
As desigualdades sociais e os efeitos nocivos do racismo afetam a atuação profissional de pessoas negras nas mais diversas áreas do mundo do trabalho, e a enfermagem é uma delas. Em artigo publicado na Carta Capital, a enfermeira Alva Helena de Almeida, mulher negra, traz à tona assimetrias relacionadas ao acesso e ocupação dos postos de trabalho da enfermagem no Brasil, partindo da crise sanitária.
Ela, que atualmente trabalha em hospital universitário do Rio de Janeiro, destaca a atuação de profissionais negras na linha de frente do combate à pandemia do novo coronavírus – sobretudo no momento de maior índice de contaminação e mortalidade no país -, com muitas delas indo à morte. E cita a colega de profissão Jaqueline dos Santos, enfermeira que atuava em Salvador e foi uma das 100 mortes provocadas pela Covid-19.
Não deveria ser assim, mas, segundo Alva, tanta dedicação e entrega não são reconhecidas. De acordo com ela, a expressiva presença negra na enfermagem do país não está representada na forma como a sociedade vê essas profissionais.
“A enfermagem brasileira institucionalizada nasceu sob o escudo do ‘branqueamento’. A imagem da “enfermeira padrão” cristalizou a identidade profissional via elitização e branqueamento, sinônimo de respeito social”, escreve.
Ao traçar o cenário histórico, Almeida remonta aspectos do Brasil colonial, período em que eram atribuído às mulheres pretas e pardas as práticas de cuidados e curas. Ela assinala que foi intensa “a participação delas como parteiras, amas de leite, negras domésticas, babás, mães pretas, isto é, mulheres que cuidavam de enfermos, velhos e crianças, mesmo que para tanto devessem abandonar os seus próprios filhos”.
Apesar disso, afirma ela, “o processo de profissionalização iniciado por volta de 1860 lhes negou o espaço de atuação”.
A profissional enxerga da adoção de mecanismos de elitização e embranquecimento uma negação ao acesso dessas profissionais à qualificação em nível superior.
Recorrendo a registros históricos da profissão, Almeida conta que o ingresso na Escola de Enfermeiras do Departamento Nacional de Saúde Pública em 1923 passou a depender não apenas da posse do diploma do curso técnico, como também de um pré-requisito não formalizado: “ser de raça branca”.
Mulheres negras interrompidas
E desnuda, em seu artigo, o legado racista que deixou o nível médio como única opção para as mulheres negras que quisessem atuar na área. Situação que como relata, perdura até os dias atuais. Contudo, hoje as barreiras que impedem enfermeiras negras e pardas de acessarem o ensino superior são, na maioria das vezes, as desigualdades socioeconômicas.
Alva Helena de Almeida ainda apresenta uma pesquisa do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), divulgada em 2017, com levantamento sobre enfermeiras, técnicas e auxiliares de enfermagem no Brasil. De acordo com os dados do Cofen, do total de profissionais pesquisados, 53% são negras, 42% brancas, 1,9% amarelas e 0,6% indígenas.
Ao confrontar esses percentuais com a distribuição por raça e escolaridade, ela enumera a “constatação de que 57,4% são trabalhadoras negras no nível médio, sob o comando de 57,9% de enfermeiras brancas”.
Em seu texto, Alva reforça que os dados relativos à formação exacerbam ainda mais as desigualdades: 72% das auxiliares e técnicas qualificaram-se em instituições privadas; 43,8% na modalidade curso noturno e 28,5% concluíram cursos de graduação, certamente particulares. Esses resultados reproduzem a realidade dos serviços de saúde no país há muito tempo.
Confira íntegra do artigo publicado na Carta Capital, nesse link.
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