Por Domingos Leonelli*
A desigualdade de um país diminui conforme sua complexidade econômica aumenta. Essa é uma das mensagens-chave da matéria especial publicada pelo portal UOL na seção de economia sob o título Indústria da Desigualdade no último final de semana. De acordo com os especialistas ouvidos pelo veículo, o problema é que, atualmente, o Brasil vem trilhando o caminho oposto, com uma economia simplificada, vide a redução do papel da indústria de transformação, sem grandes inovações. Dessa forma, o país caminha para manter-se com a maior desigualdade social do mundo, por um longo período.
O texto confirma a tese do Partido Socialista Brasileiro (PSB) sobre o potencial dos avanços tecnológicos e criativos para a redução das desigualdades sociais. Embora a reportagem assinada por Vinícius Pereira não se refira textualmente à economia criativa, o texto atribui aos seus principais componentes ─ educação, pesquisa científica, ciência, tecnologia e inovação ─ como os principais fatores que determinam a redução das desigualdades, principal tema do Socialismo no mundo.
O PSB está em meio a um processo de autorreforma no qual segue fiel a seus princípios igualitários e orienta as expectativas de transformação social à economia criativa, como estratégia de desenvolvimento e atualização tecnológica das forças produtivas. Ao mesmo tempo, defende o aprimoramento da democracia representativa, por meio do uso intensivo de instrumentos participativos, já previstos em nossa Constituição.
O que se pretende, ao termo e ao cabo, é que realizado o processo de atualização de sua agenda política, o PSB se transforme em uma instituição tão atual e revolucionária, quanto os desafios que o mundo contemporâneo propõe a todos nós e, especialmente, aos agentes políticos. Para que o Brasil dê um salto criativo sobre seu passado tão desigual e injusto.
O posicionamento do PSB está em sintonia com estudos recentes que mostram que uma sociedade que produz coisas simples tem desigualdade maior. Pesquisadores da Cornell University, nos EUA, combinaram métodos para mostrar que os países exportadores de produtos complexos (medidos pelo Índice de Complexidade Econômica) têm níveis mais baixos de desigualdade de renda do que os países que exportam produtos mais simples, como minério de ferro, soja, milho e outros produtos agrícolas.
Ou seja, a estrutura produtiva da economia de um país condiciona a desigualdade e, quanto mais complexa ela for, menor a desigualdade no local. Isso porque uma economia com mais complexidade, com indústrias e serviços modernos e tecnológicos, exige um aumento de produtividade do trabalhador, que passa a produzir bens mais valorizados e, assim, também recebe melhores salários.
Os pesquisadores usaram como exemplo dados do Chile e da Malásia. O país sul-americano tem renda per capita de US$ 21.044 e escolaridade média de 9,8 anos, e é apenas o 72º colocado no ranking de complexidade econômica. Etem o Coeficiente de Gini de 0,49 (que vai de 0 a 1, sendo que 0 significa menos concentração de renda).
Já a Malásia, de acordo com o estudo, tem renda per capita de US$ 22.314 e escolaridade média de 9,5 anos. Ambos bem próximos ao Chile, mas possui Gini de 0,39 (bem melhor que o chileno) e ocupa a 24ª posição no ranking de complexidade econômica. Ou seja, Chile e Malásia são quase iguais em movimentação econômica, mas muito distantes em termos de desigualdade social. Um exporta commodities, o outro produtos industrializados com valor agregado.
Na prática, esse resultado revela uma correlação forte e robusta entre o índice de complexidade econômica e a desigualdade de renda. Os países que não têm uma indústria desenvolvida, high e midle tech, são os mais desiguais. As sociedades com mais indústrias modernas e tecnologicamente avançadas têm uma classe média mais ampliada, uma boa rede de empregos, melhores salários e produtividade. Isso faz com que a desigualdade seja menor.
Embora esse não seja o único fator de desigualdade, essa relação deixa claro que países como Chile e Malásia ficam próximos em fatores como renda per capita e escolaridade média. De um lado, a Malásia tem uma complexidade econômica muito maior (exporta principalmente eletrônicos) do que do que a chilena (exporta principalmente cobre).
Um país sem indústrias modernas e tecnologicamente avançadas, manterá sua desigualdade, como no caso do Brasil. Segundo avaliação de Paulo Gala, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), mesmo as políticas de transferência de renda positivas, como as implantadas no país nas últimas décadas, não são suficientes para uma diminuição sustentável da desigualdade. O fato é que a desigualdade dos últimos anos diminuiu por conta de política de transferência de renda, mas agora percebemos que não tivemos sofisticação produtiva e avanço industrial. Por isso, com a crise, as políticas recessivas do último ano de governo Dilma Rousseff e dos governos de Michel Temer e de Jair Bolsonaro, a desigualdade voltou a ocorrer.
Serviços, agronegócio e indústrias
Outra informação importante trazida pela matéria é que enquanto a indústria de transformação brasileira cai, o agronegócio e o setor de serviços continuam a aumentar. Nos últimos 15 anos, o setor de serviços avançou de 64% do PIB para 73%. O resultado, porém, acaba não auxiliando em um aumento da renda média. O processo brasileiro não é equivalente ao de economias maduras, que passam pela industrialização e, depois, vão ao setor de serviços complexos. Esse setor, para o Brasil, não compensa, pois é precarizado, não tem empregos de impacto para aumentar os níveis de renda. E quando ocorram pequenos avanços tecnológicos, o desemprego causado não é compensado com a requalificação dos trabalhadores e sua realocação.
Já o agronegócio, que acumula resultados positivos e segurou o PIB brasileiro nos últimos anos, é, em grande parte, um concentrador natural de renda. De acordo com a coordenadora do curso de Economia do Insper, Juliana Inhasz, “o grande serviço do agro é da natureza. A agregação de valor é muito baixa e as remunerações também são baixas. Isso cria uma disparidade de renda”.
A matéria mostra que a indústria de transformação em crise não causa só desemprego, mas também aumenta desigualdade social. A relação de produtos industrializados “made in Brazil” do dia a dia revela um grave problema econômico do país: a indústria brasileira passa por dias difíceis. Além da influência sobre fatores puramente financeiros, essa dificuldade também leva ao aumento da desigualdade no país.
A queda da indústria é notada por diversos indicadores econômicos. Apenas em junho, a produção industrial recuou 5,9% em comparação com o mesmo mês do ano passado. Enquanto isso, nos primeiros cinco meses do ano, São Paulo, o maior polo industrial do país, registrou o maior número de fechamentos de indústrias de transformação e extrativas da última década.
O problema, contudo, não é exclusivo de hoje. De acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a indústria, que chegou a representar 28% do PIB (Produto Interno Bruto) há 15 anos, ficou em 21% em 2018. Isso considerando a indústria com um todo: mineração, construção civil, petróleo etc. A indústria manufatureira, a que mais agrega o valor, representa, hoje, apenas 11,3 % do PIB. Uma indústria pouco competitiva, afetada pela abertura do mercado interno a estrangeiras e com um câmbio alto em relação ao dólar, asfixiada por um sistema financeiro hiperdimensionado e quase sufocada pela recessão que chegou há cerca de cinco anos.
* Domingos Leonelli, diretor do site Socialismo Criativo, presidente do Instituto Pensar e integrante da Executiva Nacional do PSB