O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) participou nesta quinta-feira (22) da Cúpula de Líderes sobre o Clima. O discurso do líder do Brasil é repleto de informações falsas, imprecisas e descontextualizadas. Confira trechos da checagem feita pela Folha de S.Paulo do pronunciamento do chefe do Executivo.
Bolsonaro não tem compromisso com meio ambiente
"O Brasil é detentor da maior biodiversidade do planeta e potência agroambiental, o Brasil está na vanguarda do enfrentamento ao aquecimento global."
Embora o Brasil realmente seja considerado o país com a maior biodiversidade do mundo, isso não se reflete no compromisso do governo de Jair Bolsonaro com o meio ambiente.
O Brasil liderou em 2020 o ranking mundial de desmatamento. O país concentrou mais de um terço da superfície de florestas virgens devastadas no planeta, cerca de 1,7 milhão de hectares, segundo o relatório Global Forest Watch, divulgado pelo World Resources Institute.
"O Brasil participou com menos de 1% das emissões históricas de gases de efeito estufa"
Segundo o Climate Watch, plataforma do World Resources Institute, o Brasil foi responsável por 4,3% das emissões no acumulado total da série histórica, que vai de 1990 a 2018 e inclui emissões de gases de efeito estufa por mudança no uso da terra e silvicultura (LUCF, na sigla em inglês); já na série histórica que começa em 1850 e vai até 2018, mas não inclui emissões por LUCF, o Brasil foi responsável por 1,7% das emissões.
"...mesmo sendo uma das maiores economias do mundo. No presente, respondemos por menos de 3% das emissões globais anuais".
Com um PIB de US$ 1,84 trilhão em 2019, de acordo com dados do Banco Mundial, o Brasil era a 9ª maior economia. Os dados mais recentes do Climate Watch, de 2018, apontam que o Brasil foi responsável por 2,9% das emissões de gases de efeito estufa, considerando as por LUCF. Se excluídas estas emissões, o país respondeu por 2,2% do total daquele ano.
Brasil não investe em agricultura sustentável
"No campo, promovemos uma revolução verde a partir da ciência e inovação. Produzimos mais utilizando menos recursos, o que faz da nossa agricultura uma das mais sustentáveis do planeta. Temos orgulho de conservar 84% de nosso bioma amazônico e 12% da água doce da Terra".
No ranking de agricultura sustentável do Índice de Sustentabilidade Alimentar, desenvolvido pela Economist junto com o Centro Barilla para Comida e Nutrição, o Brasil aparece na 51ª posição, com nota de 64,2 — a pontuação é uma média ponderada dos indicadores nas categorias de água, solo, emissões e usuários do solo e, quanto maior o índice, mais sustentável é a agricultura. Em primeiro lugar está a Áustria, com 79,9, seguida da Dinamarca, 79,6, e de Israel, 78,3.
De acordo com o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), até agora, cerca de 700 mil km² já foram desmatados na região, o que corresponde a 17% da cobertura original da floresta, ou seja, 83% da vegetação original ainda está preservada.
Apesar da abundância de recursos hídricos, representantes da Unesco, da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e da Rede Brasil do Pacto Global avaliam que as fontes de captação brasileiras –majoritariamente mananciais– não assistiram a avanços em inovações que pudessem evitar de forma significativa o desperdício. Além disso, a má qualidade da água nas regiões mais pobres, resultado da falta de saneamento básico e higiene, ainda é motivo de preocupação para os especialistas.
Bolsonaro não levou novidades
"À luz de nossas responsabilidades comuns, porém diferenciadas, continuamos a colaborar com os esforços mundiais contra a mudança do clima. Somos um dos poucos países em desenvolvimento a adotar, e reafirmar, uma NDC [Contribuição Nacionalmente Determinada] transversal e abrangente, com metas absolutas de redução de emissões inclusive para 2025, de 37%, e de 43% até 2030."
Bolsonaro frustrou parte das expectativas dos americanos, ao não anunciar medidas mais ambiciosas. Ele repetiu as metas já assumidas pelo país e o compromisso expresso em carta enviada a Biden.Embora tenha mantido o objetivo de redução, o Brasil mudou a linha de base de cálculo sobre as emissões de 2005, que se mostraram superiores com o novo método. Ao mudar a linha de base sem ajustar a meta, o Brasil eleva seu teto de emissões até o fim da década, podendo emitir até 400 milhões de toneladas de gases-estufa a mais do que o previsto no compromisso anterior.
