O professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) José Luiz Borges Horta considera o conceito Socialismo Criativo “uma expressão da alma brasileira”. Ele foi o terceiro convidado do ciclo de debates promovido pelo Instituto Pensar e o Socialismo Criativo, em conjunto com o Partido Socialista Brasileiro (PSB). Horta participou do projeto nesta quarta-feira (7) e também falou sobre a formação do Brasil e a relevância da concepção socialista para a retomada do desenvolvimento do país.
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Socialismo Criativo é expressão da alma brasileira
Horta analisou o conceito de Socialismo Criativo defendido pelo PSB. Ele comenta que a partir dessa concepção socialista é possível chegar a três conclusões. A primeira é de que o conceito é chave fundamental para o tempo presente. O professor explica que o mundo está perdido e há uma necessidade mundial por respostas. Para ele, o esforço da Autorreforma do PSB preenche essa lacuna.
“Estamos há décadas sob efeito de bombas semióticas de grande proporção. Começou com a ideia do fim da História, o pensamento único, a governança… Todos esses termos que existem para que nós não possamos pensar. O mundo não consegue mais pensar alternativas socialistas. Em primeiro lugar, há uma necessidade mundial de respostas.”
O segundo ponto destacado por Horta sobre o conceito de Socialismo Criativo é de que a ideia transborda brasilidade. Ele ressalta que o povo brasileiro tem como uma das características centrais a criatividade e que deve se orgulhar dela.
“O Socialismo Criativo é uma expressão da alma brasileira, da alma mais profunda do brasileiro. Porque nós não somos individualistas, somos coletivistas. Por que nós estamos agoniados de estarmos trancados nas nossas casas? Porque a gente quer estar com os outros. O brasileiro tem o ímpeto do coletivo, do gregário, do encontro, do abraço. Nós temos uma alma socialista.”
O terceiro ponto colocado pelo professor é a suposição de que se o conceito de Socialismo Criativo tivesse disponível antes, seria possível ter alavancado o desenvolvimento nacional a partir dele? Horta responde que o “talvez” é um problema para a História, de onde nada emerge sem que seja o momento correto e para o qual o cenário está pronto.
“Não há nada que apareça sem que possa aparecer, sem que haja maturidade suficiente para que aquilo emerja. Talvez o país não estivesse e nunca esteve preparado para uma chave tão bem construída como o Socialismo Criativo. Talvez ele não fosse compreensível lá atrás, nos anos 1920 ou 1930 ou 1960. Muito embora eu acho que inteligências como a do Caio Prado Júnior na hora captariam a fortaleza intelectual desse conceito.”
Revolução brasileira segundo Caio Prado Júnior
O professor Horta comentou que o pensamento de Caio Prado Júnior expressa com clareza o conceito de revolução brasileira no qual acredita. Ele concorda com a visão do historiador de que o movimento revolucionário não é uma ruptura brusca, e sim um processo que leva em consideração a realidade da sociedade brasileira. Para ele, a revolução não se deu, ela está se dando, pois é um processo, um continuum, uma dialética.
“Esse sentido de revolução com o dialética e não como ruptura absoluta, que gera o caos e depois do caos gera a ordem, é uma compreensão que só a dialeticidade nos permite ter. Não há essa noção de que simplesmente de um minuto para o outro vai se dar um Fiat Lux, gritar abracadabra ou lançar um pozinho de pirlimpimpim e tudo mudará. Não é assim. As mudanças históricas são sempre históricas. Portanto elas são sempre culturais, são sempre lentas e são sempre dadas no curso da luta.”
Para Horta, o destaque da inteligência de Caio Prado Júnior consiste em utilizar os recursos da ciência disponíveis no século 20, como a observação sociológica e da transformação popular, para compreender a revolução brasileira.
O professor compara a abordagem de Caio Prado Júnior à liderança de Vladimir Lenin durante a implementação do socialismo na Rússia e, depois, na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Ele comenta que há críticos do líder bolchevique que avaliam que o primeiro passo deveria ter sido o de promover a transição da Rússia feudal e czarista para um mundo agrário e, só depois, transitar para um mundo industrial.
