
Em setembro de 2019, em seu primeiro ano como governador do estado de SP, João Doria mandou recolher um livro que tratava das diversidades de gênero e sexualidade destinado aos estudantes da 8ª série. À época, afirmou ser contra a “apologia à ideologia de gênero”.
“Fomos alertados de um erro inaceitável no material escolar dos alunos do 8º ano da rede estadual. Solicitei ao Secretário de Educação o imediato recolhimento do material e apuração dos responsáveis. Não concordamos e nem aceitamos apologia à ideologia de gênero”, declarou Doria.
O material em questão era uma apostila que explicava os conceitos de sexo biológico, identidade de gênero e orientação sexual, ou seja, tratava de um tema caro aos adolescentes: as diferenças sexuais e como lidar com ela.
A recusa em abordar a questão de gênero e sexualidade nas escolas produz consequências diárias, uma delas ganhou as redes nesta quinta-feira (10), quando uma estudante trans da Escola Estadual Galdino Pinheiro, em Mogi das Cruzes foi cercada por colegas e agredida com socos e chutes.
Segundo a estudante, as violências transfóbicas eram diárias e nada era feito, por parte da escola, para cessar com elas. Após sofrer as agressões, a estudante não quer mais sair de casa e afirma não querer voltar “nunca mais” à escola.
Educando para a diversidade
À Fórum, a vereadora Erika Hilton (PSOL-SP) defende uma abordagem sistemática e estrutural das questões referentes às sexualidades e identidades de gênero nas escolas.
“As medidas que podem ser tomadas para evitar esse tipo de violência absurda e assustadora dentro do ambiente escolar é sem sombra de dúvida nenhuma a sensibilização dos alunos, dos professores, de todo o corpo escolar para que entenda, compreenda e saiba lidar com as questões de gênero e de sexualidade”, diz Hilton.
A deputada estadual Erica Malunguinho (PSOL-SP), que irá se encontrar com a diretora da escola na semana que vem, afirma que o caso não pode ser tratado como “mais um”.
“A violência que tomou corredores de uma escola estadual contra uma estudante trans é sintomática de nossa conjuntura atual. A escola, por ser nosso espaço essencial de formação, não pode, em instância alguma, ser celeiro de intolerância, mas sim de construção de cidadanias. Não podemos permitir que travestis e transexuais, nem quaisquer outras formas de vida e expressão, sejam violentadas fisicamente e psicologicamente em nossas escolas”.
Presidenta da APEOESP (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) e deputada estadual, Bebel (PT-SP) revela que a sindicato possuía um programa de combate à violência nas escolas, mas que foi descontinuado pelo governo Doria.
“Evidencia-se, além da transfobia dos agressores, a falta de uma política de prevenção à violência nas escolas e de um trabalho de educação realmente civilizatória. Lamentavelmente a Secretaria Estadual da Educação esvaziou e descontinuou o programa de mediação escolar, que a APEOESP contribuiu para formular há mais de dez anos, pelo qual professores com a devida orientação realizavam um trabalho de conscientização e dissuasão de possíveis conflitos nas escolas”, diz Bebel.
“Caso isolado”
Em nota enviada a Fórum, a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP) declarou “repudiar qualquer forma de violência”, mas destacou o fato de se tratar de “um caso isolado”. A vereadora Erika Hilton rebate tal hipótese é enfática ao dizer que não se trata de um caso isolado e afirma que, como estudante da rede pública de ensino de São Paulo vivenciou violências transfóbicas.
“Isso não é um caso isolado, isso é reflexo de toda a sociedade e de como o ambiente escolar também é de certa maneira pela manutenção da LGBTfobia. Dizer que isso é um caso isolado mostra o desconhecimento do secretário sobre qual é a realidade de alunos, alunas e alunes LGBT dentro das escolas públicas do estado de São Paulo”, critica Hilton.
Por sua vez, Malunguinho afirma que é chegado o momento de “represar e tratar a corrente de ódio que toma o país. É preciso se atentar às crescentes células ligadas a pautas neofascistas / nazistas e a discursos de intolerância, minimizando a escravidão e a violência contra a mulher, que têm se espalhado de forma muito veloz”.
“É preciso envolver os jovens nesse debate a ponto de conscientizar e desconstruir todo esse mau que a sociedade construiu ao longo do tempo acerca dos corpos LGBT. Isso não é uma tarefa fácil, isso é uma tarefa muito difícil, que demanda uma interdisciplinaridade, mas este é o caminho, o caminho da sensibilização, o caminho da educação, o caminho de programas escolares que traga esse debate para dentro do ambiente escolar e descontrua o ódio, as discriminações e naturalize a presença de LGBTs no âmbito escolar”, finaliza Erika Hilton.
Por Marcelo Hailer, da Fórum