
Sonia Braga em cena de Bacurau, premiado em Cannes. Foto: divulgação
Quanto custará ao Brasil, em termos econômicos, o desprezo de Bolsonaro pela arte e pela cultura? Em 2018, o setor foi responsável por 2,64% do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro e por, pelo menos, 1 milhão de empregos diretos, segundo dados oficiais do governo –e está em franca ascensão. Só o setor de audiovisual, aparentemente o mais odiado pelo bolsonarismo, movimenta 0,5% do PIB, ou 43 bilhões de reais. Vale a pena abrir mão desse dinheiro e destes empregos em nome de uma ideologia conservadora, apenas para perseguir artistas porque “são de esquerda”? O exemplo de outros países mostra o contrário.
Nos Estados Unidos, o setor de artes e cultura fatura U$804,2 bilhões anuais, ou 4,3% do PIB, segundo dados oficiais do governo norte-americano. De acordo com o estudo, na terra do cinema hollywoodiano, o valor agregado ao PIB pela produção artística e cultural é quase cinco vezes maior que o do setor agrícola. Artes e cultura somam quase US$60 bilhões a mais do que a construção e US$227 bilhões a mais do que transporte e armazenagem para a economia dos EUA.
As artes e bens culturais criam ainda um superávit comercial: em 2016, os EUA exportaram quase US$5 bilhões a mais em bens e serviços de artes e cultura do que importaram, um aumento de 12 vezes em 10 anos, impulsionado por filmes e programas de TV, publicidade e software relacionado a artes, como videogames. A taxa de crescimento média anual de artes e cultura supera a taxa de crescimento da economia total dos EUA: de 2014 a 2016, a taxa média anual de crescimento na contribuição de artes e cultura foi de 4,16%, quase o dobro da taxa de crescimento de 2,22% da economia total dos EUA.
Na terra do cinema hollywoodiano, o valor agregado ao PIB pela produção artística e cultural é quase cinco vezes maior que o do setor agrícola. Artes e cultura somam quase US$60 bilhões a mais do que a construção e US$227 bilhões a mais do que transporte e armazenagem para a economia dos EUA
Os gastos do consumidor com as artes performáticas nos EUA, assim como no mundo, vêm aumentando significativamente. Entre 1998 e 2016, a taxa de gastos do consumidor com ingressos para artes cênicas mais do que dobrou, passando de 0,12% do PIB dos EUA em 1998 para 0,26%, totalizando US$32,7 bilhões em 2016.
Ora, os defensores do “livre mercado” e da “livre iniciativa” podem argumentar que, nos EUA, não há incentivo público à cultura e que tudo é feito pela iniciativa privada. Mas na França, outro país onde a arte e a cultura são respeitadas e reverenciadas pelo governo, na véspera do do 72º Festival de Cannes, o presidente do país, Emmanuel Macron, convidou 130 nomes da cultura (mídia, cinema, teatro, livros, música, videogames, design…) para um almoço no Eliseu sobre o futuro.
E anunciou a criação de um fundo de investimento público de nada menos que 225 milhões de euros para a cultura, com prioridade para o cinema. “A decisão foi tomada e será orçamentada”, disse o chefe de Estado, que prometeu um plano de ação até o final de 2019. Um plano cuja principal participação é “a defesa da soberania”.
☕️ Emmanuel Macron annonce un fonds de 225 millions pour l’industrie culturelle, le cinéma prioritaire https://t.co/gDf9qyCjNl pic.twitter.com/udzP4deU6Q
— Next INpact.com (@nextinpact) May 14, 2019
O compromisso de investir nessas Indústrias Criativas, que representam 600 mil empregos e 45 bilhões de euros de valor agregado na França, foi assumido durante a campanha presidencial. Ainda candidato, Macron havia prometido 200 milhões de euros à “semente e desenvolvimento de empresas inovadoras”. O presidente também anunciou um “fortalecimento das capacidades atuais da Instituto para o Financiamento do Cinema e das Indústrias Culturais”, que se tornará “uma realidade em 1º de janeiro de 2020”.
No mesmo festival de Cannes, três cineastas brasileiros foram premiados: Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles ganharam o prêmio principal da crítica por Bacurau, e Karim Aïnouz recebeu o primeiro prêmio da mostra Un Certain Regard, a segunda mais importante do festival, por A Vida Invisível de Euridice Gusmão. “Seguimos fazendo filmes lutando contra a realidade brasileira. Neste momento, a cultura no Brasil está sendo abandonada”, disse Dornelles.
“Esses prêmios para ‘Bacurau’ e para Ainouz são irônicos. Há um sentimento que o cinema está sendo destruído internamente e espero que isso possa ajudar a mudar as coisas”, comentou Mendonça. O co-diretor dedicou o prêmio aos trabalhadores do audiovisual, da cultura e da educação brasileiros, tão atacados na era Bolsonaro.
Juliano dedicando o nosso prêmio aos trabalhadores da Cultura, da Educação e da Pesquisa. Michael Moore ao fundo. 25 Maio 2019. @jdornelles pic.twitter.com/0LmaN5y44u
— Kleber Mendonça Filho (@kmendoncafilho) June 3, 2019
O compromisso de investir nessas Indústrias Criativas, que segundo números diferentes representam 600.000 empregos e 45 bilhões de euros de valor agregado na França, foi assumido durante a campanha presidencial. Quando ainda candidato, Macron prometeu 200 milhões de euros dedicados à “semente e desenvolvimento de empresas inovadoras”. O Presidente também anunciou um “fortalecimento das capacidades atuais da Instituto para o Financiamento do Cinema e das Indústrias Culturais (IFCIC)”, que se tornará “uma realidade em 1º de janeiro de 2020”.
“É um desmonte do audiovisual e cultura. Aliás, da indústria criativa como um todo. Como, no mesmo ano em que retiram o apoio da Petrobras, que é um grande patrocinador da cultura, também paralisam a Rouanet?”
Enquanto isso, no Brasil, Bolsonaro extinguiu o ministério da Cultura, cancelou o patrocínio das estatais a eventos culturais e não perde a oportunidade para detonar a Lei Rouanet, principal mecanismo de incentivo à arte e a cultura. As perspectivas são as piores possíveis para o setor. “É um desmonte do audiovisual e cultura. Aliás, da indústria criativa como um todo. Como, no mesmo ano em que retiram o apoio da Petrobras, que é um grande patrocinador da cultura, também paralisam a Rouanet? Isso é muito grave”, disse a diretora da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, Renata de Almeida, à revista Veja. A mostra quase não se realiza este ano por conta do fim do patrocínio da Petrobras.
“Entendo que a lei precisa ser aperfeiçoada, mas é preciso ter um plano. Não se pode, simplesmente, parar tudo. E você vê as notícias sobre o corte de verbas para universidades e pensa: o que fazem os países modernos, que têm os melhores índices de educação? Valorizam a cultura. Porque cultura é uma forma de educação, elas andam juntas.”