“Isso é de uma tolice colossal. Lenin começou eletrificando a Rússia, gerando progresso. Cada país quando está em si para si no seu processo histórico, ele produz a sua própria transformação, a sua própria revolução.”
Horta refuta a ideia de que a revolução é uma receita de bolo que tem que ser cumprida segundo uma lista. Essa concepção, para ele, é não ter aprendido nem mesmo com Lenin.
Formação do povo brasileiro
Horta comenta que outro ponto crucial da obra de Caio Prado Júnior é que o historiador sintetiza o esforço de intelectuais brasileiros dos séculos 19 e 20 de compreenderem o que é o Brasil.
O professor discorre sobre os marcos históricos que conceberam a formação do Estado brasileiro. Ele recorda que o país foi criado na Áustria, durante o Congresso de Viena, em 1815. A razão era atender a interesses geopolíticos mundiais e, por isso, o Brasil foi elevado de colônia de Portugal para Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.
“Interessava à geopolítica europeia que houvesse um país aqui que fosse expressão de uma tradição cultural diferente das tradições que estavam em ebulição naquele momento.”
Horta avalia que o Brasil permanece sendo a maior potência das Américas ao sul do Equador. Para o professor, tanto Caio Prado Júnior quanto outros pensadores do século 20, entre eles Gilberto Freire, recuperam nos brasileiros as virtudes que o brasileiro efetivamente tem.
“Essa é uma chave interessante para ler esse esforço que foi feito no século 20. O que ocorre é que nós, cá no século 21, precisamos usar os dados, a ciência, os avanços intelectuais que nós temos no século 21 para operarmos o mesmo. Releituras do Brasil, compreensões do Brasil e fazermos avançar essa tradição sem abandonar a tradição que vem do século 19, do século 20, mas fazendo com que nós possamos enxergar o Brasil na direção que o país sempre teve de ser ele mesmo.”
Desenvolvimento brasileiro no século 21
Horta também discorreu sobre o desenvolvimento do capitalismo e da inserção do Brasil nesse processo. Ele avalia que a proposta do PSB com o Socialismo Criativo é a chave desse cenário. Pois nesta quarta revolução industrial, a criatividade é o principal insumo para estar em sintonia com o tempo presente que requer, mais do que bens de consumo, inovações tecnológicas como o Big Data, a Internet das Coisas e a automação.
“Nós não temos mais que pensar em um parque industrial voltado para produção de bens que não interessam mais. O que interessa mais e o que interessará mais ao século 21 e ao século 22 é o que nós temos de produzir.”
Outro ponto destacado pelo professor foi em relação à necessidade de implementar etapas intermediárias de desenvolvimento. Ele avalia que não existe uma história lógica para o desenvolvimento.
“Ao contrário, o desenvolvimento se daria e sempre se dará segundo a história impuser e ela vai impor e vai colocar na dinâmica própria da dialética. Ela não é uma dinâmica que a gente possa conduzir. Eu vou obrigar a dialética a ir por ali ou por aqui. Não funciona assim. é preciso observar a realidade e dar conta dela. Dar conta de realidade é exatamente perceber por onde a realidade está se desenvolvendo.”
Confira a live na íntegra:
Ciclo de lives “A Revolução Brasileira do século 21”
As lives são realizadas sempre às quartas, às 16h, e debatem, no âmbito da Autorreforma do PSB, a “Revolução Brasileira no século 21”. As discussões têm como referência a concepção do historiador Caio Prado Júnior. Horta foi entrevistado pelo presidente do do PSB Nacional, Carlos Siqueira, e pelo presidente do Instituto Pensar, Domingos Leonelli, com a mediação de James Lews. As transmissões são feitas pelo Facebook do PSB e do Socialismo Criativo. Já participaram do ciclo de debates o economista Luiz Gonzaga Belluzo e o geógrafo Elias Jabbour.