A estrutura oferecida a pesquisadores brasileiros, a falta de investimentos e os ataques em relação à ciência vindos do governo de Jair Bolsonaro (sem partido) e até de grande parte da população tem os levado a deixar o Brasil. Nem mesmo a concessão de financiamentos privados de grande porte a importantes projetos tem sido suficiente para manter os cientistas ligados às instituições brasileiras.
O contingenciamento dos recursos destinados à área, segundo alguns dos pesquisadores que deixaram o país em entrevista concedida à Folha de S.Paulo, podem não afetar diretamente os recursos privados da ciência, mas afetam a estrutura de toda a cadeia necessária para a pesquisa científica, que sofre as consequências, seja no setor público ou no privado. A forma com que a ciência tem sido tratada como um todo inclusive em debates políticos tem sido decisiva.
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Financiamento milionário insuficiente
O Instituto Serrapilheira, que utiliza recursos de um fundo de R$ 350 milhões, única instituição privada cujo objetivo é financiar pesquisas de ponta no Brasil, tem enfrentado dificuldades improváveis de serem enfrentadas em sua curta história. Em apenas quatro anos de existência, o instituto teve quatro evasões e cerca de seis pesquisadores em dúvida sobre a permanência no país. Quase todos nos últimos dois anos.
O dado parece pequeno, mas a instituição é disputada e trabalha com um pequeno número de cientistas, garantindo um alto financiamento nas pesquisas. O objetivo é exatamente manter pesquisadores com potencial internacional e suas pesquisas funcionando no Brasil.
Dos cerca de dois mil candidatos que se apresentam anualmente, pouco mais de 20 são selecionados. Além disso, os pesquisadores aprovados pelo instituto recebem um fomento inicial de R$ 100 mil, que pode ser ampliado para R$ 1 milhão e depois renovado. São muito raros os projetos de pesquisa com financiamento público a alcançar valores semelhantes no país.
Instabilidade e contingenciamento afastam pesquisadores
Segundo Edgard Pimentel, pesquisador do Departamento de Matemática da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), a maior motivação para deixar o país é a falta de estabilidade de alguns processos da esfera científica. Para Pimentel, “Isso fica evidente nos sucessivos cortes e contingenciamentos que afetam o sistema de ciência e tecnologia no país”. O cientista, contemplado com financiamento do Instituto Serrapilheira em 2019, destaca o recente corte nas bolsas de iniciação científica no Brasil.
O corte a que se refere o pesquisador é o anunciado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), uma das principais agências responsáveis pelo financiamento da ciência brasileira, que em 2021 só conseguirá pagar bolsas a 396 dos 3080 dos doutorados e pós doutorados que foram aprovados para receber o benefício. Isso significa que apenas 13% dos pesquisadores aptos a serem financiados efetivamente o serão, o que, em muitos casos, inviabiliza pesquisas científicas inteiras.
Pelos cálculos da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), com base nos números originais do projeto de lei do orçamento, o CNPq terá 10% a menos de recursos para bolsas neste ano, com o agravante adicional de que mais de 60% desses recursos dependerão da liberação de créditos suplementares pelo Congresso ao longo do ano. O montante efetivamente garantido no orçamento, cerca de R$ 378 milhões, seria suficiente para pagar apenas quatro meses de bolsas.
Pesquisadores massacrados
A questão da estrutura e do financiamento são parte do problema, que é mais grave ainda. Cientistas apontam o descrédito generalizado em relação à ciência que cresce no país como um dos responsáveis pela evasão de profissionais. O físico Mario Leandro Aolita, nascido na Argentina e professor da UFRJ, tirou licença não remunerada da universidade federal brasileira e está montando seu grupo de pesquisa nos Emirados Árabes. Ele aponta que no Brasil, “não se tem muita valorização do cientista de maneira geral”.
O pesquisador lembra que o governo Trump, assim como o de Bolsonaro, também queria diminuir os recursos para a pesquisa, mas nos Estados Unidos, ao contrário do que aconteceu aqui, o Congresso impediu os cortes. Isso ocorreu, segundo Aolita, por já existir uma compreensão sobre a importância da Ciência. O físico teórico Rafael Chaves, pesquisador do Instituto Internacional de Física da UFRN, concorda. Segundo ele, a ciência tem sido massacrada.
“Para muita gente, o professor é comunista, parasita, a pesquisa brasileira feita em instituições públicas não vale nada. Achávamos que a pandemia ia melhorar a compreensão sobre o método científico, mas o debate público brasileiro infelizmente é muito pobre.”
Rafael Chaves
Socialista manifesta indignação
O deputado federal Alessandro Molon (PSB-RJ) manifestou em suas redes sociais indignação diante dos fatos. O parlamentar, que é líder da Oposição na Câmara, usou seu twitter para pedir novamente a saída do presidente Bolsonaro.
Com informações de Folha de S. Paulo e Jornal da USP