"Entre as medidas necessárias para tanto, destaco aqui o compromisso de eliminar o desmatamento ilegal até 203014, com a plena e pronta aplicação do nosso Código Florestal. Com isso reduziremos em quase 50% nossas emissões até essa data."
O desmatamento na Amazônia cresceu cerca de 9,5% de agosto de 2019 a julho de 2020 em comparação com o período anterior, de 2018 a 2019. No total, foram derrubados 11.088 km² de floresta nesse intervalo de tempo. Os dados consolidados do ano são os primeiros totalmente sob responsabilidade do governo Bolsonaro.
Desmonte dos órgãos ambientais
"Há que se reconhecer que será uma tarefa complexa. Medidas de comando e controle são parte da resposta. Apesar das limitações orçamentárias do Governo, determinei o fortalecimento dos órgãos ambientais, duplicando os recursos destinados às ações de fiscalização. Mas é preciso fazer mais."
Em seus dois primeiros anos de governo, Bolsonaro promoveu um processo de desmonte e esvaziamento dos órgãos responsáveis por cuidar do meio ambiente e das questões indígena e agrária. Como resultado, paralisia generalizada, embates internos, retrocessos, um ministro sob constante pressão para ser substituído — Ricardo Salles, do Meio Ambiente— e uma coleção de números negativos, o que, entre outras consequências, resultou em uma forte degradação da imagem do país no exterior.
"Devemos aprimorar a governança da terra, bem como tornar realidade a bioeconomia, valorizando efetivamente a floresta e a biodiversidade. Esse deve ser um esforço, que contemple os interesses de todos os brasileiros, inclusive indígenas e comunidades tradicionais."
Sinéia Alves, gestora ambiental do Conselho Indígena de Roraima e única brasileira além de Bolsonaro a participar da Cúpula do Clima, avalia que o desmonte de políticas voltadas para as comunidades indígenas no Brasil piorou durante o atual governo. Ainda em campanha eleitoral, em 2018, Bolsonaro repetiu em várias ocasiões sua posição contrária à demarcação de terras indígenas que, para ele, prejudicam o agronegócio e representam uma trava ao desenvolvimento.
"Diante da magnitude dos obstáculos, inclusive financeiros, é fundamental poder contar com a contribuição de países, empresas, entidades e pessoas dispostas a atuar de maneira imediata, real e construtiva na solução desses problemas."
Os EUA ressaltaram que o Brasil precisa conter até o final do ano a progressão da destruição da floresta como condição para que os americanos comecem a considerar o envio de ajuda internacional, como Salles e Bolsonaro têm cobrado. O ministro tem afirmado que o país precisa de US$ 1 bilhão para diminuir o desmatamento no curto prazo. Ao menos até agora, o pleito encontra ceticismo em Washington — que prega comprometimento de recursos apenas após a entrega de resultados.
Boicote aos mercados de carbono
"Os mercados de carbono são cruciais como fonte de recursos e investimentos para impulsionar a ação climática, tanto na área florestal quanto em outros relevantes setores da economia, como indústria, geração de energia e manejo de resíduos. Da mesma forma, é preciso haver justa remuneração pelos serviços ambientais prestados por nossos biomas ao planeta, como forma de reconhecer o caráter econômico das atividades de conservação. Estamos, reitero, abertos à cooperação internacional.[...] Contem com o Brasil."”
Logo após ser eleito em 2018, pediu que o Brasil retirasse sua candidatura para sediar a Conferência do Clima da ONU (COP25), marcada para o ano seguinte. No evento, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, usou as reuniões bilaterais com países desenvolvidos para pedir dinheiro ao Brasil, enquanto dificultava negociações para criação de um mercado de carbono para incentivar ações de mitigação dos efeitos das mudanças climáticas.
O governo Bolsonaro boicotou eventos regionais da ONU sobre mudanças climáticas ao longo de 2019 —cancelou um encontro regional da ONU sobre o assunto que aconteceria em Salvador e não enviou representantes ao Peru para uma conferência sobre gestão florestal e agricultura organizada pelo Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento).
Com informações da Folha de S.Paulo