar e produzir, características da revolução criativa em expansão no mundo. Se tens essa curiosidade convido-te para junto/as seguirmos revelando outro/as.
Viagem conjunta
O questionamento seguinte também foi natural: um sujeito, cujo ethos e ações tem resultados políticos identificados com a esquerda, mas que nunca foi partidário é passível de encontrar espaço num porto firme de posição ideológica tão definida?
Para essa pergunta tenho menos resposta ainda. Porém confio mais uma vez na trajetória passada para superar armadilhas de um mundo de polarização apaixonada que costumo explicar como um momento que diminui a relevância das Ágoras (os espaços públicos de opinião cidadã da Grécia Antiga) e a substitui pela espetacularização das arenas de luta romanas. Diversão com barbárie, no universo tecnológico das telas de um smartphone – patrimônio simbólico dessa era capitalista.
Há anos como articulador comunitário na favela onde vivo no Rio de Janeiro ou nas demais que influencio, sempre foi sedutora a perspectiva de usar capital moral a serviço de indivíduos políticos. Entendi que quão mais longe de uma cena partidária me mantivesse (sem desmerecer a esfera político-partidária) mais forte seria o grau de coesão comunitária. Irmão de outro/as 15, aprendi cedo a conciliar para manter a união e segui vida afora acreditando que não ter posições cristalizadas pode levar a caminhos transformadores; uma aprendizagem da Filosofia (busca aberta, sempre refratária a “certezas”) e um acerto que proporcionou o status único no meu cenário de inimigos figadais: de chefes de tráfico a comandantes da polícia – não pairaram dúvidas sobre intenções e princípios que regem meu trabalho. Sem cumplicidade, mas com uma confiança conquistada, por exemplo, ao não enxergar a polícia como vetor de corrupção e violência (senso comum no Rio); tampouco no traficante um monstro a ser eliminado para o bem da segurança pública.
Organizando os sonhos
Espero que esse posicionamento estruturante me permita trazer a esta página, entre erros e acertos, a grandeza do trabalho de qualquer um/a; não apenas de alinhamentos às minhas próprias ideologias (ou do site). Concordo, discordo, questiono, critico, aponto as falhas, reafirmo minhas convicções (ou as altero, se assim for), mas mantendo respeito pelas demais. Isso também peço a você e esse entendimento é indispensável em nossa relação que começa agora.
Sou artista desde que amei o forró dos barracões no sertão pernambucano. Descobri a break-dance e o som pop de Michael Jackson e Madonna, em apresentações do Grupo Alpha na TV Itapoan, em Salvador; estudei dança contemporânea na escola de Angel Vianna, no Rio. Em meu gosto por mestre/as, formei-me na companhia de Paula Nestorov e Antonio Saraiva, um grupo que inovou como híbrido de dança e música na cena contemporânea carioca, que nos anos 90 tornava-se destaque no mundo e profissionalizou uma ampla geração, em franca produtividade até hoje.
Abandonei a segurança do Banco do Brasil para viver economicamente de Arte, o que exigiu muita criatividade além dos palcos (e um posicionamento entre a loucura e a coragem, para alguém financeiramente pobre). Tornei-me professor e conheci o Morro dos Prazeres, uma favela de 7 mil moradores, no alto do charmoso bairro de Santa Teresa. Encontro mágico: uma população feita de negros (como o meu centenário pai), mineiros e nordestinos como eu. Ali fundei o Dança pra Galera com dezenas de crianças que cresceriam ao longo dos 16 anos seguintes e seriam a espinha dorsal de um projeto de desenvolvimento comunitário que envolveu centenas de vidas e desdobrou-se em iniciativas variadas como a Galera.com (núcleo de produção gráfica e audiovisual) e o Núcleo de Educação e Formação Humana (educação complementar à jornada escolar com leitura, informática, artes, educação ambiental e valores solidários). Também o Prazeres Tour, uma cadeia de produção e geração de renda legal através de atividades turísticas de bases comunitárias; o Jardim dos Prazeres e o Caminho do Graffiti, ações de valorização das paisagens e da autoestima locais. Mais recentemente, a CriaAtivo Film School – qualificação profissional de jovens de 82 favelas e periferias do Rio, realizado em parceria com a Prefeitura do Rio de Janeiro. Projetos, ações e iniciativas que moldam uma organização não-governamental, o Instituto Cultural Pólen.
Metas possíveis
Os desdobramentos das iniciativas e a herança indireta daquelas ações; o impacto na formação e na vida econômica dos jovens e da comunidade ao longo dos anos; a transformação de um local antes isolado e sob domínio total de traficantes para uma comunidade aberta ao mundo, interagindo com outros países e articulando sua segurança a partir da consolidação de uma rede forte de protagonistas do território, intermediando o diálogo e minimizando confrontos letais entre policiais e traficantes de drogas serão o destaque da nossa próxima coluna.
Espero ter o seu interesse, atenção e participação.