A última edição da revista semanal Le Monde Magazine dedicou duas páginas à ministra da Agricultura, Tereza Cristina. Intitulada “La “Mme Déforestation’ de Jair Bolsonaro” (A “Senhora Desmatamento” de Jair Bolsonaro”), a reportagem descreve a deputada federal licenciada como “temível e influente’, uma “dama de ferro dedicada ao comércio agrário, cuja política acaba de levar a um novo recorde de desmatamento da Amazônia brasileira.
Segundo o texto, em plena pandemia, o Brasil registrou a explosão do desmatamento desde o início do ano, um aumento de 55%, levando ao desaparecimento de 1.202 quilômetros quadrados de floresta tropical em quatro meses, o equivalente a mais de 1.400 campos de futebol por dia.
O dado, considerado inédito na estação chuvosa, segundo o Instituto Brasileiro de Pesquisas Espaciais (Inpe), registra a matéria, se soma aos 10 mil quilômetros quadrados destruídos no ano passado. “Por trás desses dados, há um homem, é claro, Jair Bolsonaro. Mas também uma mulher: Tereza Cristina, 65, ministra da Agricultura toda-poderosa e, sem dúvida, a figura mais influente do governo de extrema-direita”, diz um trecho da reportagem.
“Nós a conhecemos em novembro de 2019, em uma tarde tempestuosa em seu vasto ministério de vidro e concreto, localizado no Eixo Monumental de Brasília. Polida, precisa, atenciosa, com seus 1,56m e seus óculos sérios, “Tereza” parece pouco com seu chefe”, segue. “Ela é o rosto respeitável deste governo de louco “, aponta um observador.
“Musa do agrotóxicos”
Traçando o perfil da ministra, ‘Tereza’ é descrita, ainda, como uma mulher com punho “à la Thatcher, uma ‘Dama de Ferro’, em todos os sentidos da palavra”. “Ela também é, e talvez acima de tudo, uma mulher controversa, apelidada de ‘musa do veneno’ por causa de seu apoio implacável aos pesticidas. ‘No começo, esse apelido me incomodou, agora virou piada!’, ela diz, rindo, certa do fato e de seu próprio poder. Pesticidas, desmatamento, taxas de câmbio, acordos comerciais… desde sua chegada ao governo, nenhum arquivo escapou dela”, relata mais adiante. “Porque a ‘musa’ é uma executora do rei”.
Depois de uma breve retrospectiva da trajetória política da Tereza Cristina, a revista sublinha o apoio da atual ministra ao então candidato Jair Bolsonaro, em 2018, a partir da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). “Esse apoio foi decisivo”, disse Bruno Bassi, especialista em agricultura do observatório De Olho nos Ruralistas.
Citando a força de Tereza, a revista também recorda que o ministro da Economia, Paulo Guedes, desistiu de cortar os subsídios agrícolas e que o chefe da diplomacia, Ernesto Araujo, teve que parar suas investidas contra a China comunista, um grande comprador de soja. “Acima de tudo, Bolsonaro teve que se resignar a permanecer no acordo climático de Paris”, diz adiante.
“Tereza Cristina é inteligente: conhece nossas preocupações com as mudanças climáticas. Ela sabe o impacto que uma imagem ruim do Brasil pode ter nas exportações”, afirmou um diplomata europeu em Brasília. A matéria ainda afirma que, certo do poder da ministra, Tereza foi escalada a “apagar incêndios diplomáticos” criados por seu chefe, visitando 32 países em apenas um ano, a fim de “tranquilizar os parceiros temerosos e negociar acordos comerciais na linha de frente, como o tratado de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul, diz a reportagem.
474 novos pesticidas
“‘Tereza Cristina é competente, mas em destruir o meio ambiente!’, diz Marina Lacôrte, coordenadora do Greenpeace. Isso aponta, entre outras coisas, para a explosão do desmatamento na Amazônia (+ 85% em 2019, principalmente devido à agricultura intensiva) e o registro recorde de 474 novos pesticidas em um único mesmo ano”, segue o texto.
“Metade desses produtos é altamente tóxico e quase um terço é proibido na União Europeia. Esse governo tem um plano claro: envenenar o Brasil ainda mais”, lamenta Lacôrte. E questiona: principal consumidor mundial de produtos fitossanitários, o Brasil realmente precisava de uma “dose de veneno”?
“Diante das críticas, ‘Tereza’ tem argumentos bem elaborados. Primeiro: ‘Noventa e quatro por cento dos novos produtos são genéricos dos pesticidas existentes. Segundo: ‘Essas aprovações ajudam a combater o contrabando de produtos mais baratos e perigosos do exterior’. Terceiro: ‘Nossa agricultura é diferente da sua, na Europa. Nosso clima é tropical, não temos o seu inverno, que mata todos os insetos e microorganismos”, disse a ministra ao jornalista.
“‘Eu tenho a consciência limpa. A agricultura brasileira não é responsável pelo desmatamento! Posso até lhe dizer que é a que mais conserva no mundo’, disse, contrariando o óbvio. ‘Além disso, onde ocorreu esse desmatamento? Em terras públicas? Privadas? Em reservas? Legais ou ilegais? Precisamos analisar o assunto de perto’, diz ela, lamentando que ‘infelizmente assuntos muito técnicos sejam politizados por aqueles que desejam criar um clima de pânico’”, completa outro trecho.
Pandemia
E diante do “Coronavírus? “Tereza Cristina viu isso como uma ameaça e uma oportunidade. Ameaça, porque a globalização recuou e as fronteiras poderiam ser fechadas para as exportações agrícolas brasileiras. Mas também uma oportunidade para avançar em assuntos que são importantes a ela”, diz adiante.
“Nas próximas semanas, a muito criticada ‘MP 910’ seria votada no Parlamento: um texto que permitiria a regularização maciça de terras agrícolas desmatadas ilegalmente entre 2011 e 2018 na Amazônia”. Uma medida que ela apoia com todo o seu peso. “Então, seria Tereza Cristina intocável? Nem tanto. Jair Bolsonaro alertou: em seu governo, ninguém é insubstituível. Aqueles que “fingem ser estrelas” podem ser demitidos com uma “canetada”. “O mesmo aconteceu com os ministros muito populares Luiz Henrique Mandetta, na Saúde, e Sérgio Moro, na Justiça. ‘Há muito sangue político em mim, gosta de repetir a ‘musa’”, conclui.