População carcerária é uma das mais vulneráveis ao covid-19

Reportagem da Folha de S. Paulo denuncia a situação do sistema carcerário brasileiro, com 31% dos presídios sem atendimento médico.
Esse cenário tem alarmado especialistas, órgãos da justiça, observadores internacionais e entidades brasileiras de direitos humanos.
As justiças de alguns estados já tomam decisões, em caráter excepcional, para enfrentar a pandemia. É o caso de São Paulo que, na noite de sexta (27), determinou que 151 homens detidos na penitenciária de Tremembé, no interior paulista, cumpram suas penas em casa.
Para se ter uma ideia da bomba biológica que o coronovírus pode representar para o sistema carcerário no Brasil, hoje são 460,7 mil vagas nas prisões para 752,2 mil custodiados no país.
A conta não fecha. Autoridades, além de defensores dos direitos humanos, que já lidam com denúncias de tortura e relacionadas às condições insalubres das prisões, agora são desafiados a pensar também saídas para o problema da falta médicos e de estrutura na pandemia.
“Não tenho dúvida de que uma epidemia sem retaguarda [médica] vai dizimar parte da população carcerária, diz o professor da Faculdade de Medicina da USP, Mário Scheffer, à Folha.
Detalhando um pouco mais, 446 dos 1.439 presídios não contam com assistência médica interna, o que dificulta a identificação e triagem de casos suspeitos de covid-19.
Somado a isso, a realidade da terceira maior população carcerária do mundo, com celas abarrotadas de pessoas e problemas de saúde como infecção pelo HIV, sífilis e tuberculose, assusta pelo grande potencial de contágio do novo coronavírus.
O percentual (31%) divulgado pela Folha está baseado em dados do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Os números são fruto de inspeções realizadas pelo CNMP nas unidades prisionais.
“Há uma necessidade de que o atendimento a esses internos observe aqueles cuidados mínimos que são ocasionados pelos problemas de superlotação. Doenças que não são problemas no ambiente externo ainda hoje representam um quadro grave nas unidades prisionais. Por exemplo, a tuberculose”, afirma o promotor de Justiça Antônio Suxberger, membro auxiliar da comissão do sistema prisional do CNMP.
De outra forma, Domingos Sávio Dresch da Silveira, coordenador da Câmara do Sistema Prisional, ligada à PGR (Procuradoria-Geral das República), esclarece em entrevista à Folha que o que se entende por assistência nos presídios, é, “quando muito, um médico duas vezes por semana. Não é um pequeno hospital, uma enfermaria”.
A carência de profissionais é ainda mais sentida quando são necessárias medidas prévias de isolamento, além de logística de deslocamentos, nem sempre adequadas.
Pastoral Carcerária
No Rio de Janeiro, a Pastoral Carcerária recebeu denúncias de que enfermarias estariam lotadas por causa da falta de profissionais da área da saúde e do excesso de pessoas com doenças – principalmente problemas respiratórios – sem a quantidade necessária de medicamentos e equipamentos para tratamento.
Liberação de detentos
A situação é tão preocupante que o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e setores do MPF (Ministério Público Federal) defendem, de forma excepcional, a liberação de parte dos detentos do país como estratégia contra a pandemia.
Conselheiro e supervisor de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Prisional no CNJ, o juiz Mário Guerreiro diz que as orientações visam à proteção não só dos presos, mas ao conjunto da sociedade. “O avanço da contaminação no sistema carcerário afeta quem está do lado de fora”.
Entre as medidas para controlar a circulação do vírus, o Conselho recomendou a magistrados a reavaliação de prisões provisórias de grupos vulneráveis (como mães, pessoas com deficiência e indígenas), ou quando o estabelecimento prisional “estiver superlotado ou sem atendimento médico”.
Até este domingo (29), não havia caso de Covid-19 nas prisões notificado pelo ministério.